O Senado Federal aprovou o texto-base do projeto de lei 1.166, de 2020, que estabelece o limite de 30% ao ano para os juros do cheque especial e do cartão de crédito, em sessão nesta quinta-feira (6). O teto vale enquanto durar o estado de calamidade pública em decorrência do novo coronavírus. A proposta foi avalizada pelos senadores por 56 votos a 14. O projeto segue agora para apreciação da Câmara dos Deputados.
A matéria é de autoria do senador Alvaro Dias (Podemos-PR), mas o texto foi alterado pelo relator, o senador Lasier Martins (Podemos-RS). Na proposta inicial, o limite para a cobrança de juros pelos bancos era ainda menor, de 20% ao ano. Alvaro Dias também propunha que a medida durasse mais tempo, até julho de 2021. O relatório restringiu a vigência da medida para o período de calamidade pública, decretado pelo Congresso até o final de 2020 por conta do novo coronavírus.
A exceção à regra é a concessão de crédito pelas fintechs, que poderão cobrar juros de até 35% ao ano. Além disso, para clientes que ganham até dois salários mínimos, as taxas cobradas não podem ser superiores às do empréstimo consignado.
"A presente proposta tem uma limitação temporal importante: o período de calamidade que ora vivenciamos. A fixação do limite de juros valerá para contratos celebrados até o final da calamidade pública, quando deveremos estar vivenciando plenamente a recuperação econômica. Trata-se de um momento de exceção, em que os princípios constitucionais têm de ser ponderados com a realidade, e não podem adquirir caráter absoluto, inviabilizando a própria saída da crise", afirmou Lasier.
O texto prevê, ainda, que os bancos não podem rever, também até o final do ano, os limites de crédito que estavam disponíveis em 19 de março de 2020.
Além disso, as instituições financeiras ficam proibidas de cobrar juros e multas por atraso no pagamento de prestações ou de compras diretas de produtos e serviços durante a vigência do estado de calamidade pública.
Essa previsão vale para os consumidores que tiveram redução de renda, inclusive do núcleo familiar. Também nesses casos, prestações que não puderem ser pagas poderão ser convertidas em prestações extras.
Os senadores ainda aprovaram uma emenda do PT que abre espaço para o tabelamento permanente dos juros em operações de crédito com cartões após o período de calamidade pública, no próximo ano.
A medida prevê que o Conselho Monetário Nacional (CMN) regule o limite de juros no cartão, assim como fez com o cheque especial, após o período de calamidade pública. No caso do cheque especial, já existe hoje uma limitação para os juros, feita pelo Banco Central, de até 8% ao mês (151,82% ao ano).
Bancos afirmam que tabelamento de juros provoca "efeitos econômicos negativos"
O projeto aprovado nesta quinta (6) já havia sido pautado para votação no Senado outras três vezes. A apreciação, porém, foi sendo adiada, porque a matéria suscitou a discordância de alguns líderes partidários e dos próprios bancos.
O principal argumento contra a proposta é de que a instituição de um tabelamento para os juros deve provocar a diminuição da oferta de crédito em um momento crítico, por conta da pandemia do novo coronavírus. O argumento foi rebatido pelo senador Alvaro Dias como uma medida importante para conter o lucro dos bancos e o endividamento dos brasileiros.
"Cerca de 76 países do mundo estabelecem o limite das taxas de juros dos cartões de crédito. O mundo todo estabelece esse limite, e nós continuamos estabelecendo aqui a usura, a armadilha, a agiotagem oficializada, a exploração sem medida, com taxas de juros exorbitantes que chegam a 395 vezes a taxa Selic. São taxas de juros que vão de 302%, em média, atualmente, a 1.200%", afirmou, para completar em seguida: "Nós não estamos estabelecendo o tabelamento das taxas de juros – tabelar é diferente de limitar. A concorrência vai se estabelecer abaixo do limite estabelecido. Antes dessa pandemia, 65% das famílias brasileiras já estavam endividadas; e os bancos tiveram lucro, no ano passado, de R$108 bilhões".
Em nota encaminhada à Gazeta do Povo, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma que o tabelamento de juros tem efeitos econômicos negativos, e que pode gerar dano "à imagem do país, ao ambiente de negócios e ao apetite por investimentos".
"A Febraban e os bancos associados estão bastante sensíveis em adotar medidas para beneficiar aqueles que se encontram em situação financeira fragilizada, mas entende que propostas que interferem nos contratos privados não seriam o melhor caminho", diz o texto. "É importante que os bancos continuem saudáveis, não só agora, mas, principalmente, no futuro, para que possamos ajudar na retomada econômica", completa a nota.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que votou contra o projeto, concorda com o argumento da Febraban. Para ele, a proposta é lesiva ao mercado de crédito e pode ser prejudicial ao comércio em uma futura retomada das vendas.
"Ao estabelecer um limite para as taxas de juros livres, a instituição financeira não poderá precificar corretamente o risco do crédito. Ela tenderá a não conceder crédito a tomadores com elevado risco. Eu quero lembrar que os cartões de crédito hoje são importantíssimos para o comércio varejista. Tenho absoluta certeza de que essa decisão de hoje vai representar uma restrição à recuperação da atividade econômica do varejo brasileiro, que foi tão fortemente afetado pela crise do coronavírus", argumentou.
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