Quatro preocupações devem orientar a próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que ocorrerá entre 7 e 8 de maio, e definirá os rumos da taxa básica de juros (Selic):
- a atividade econômica, que se mostra aquecida, mesmo com uma baxa básica ainda restritiva;
- a definição, pelo governo Lula, de uma meta fiscal mais frouxa para 2025 e 2026;
- o atraso na produção de efeitos da alta de juros nos Estados Unidos; e
- eventual deterioração do cenário geopolítico internacional.
As chances de o comitê seguir o caminho previsto na última ata – de mais um corte de meio ponto percentual – diminuem rapidamente. Ao mesmo tempo, bancos e consultorias começam a elevar as projeções para a Selic ao fim do ano.
Os contratos de opção do Copom negociados na B3 mostram que, em 20 de março, a probabilidade de um corte de meio ponto percentual, na percepção do mercado, era de 91,8%. Essa chance caiu para 30% na última sexta-feira (26).
A probabilidade dominante passou a ser de um corte de 0,25 ponto percentual na Selic, com possibilidade de 64%. As projeções pela manutenção são de 6%, segundo a negociação dos contratos de opção.
As perspectivas para o patamar da Selic ao fim deste ano também mudaram. A taxa hoje é de 10,75% ao ano. Até um mês atrás, a mediana das projeções do mercado indicava uma queda até 9% ao ano em dezembro. No boletim Focus mais recente, no entanto, a expectativa já havia subido para 9,5% – ou 9,75%, se consideradas as previsões feitas nos cinco dias úteis anteriores à divulgação do relatório.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vê três cenários possíveis para o momento atual: uma volta à normalidade; ou um prolongamento da incerteza; ou uma continuidade desse cenário a ponto de gerar uma “reprecificação” mais forte por parte do mercado. "E aí teremos uma ação e reação [por parte do BC]", disse o presidente do BC há algumas semanas.
Economia brasileira aquecida, mesmo com uma Selic restritiva
Mesmo com a taxa Selic em níveis considerados restritivos, a economia brasileira mostra sinais de ainda estar aquecida. A renda e o consumo estão surpreendendo e elevaram o otimismo dos economistas para o primeiro trimestre de 2024. Instituições financeiras trabalham com um cenário de crescimento entre 0,6% e 0,9% em relação ao último trimestre de 2023.
O monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV) estimou um crescimento de 0,8% na economia em fevereiro em relação a janeiro, com destaque para o consumo. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) teve alta de 0,4% no mesmo período, levando-o para um dos maiores níveis desde o início da série histórica, em janeiro de 2002.
Outros indicadores sugerem que o mês de março também foi positivo. O Idat-Atividade do Itaú, que monitora os fluxos financeiros de indivíduos para empresas por meio do banco, teve um crescimento de 3,9% em março em relação ao mês anterior. O IGet, do Santander, mostra que houve moderação no varejo e retomada dos serviços.
Um fator que está influenciando nesse desempenho mais favorável é o pagamento de precatórios. No fim do ano passado, o STF autorizou o pagamento de pouco mais de R$ 90 bilhões que estavam represados desde 2022. Aproximadamente metade era referente a precatórios alimentícios, com maior impacto no consumo das famílias, e foram liberados para saque entre janeiro e fevereiro.
Esse maior aquecimento na economia já está fazendo com que instituições elevem as projeções de crescimento do PIB em 2024. O ponto médio das expectativas coletadas pelo relatório Focus, do BC, está em alta há dez semanas seguidas, tendo atingido 2,02% na divulgação mais recente. Para a XP Investimentos, a demanda doméstica permanece firme, o que levou a corretora a elevar suas projeções de crescimento do PIB de 2% para 2,2%. O Itaú passou de 2% para 2,3%.
A possibilidade de um crescimento maior já tinha sido levantada por Campos Neto no início do mês. Segundo ele, persiste o problema da inflação de serviços, que ainda permanece resiliente.
Meta fiscal mais frouxa dificulta combate à inflação
Uma importante fonte de preocupação para o Copom, na próxima reunião, será a questão fiscal. No dia 15, Haddad anunciou a revisão da meta fiscal para 2025 que passou de superávit primário de 0,5% do PIB para déficit zero. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também não prevê compromisso com resultado positivo nas contas públicas para 2026.
Segundo o presidente do BC, a perda de credibilidade na política fiscal torna mais custoso o trabalho da monetária. Em encontro com investidores, na semana retrasada, em Washington, ele destacou que os dois temas estão interligados.
Um dos motivos da maior dor de cabeça é que a decisão do governo abre um espaço de gastos de R$ 159,3 bilhões nos últimos dois anos de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Além de aumentar a incerteza sobre a trajetória da dívida pública, a expansão fiscal acaba gerando uma pressão de demanda, refletindo-se nos preços. Nesse cenário, o BC pode retardar o ciclo de queda na taxa Selic.
“Estamos falando de uma política fiscal mais expansionista em um momento em que os dados de crescimento já têm surpreendido”, afirma a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese.
A demora da alta de juros em produzir efeitos nos EUA
Também está no radar de preocupações do comitê, a demora da alta nos juros produzir efeitos nos Estados Unidos. Uma economia mais robusta por lá indica um dólar mais forte, o que reduz a possibilidade de valorização do real e aumenta a pressão sobre a inflação, já que parte das commodities alimentícias e energéticas é cotada na moeda americana. O Fundo Monetário Internacional (FMI) aumentou recentemente a projeção de crescimento da maior economia global em 2024. Elas passaram de 2,1% para 2,6%.
A atividade econômica mais aquecida nos EUA dificulta a redução na taxa referencial de juros, que está na faixa de 5,25% a 5,5% a.a., o maior nível em 22 anos. No fim do ano passado, a expectativa era de seis ou sete cortes ao longo de 2024. Agora, há instituições financeiras projetando o início da redução apenas em dezembro. Os mais pessimistas não enxergam nem mesmo essa possibilidade.
Durante evento do G20, em Washington, Campos Neto disse que o mercado está bem sensível a qualquer declaração sobre a política monetária americana.
O presidente do Federal Reserve (o BC americano), Jerome Powell, sinalizou para a possibilidade de não haver cortes nos juros neste ano. Ele disse que diante de uma economia ainda resiliente, é apropriado, no atual momento, deixar a política monetária em um campo restritivo pelo tempo que for necessário.
Deterioração do cenário geopolítico também pode pressionar a Selic
Uma preocupação que pode aparecer na reunião do Copom é a deterioração do cenário geopolítico internacional. Até a reunião passada, os problemas se restringiam à guerra na Ucrânia e ao conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas, na Faixa de Gaza. Porém, ataques recíprocos entre Israel e Irã acenderam o alerta para uma eventual escalada nos conflitos no Oriente Médio.
O primeiro risco, nesse caso, seria de um avanço no preço do barril do petróleo. Ele começou o ano perto de US$ 75 e há algumas semanas beirou os US$ 90. Nesta segunda-feira, o tipo Brent é negociado por volta de US$ 87.
O Oriente Médio concentra cinco dos dez maiores produtores da commodity. Há também preocupações com dois pontos de passagem do petróleo: o estreito de Ormuz, que separa o Irã da Península Arábica, e o Mar Vermelho, onde foram registrados ataques dos rebeldes houthis, apoiados pelo Irã, a embarcações.
“Qualquer ameaça à estabilidade política do Irã ou à infraestrutura petrolífera pode resultar em choques de oferta, levando a um aumento nos preços globais do petróleo”, destaca o professor Hugo Garbe, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Oliver Blackbourn, gerente de portfólio de multiativos da gestora de ativos Janus Henderson Investors, aponta que as flutuações no conflito no Oriente Médio tendem a resultar em oscilações no preço do petróleo. “A energia tem exercido pressão descendente sobre a inflação. Portanto, qualquer aumento nos preços do petróleo e gás é mais provável que resulte em uma inflação mais alta a curto prazo”, afirma.
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