O Ministério da Economia espera que a liberação do saque extraordinário de até R$ 1 mil das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ajude a reduzir o nível de endividamento das famílias, agravado em meio à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.
Embora a própria pasta calcule que até R$ 30 bilhões sejam resgatados do fundo, uma nota técnica que será publicada nesta quinta-feira (5) pela Secretaria de Política Econômica (SPE) sugere que o montante não deve ter impacto significativo no aumento do consumo e, portanto, na pressão inflacionária. “Salienta-se que o saque extraordinário não constitui política fiscal expansionista e não tem propósito de estimular a demanda agregada e o consumo”, diz a nota da SPE.
Segundo Pedro Calhman de Miranda, secretário de Política Econômica, a liberação do saldo visa corrigir a má alocação de recursos das famílias que estão endividadas. “Esse é o objetivo”, diz. “O limite que foi escolhido foi calibrado para não prejudicar o orçamento das operações normais do FGTS nos setores de construção civil e saneamento.” Segundo dados da Caixa, o fundo encerrou o exercício de 2020 com patrimônio líquido de R$ 113 bilhões – os dados de 2021 ainda não estão disponíveis.
O governo considera que a atividade econômica e a ocupação da população já estão em níveis próximos aos do período anterior à pandemia – a taxa de desemprego é a menor desde fevereiro de 2016. O endividamento das famílias, no entanto, é considerado uma sequela da crise sanitária que ainda precisa ser combatida.
O chamado saque extraordinário foi instituído em março, por medida provisória, e permite que cada trabalhador retire até R$ 1 mil, independentemente do número de contas. As liberações, que tiveram início no dia 20 de abril, são feitas por mês de aniversário e vão até o dia 15 de junho.
De acordo com o Ministério da Economia, 42 milhões de trabalhadores têm saldo em contas no FGTS. Desse total, 49,1% têm até R$ 1,2 mil depositados; 28,3%, até R$ 5 mil; 17%, até R$ 20 mil; e 5,6%, acima de R$ 20 mil.
Com base em uma amostra da Grande São Paulo, a SPE projeta, com o saque extraordinário, uma redução de 10% a 13% no total de famílias com contas em atraso, o que corresponderia a cerca de 100 mil núcleos familiares apenas nessa região. “Esperamos que esse número se reflita para todo o país”, diz Miranda.
Nível de endividamento é o maior desde 2005
Segundo dados do Banco Central (BC), 52,6% das famílias brasileiras estavam endividadas em dezembro de 2021. Ainda de acordo com o BC, 27,9% da renda média estava comprometida com o pagamento do serviço da dívida junto ao Sistema Financeiro Nacional. Ambos os indicadores estão nas máximas históricas, em uma série que tem início em março de 2005.
Já a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), na Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), estimou em 74,5% o total de famílias brasileiras endividadas em dezembro – 8,9 pontos porcentuais acima do observado em 2019, antes do início da pandemia. A taxa também é a maior registrada historicamente. De acordo com o levantamento, as famílias com renda de até 10 salários mínimos eram as mais endividadas.
Mais de 65 milhões de pessoas eram consideradas inadimplentes pelo Serasa no último mês de fevereiro. O total de dívidas, conforme a instituição, atingiu R$ 263 bilhões, mais de R$ 4 bilhões acima do registrado em 2020. Ainda segundo o Serasa, o valor médio por inadimplente é de R$ 4 mil, sendo que o valor médio de cada dívida é de R$ 1.190. As principais dívidas referem-se a banco ou cartão de crédito (28,6%); contas como água, luz e gás (23,2%); e varejo (12,5%).
Governo não prevê aumento de consumo com saque do FGTS
Os saques extraordinários não estão vinculados ao pagamento compulsório de dívidas, mas a SPE baseia-se no histórico de medidas anteriores semelhantes, como o saque imediato, de 2019, e o saque emergencial, de 2020, para concluir que a maior parte dos recursos serão direcionados à quitação de contas em atraso.
A pasta não estimou quantas famílias devem efetivamente utilizar os recursos para quitação de dívidas. Para o titular da SPE, não há risco de aumento de inflação, uma vez que não há injeção de “dinheiro novo” na economia. Além disso, o pagamento das contas em atraso não deve levar necessariamente a novas operações de crédito, segundo ele.
“O dinheiro já estava aplicado; são recursos que já estavam circulando na economia, não são novos. Nós estamos apenas redistribuindo para melhor utilização”, diz Miranda. Os recursos do FGTS são utilizados para financiar operações de crédito nos setores de habitação, saneamento e infraestrutura urbana, títulos públicos federais, debêntures e cotas de fundos de investimento.
Nesta quarta-feira (4), o governo anunciou um novo pacote de medidas trabalhistas, que incluiu a liberação do uso do FGTS por mulheres para o pagamento de creche para seus filhos e para cursos de profissionalização. O Ministério da Economia não comentou a modalidade por se tratar de iniciativa do Ministério do Trabalho e Previdência.
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