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Cenário econômico

Crise hídrica, inflação e mais: 6 riscos que podem frear o avanço do PIB em 2021

PIB
Crise hídrica ameaça o abastecimento de energia e encarece a eletricidade. (Foto: Henry Milléo/Arquivo/Gazeta do Povo)

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As projeções para o crescimento do PIB brasileiro estão em alta. Há sete semanas, uma pesquisa feita pelo Banco Central (BC) junto a instituições financeiras, sinaliza esta tendência. O ponto médio (mediana) das previsões está em 4,85%, mas já há gente no mercado financeiro trabalhando com um cenário mais robusto: 5,5%.

A taxa, se confirmada, será a maior em dez anos. Ainda longe, no entanto, de compensar uma década inteira de crescimento pífio. Entre 2011 e 2020, o PIB brasileiro acumulou crescimento de apenas 2,7%, enquanto a economia mundial teve expansão de 26,7%, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O bom número do crescimento previsto para 2021 reflete também uma base de comparação mais fraca. Por causa da pandemia, a economia brasileira encolheu 4,1% no ano passado, o pior resultado desde 1990. E, seguindo uma tendência dos últimos anos, o Brasil deve crescer menos do que a média mundial. A projeção do FMI para o PIB global é de um crescimento de 6%.

Um dos fatores que favorece o Brasil é o bom momento das commodities. No primeiro trimestre, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB nacional cresceu 1,2% em comparação ao último trimestre de 2020.

Mas, mesmo diante do cenário favorável, persistem pelo menos seis riscos que podem afetar a economia brasileira em 2021 e afetar seu crescimento. Confira a seguir quais são eles.

1. Antecipação da campanha eleitoral

A antecipação da campanha eleitoral e a polarização política travam o andamento das discussões das reformas administrativa e tributária. Elas têm impacto sobre a formação das expectativas. “Elas estão correndo de forma muito lenta e discussão com maior vigor só em 2023”, projeta Patrícia Krause, economista da Coface para a América Latina.

Fabio Astrauskas, sócio da Siegen Consultoria, aponta que esse cenário de polarização, que surgiu nas eleições presidenciais de 2014 e que desde então ganhou força, contribuiu para atrapalhar o crescimento da economia. Desde então, a economia brasileira encolheu 6,4%, de acordo com dados do FMI.

O sócio-estrategista da 051 Capital, Rossano Oltramari, projeta um cenário político conturbado daqui para a frente. “Os cavalos já estão na pista”, diz, referindo-se às candidaturas do atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Mas não é só a disputa eleitoral que vai acrescentar temperatura ao caldeirão. Segundo Oltramari, é preciso ver o rumo que seguem as relações institucionais entre o Executivo, o STF e o Congresso.

Os economistas do banco Ourinvest apontam que, sem história boa para contar, não há investimentos maciços. “O clima de eleições e desafios conjunturais devem nos deixar aquém do mundo. Nossa recuperação deve ser mais lenta e com solavancos, sobretudo na ausência de reformas. Em 2022, um crescimento de 2% nos parece razoável. Será que nosso crescimento estrutural é mais para 2% que 4%? Achamos que sim”, ressaltam eles, em relatório.

Outro agravante é que, tradicionalmente, há um aumento de gastos públicos em períodos pré-eleitorais. “Há uma tendência ao uso da máquina pública”, diz Astrauskas. E este momento coincide com um cenário de mais despesas por causa da pandemia da Covid-19.

No ano passado, o déficit primário (que não leva em conta o pagamento de juros com a dívida), fechou em 9,5% do PIB. Para este ano, a expectativa, de acordo com o ponto médio (mediana) das projeções coletadas pelo Banco Central (BC) é de 2,9% do PIB. As alternativas que o governo tem são poucas, diz João Beck, sócio e economista na BR Advisors: “Ou arrecada mais ou para de gastar mais”, diz.

2. Crise hídrica

A crise hídrica, marcada pelo baixo nível dos reservatórios das usinas e pelas poucas chuvas durante o período úmido, pode atrapalhar o crescimento da economia brasileira e provocar novas altas de preço.

Para atender à demanda de energia e evitar que a situação das hidrelétricas chegue no final do ano em situação crítica, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) está acionando usinas termelétricas, que fornecem energia mais cara. Também foi estabelecida a cobrança da bandeira vermelha nas contas de energia. “Isto contribui para pressionar ainda mais a inflação”, ressalta Beck.

Segundo Astrauskas, da Siegen, o risco energético se sobrepõe àquele gerado por uma eventual terceira onda da pandemia da Covid-19. “A primeira veio com o desconhecimento de todo mundo. A segunda teve efeitos menores sobre o PIB e uma terceira não deverá ter tantas medidas restritivas como aconteceu na primeira onda.”

Oltramari descarta, no curto prazo, que a crise hídrica possa levar a um racionamento. Apesar de os níveis dos reservatórios estarem próximos dos de 2001, ano do "apagão", o Brasil tem algumas vantagens em relação àquele ano, quando quase 90% da energia gerada era de origem hidráulica.

De lá para cá, o sistema ficou mais interligado – passando de 60 mil km para mais de 140 mil km de linhas de transmissão – e houve um aumento de 233% na potência instalada, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Com a ampliação do uso de outras fontes (eólica, solar, térmica), a dependência de hidrelétricas diminuiu – hoje elas respondem por pouco mais de 60% do parque gerador.

De todo modo, a palavra racionamento, antes nem mencionada, começou a aparecer – ainda que como hipótese remota – em notas técnicas de órgãos como o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). E agora frequenta o discurso de autoridades do setor e políticos.

Na última terça-feira (15), o presidente da Câmara, Arthur Lira, reuniu-se com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. E saiu dizendo o seguinte: "Não se falou em apagão. Falou-se em racionamento, economia, porque infelizmente a gente não manda na chuva".

"Vai ser mais ou menos parecido com o que aconteceu em 2001 [quando houve racionamento de energia] e em 2014 [quando houve uma seca severa, mas sem racionamento]", disse Lira, ao comentar o que o ministro lhe contou sobre as perspectivas de abastecimento.

3. Inflação e juros em alta

Outra preocupação é com a alta na inflação, que deve ser pressionada pela geração de energia térmica, que é mais cara. O índice oficial em maio foi de 0,83%, o maior em 25 anos para esse mês, segundo o IBGE. E o acumulado em 12 meses atingiu 8,06%, o maior desde setembro de 2006.

“A renda das famílias está sendo pressionada negativamente”, diz Patrícia Krause, da Coface.

Para conter essa alta de preços, o BC tem uma estratégia clara: aumentar a Selic, a taxa básica de juros. Instituições financeiras projetam que ela deve chegar em dezembro a 5,75% ao ano. No início do ano, a previsão era de 3% ao ano.

Fabio Astraustkas, sócio da Siegen Consultoria, prevê que o Banco Central terá muito trabalho para controlar a inflação e levá-la em direção ao topo da meta, que é de 5,25%. “A inflação, que estava concentrada em commodities, está se espalhando para outros itens. Além do mais, há a pressão exercida pelos problemas nos reservatórios das usinas.”

Não bastasse a inflação ao consumidor estar em alta, uma pressão adicional vem dos preços no atacado. Impulsionados pela elevação nas commodities e pela forte desvalorização do real, eles acumulam uma alta de 37,04% nos últimos 12 meses, aponta a Fundação Getulio Vargas (FGV).

4. Demora na vacinação

Uma das principais preocupações dos economistas é com o avanço da vacinação e uma terceira onda da Covid-19 no Brasil. Até o dia 16, 27,1% da população tinha tomado pelo menos uma dose do imunizante, segundo o site Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford (Reino Unido). “Até agora, ela tem mostrado atrasos em algumas cidades”, alerta Jansen da Costa, sócio da Fatorial Investimentos.

Segundo analistas do Ourinvest, a combinação de uma situação pandêmica delicada e os discursos desencontrados e desafetos das autoridades brasileiras deixam o país com uma figura institucional bastante instável. “A evolução da vacinação será crucial para o crescimento econômico.”

A expectativa do Itaú é de que a vacinação deve permitir um retorno à normalidade econômica no quarto trimestre, com a conclusão da aplicação da primeira dose à população com mais de 18 anos em novembro. A aplicação da segunda dose seria concluída em fevereiro de 2022.

5. Redução de estímulos nas principais economias

O aumento do índice de preços ao consumidor americano, que atingiu 5% nos 12 meses encerrados em maio – o maior avanço desde agosto de 2008 –, disparou um sinal de alerta em relação à manutenção dos estímulos à economia americana, que, de acordo com projeções do FMI, deve crescer 6,4%. Isso acabou contrabalançando os números do emprego na maior economia global, que vieram mais fracos.

“Não se sabe quando esses estímulos vão ser retirados”, diz Oltramari, da 051 Capital. O que é certo é que a economia mundial fechará este ano com um forte crescimento. As estimativas do FMI sinalizam para uma expansão de 6,4% nos Estados Unidos, a maior taxa desde 1984; de 8,4% para a China e de 4,4% para a Zona do Euro.

Os economistas do banco Ourinvest projetam uma sinalização clara de redução do programa de estímulos monetários nos Estados Unidos. “E, também, não descartamos uma mudança rápida na decisão de juros, gerando resistência na tendência de queda nas taxas de câmbio de países emergentes”, dizem.

6. Falta de matérias-primas na indústria

Uma preocupação é com a falta de matérias-primas na indústria. Uma das mais impactadas até o momento é a automotiva. Desde janeiro, o nível mensal de produção fica entre 190 mil e 200 mil veículos devido, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), à crise global no fornecimento de semicondutores.

“Esse problema, que deve se alongar até os primeiros meses de 2022, é o responsável pelas paralisações temporárias de parte de nossas fábricas, algumas por períodos mais curtos, outras mais longos”, diz o presidente da entidade setorial, Luiz Carlos Moraes. Um veículo pode ter até 600 semicondutores em seus sistemas eletrônicos de motorização, câmbio, segurança, conforto, entretenimento etc.

Mas este problema não assusta muito os economistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Apesar do forte efeito multiplicador da indústria automotiva na economia – ela representa diretamente 18% do PIB da indústria de transformação –, Astrauskas não acredita que este problema irá limitar o crescimento do PIB em 2021.

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