RIO - O empresário José Isaac Peres abre a carteira e saca uma nota de mil cruzeiros, a moeda vigente quando ele tomou emprestadas duas mil dessas cédulas para tocar seu primeiro negócio imobiliário, em 1963, aos 22 anos. A nota que Peres guarda já tem o carimbo da perda dos zeros, quando o cruzeiro virou cruzeiro novo, em 1967. A ideia é lembrar como ele enfrentou vários períodos de inflação e mudanças na economia enquanto investia. Seu grupo, o Multiplan, é dono de 18 shoppings - inclusive o BarraShopping e o VillageMall, no Rio, e o paulistano MorumbiShopping - e torres comerciais. O próximo empreendimento é o ParkShopping Jacarepaguá, um investimento de R$ 500 milhões para 2017. Em entrevista ao GLOBO, Peres falou sobre como a inflação desorganiza a economia, a importância do ajuste fiscal e a necessidade de o empresariado e o consumidor recuperarem a confiança. A seguir, os principais trechos:

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Como o senhor vê a situação do Brasil e do varejo hoje?

O Brasil não tem verdadeiramente um problema econômico, mas político. O país tem tudo: reservas internacionais, grau de investimento, recursos naturais, indústria, setor terciário expressivo, empresários diversificados. O maior problema é a educação. A questão central na atividade e em tudo na vida é massa cinzenta. O que o Brasil precisa é de capacidade empresarial, pessoas que tenham capacidade de transformar riqueza natural em atividades produtivas. O Brasil não está crescendo. Está enterrado numa série de coisas. Agora mesmo se discute a questão da terceirização, que já existe no mundo inteiro. Uma companhia tem que contratar outras empresas que têm um grau de conhecimento e especialização maior em cada atividade que não é a dela. Já passamos do tempo em que a empresa vivia uma época totalmente vertical. Se você perde o foco, perde sua capacidade produtiva e competitiva.

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A inflação é um tema que o preocupa? Está afetando o consumidor?

Muito. Ela afeta o consumidor. Mas o ruim da inflação é que desorganiza a economia, desestrutura. Você vai fazer um planejamento e não tem ideia exata de quanto vai gastar, de como estará o mercado consumidor em dois ou três anos. Ainda temos a oportunidade de voltar a uma inflação mais domesticável, de 4% a 5% (ao ano). Mas o ideal é o Brasil voltar a ter juros civilizados. Temos mais de 13%, e isso rouba a capacidade competitiva, além de onerar a produção. Mas entendo que, neste momento, o Banco Central tem que ser duro, o ajuste fiscal tem que ser duro.

O senhor já sente diferença no comportamento do consumidor?

O consumidor não está tão retraído ainda por causa da inflação, pelo menos no nosso setor. Oitenta por cento da nossa atividade trabalham com as classes A e B, que sentem menos o efeito da inflação. Mas as pessoas estão inseguras, do meu ponto de vista, por diversas razões. A primeira é o medo do desemprego. E quem olha do ponto de vista político está preocupado com o rumo que o país vai tomar. Somos uma economia de mercado. Uma democracia que precisa se consolidar e está se consolidando. Mas há muitas coisas no ar. Quando se fala, por exemplo, em regular a mídia. A gente sabe perfeitamente como são outros países da América Latina. Começa com essa história de regular a mídia e depois toma conta do conteúdo. Como vai ser a reforma política é outro elemento que traz certa insegurança a quem investe a longo prazo. A outra questão que é um fantasma que paira sobre nós é o ajuste fiscal, porque, se nós não fizermos o dever de casa, vamos perder o grau de investimento. Se perdemos, vamos voltar 20 anos para trás.

Por que no momento em que há tantos grupos segurando investimentos o Multiplan anuncia projetos?

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Eu sou um subproduto de uma desordem econômica. Sou empresário há 50 anos e vivi com todo regime que se pode imaginar: congelamento de preços, inflação de 200% e de 1.000%, “n” planos econômicos, foram cortados não sei quantos zeros (das moedas). E nós crescemos, apesar da inflação. Não vejo, do ponto de vista estrutural, cenário no Brasil pior do que vivemos no passado, falando da época anterior a Fernando Henrique Cardoso. Todo o esforço fiscal que está sendo feito, estamos no caminho certo. A questão central no Brasil hoje não é nem a economia, mas a confiança. O empresário está retraído porque se sente inseguro a respeito de contratos, por exemplo. Resgatar a confiança é a palavra certa. O Brasil ainda pode crescer 5% a 6% ao ano. O fundamental é ter uma gestão econômica que dê confiabilidade ao investimento. Se o estado cuidar bem de educação, segurança e saúde, o resto vem. Acho que assim que a economia melhorar um pouco, os empresários darão um grande salto. Mas é importante haver cortes de despesas no governo. Não adianta só pedir esforço fiscal da sociedade.

Qual a importância, para o empresariado, da aprovação das medidas que reduzem benefícios como seguro-desemprego e abono salarial?

O governo do PT avançou muito nas questões sociais e se excedeu nessas questões. Fez mais do que era necessário. Isso produziu um gasto que o governo não tem mais como pagar. Não pode ter aquela coisa de o sujeito trabalhar seis meses e pedir seguro-desemprego. A carga tributária também é acachapante e isso vai tornar as empresas menos produtivas e competitivas. E só tem uma maneira, é reduzindo o peso do Estado. Precisamos de 39 ministérios?

Quem está sofrendo mais no varejo por causa da crise atual?

O setor de eletroeletrônicos está sofrendo um pouco mais. O nosso negócio é pão e circo. Não acaba nunca. Entendo que pode haver uma certa retração no setor imobiliário, no investimento de mais longo prazo e de maior valor, na compra de um carro novo, talvez até na viagem ao exterior. Mas as pessoas não vão deixar de ir ao shopping, de ter lazer.

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Como o senhor vê o futuro imobiliário do Rio?

A área do porto é relativamente pequena para atender a demanda. É quase irreversível o crescimento para a Zona Oeste, é onde há espaço. E continuo convencido de que o futuro do Rio é o turismo. Mais do que o petróleo, o turismo será a alavanca.

As investigações das operações Lava-Jato e Zelotes envolveram empresas. Após as denúncias, mudou o comportamento nas empresas?

Acho que sim. O conjunto de leis contra a corrupção que ainda não estão regulamentadas, mas já foram aprovadas, as iniciativas no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público, as coisas estão funcionando melhor. O que estamos assistindo nessa situação da Petrobras era inimaginável. Porém, mais inimaginável ainda é que aqui se dizia que só quem vai para a cadeia é pobre. E agora os grandes empresários estão pagando. E até colaborando, com delações, para o esclarecimento da corrupção. Se temos hoje essa operação Lava-Jato fazendo seu trabalho, é prova de que as instituições estão funcionando. Essa questão que estamos vivendo hoje (a corrupção) mata mais do que o crime nas ruas, porque são hospitais e escolas que deixam de ser construídos. Existe outro lado que é tão grave quanto a corrupção, que é a burocracia.