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O Congresso promulgou nesta quarta-feira (21) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2022, chamada de PEC fura-teto, após aprovação no Senado e na Câmara. A emenda libera para o próximo governo R$ 168,9 bilhões a serem gastos acima do que permitiria originalmente o teto constitucional de despesas e dá mais um passo para o fim da regra do teto de gastos ao prever a instituição de um novo regime fiscal. Os parlamentares também aprovaram o remanejamento dos R$ 19,4 bilhões que seriam destinados ao orçamento secreto antes de as emendas de relator serem julgadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em ato de promulgação da PEC fura-teto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu a necessidade da emenda sob a justificativa de proteger a sociedade, “em especial a população economicamente menos favorecida”. “Nos momentos de maiores dificuldades, a população espera que o estado seja capaz de lhes garantir o mínimo de bem-estar garantido na Constituição”, declarou. A emenda possibilitará a continuidade do pagamento de R$ 600 aos beneficiários do Auxílio Brasil no próximo ano, já a partir de janeiro, uma das principais promessas de campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em seu discurso, Pacheco também disse que a emenda constitucional é relevante em razão dos recentes “abalos às cadeias de produção” decorrentes da pandemia e da guerra na Ucrânia. Para ele, os acontecimentos "fatalmente" justificam a promulgação. O presidente do Senado também citou a insegurança alimentar no Brasil e fez referência ao dado de que 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil. “Mais de 62 milhões vivem hoje em situação de pobreza. Entre essas, quase 18 milhões estão em situação de extrema pobreza”, afirmou.
No Senado, a PEC fura-teto foi aprovada nesta quarta com 63 votos a favor e 11 contrários, em dois turnos. A tramitação da proposta começou no início de dezembro na Casa, onde foi aprovada no dia 7 por 64 votos favoráveis e 16 contrários em primeiro turno, e por 64 a 13 em segundo turno. Na Câmara, ela foi aprovada em primeiro turno na terça, por 331 favoráveis e 168 contrários, e em segundo turno nesta quarta, por 331 votos a favor e 163 contrários.
A proposta teve que ser apreciada mais uma vez pelo Senado porque os deputados aprovaram alterações no texto, autorizando o relator-geral do Orçamento de 2023 a "apresentar emendas para ações voltadas à execução de políticas públicas até o valor de R$ 9,85 bilhões".
A aprovação da PEC pelo Senado abre, agora, caminho para a votação do projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023. O relator-geral da proposta, senador Marcelo Castro (MDB-PI), diz que a matéria vai à votação na Comissão Mista de Orçamento (CMO) e na sessão do Congresso Nacional desta quinta-feira (22).
O que explica a mudança da PEC na Câmara e seu retorno ao Senado
A PEC voltou ao Senado após uma mudança na redação manobrada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que encaminhou acordos com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para manter uma parcela do Orçamento sob o controle do Congresso. Os R$ 19,4 bilhões em recursos que atenderiam as emendas do orçamento secreto, extinto após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a inconstitucionalidade, foram remanejados.
Metade dos recursos que abasteceriam o orçamento secreto, formalmente chamadas de emendas de relator, irão para emendas individuais, que são impositivas (de execução obrigatória no orçamento), e os R$ 9,85 bilhões restantes vão para emendas de bancada estadual discricionárias (RP2), que não são impositivas. Na prática, essas emendas mantêm os poderes de Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A autorização ao relator-geral do Orçamento para "apresentar emendas para ações voltadas à execução de políticas públicas até o valor de R$ 9,85 bilhões" diz respeito às RP2 e está previsto no artigo 8º da PEC. O Senado votou um destaque do PSDB que defendia a supressão do dispositivo, mas os parlamentares rejeitaram por 62 votos a favor de mantê-lo contra 8 votos contrários.
Como as RP2 são recursos de investimentos em políticas públicas sob a gestão do governo federal, a expectativa é de que suas destinações estejam previstas na PLOA 2023. Por ora, contudo, ainda não se sabe como as verbas serão redistribuídas no Orçamento do próximo ano.
O relator foi questionado sobre o assunto pela imprensa, mas disse que ainda não há acordo. "Estamos no entendimento com as lideranças do Congresso Nacional e com a equipe do novo governo chegando para buscar um denominador comum para a gente alocar esses recursos", afirmou o senador Marcelo Castro.
Aprovação abre brecha para o fim do teto de gastos
Instituído em 2016 por meio da Emenda Constitucional 95, a regra do teto de gastos estabelece que as despesas primárias da União estão limitadas ao mesmo valor executado no ano anterior, acrescido da inflação em 12 meses. A PEC aprovada permite a criação de um novo arcabouço fiscal por meio de lei complementar, estabelecendo prazo até 31 de agosto de 2023 para que o presidente da República apresente uma proposta de mudança.
O dispositivo facilita o fim da atual âncora fiscal, uma vez que, para ser aprovado, um projeto de lei complementar precisa do voto favorável de 257 deputados e 41 senadores. No caso de uma mudança por emenda constitucional, seria necessária a assinatura de 171 deputados ou 21 senadores para apresentação de proposta, além do apoio de 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação nos plenários da Câmara e no Senado.
Em um destaque de plenário na Câmara, a bancada do Novo ainda tentou suprimir o dispositivo, de modo a manter a atual regra do teto ou obrigar o futuro governo a apresentar uma PEC para a possível mudança. A modificação recebeu apoio das lideranças do PL, PSDB e Cidadania, mas foi rejeitada por 366 a 130 votos, com três abstenções. O governo liberou os votos de sua base. Após o resultado, o PL decidiu retirar um destaque que havia protocolado para a discussão em segundo turno com efeito idêntico.
Sobre a proposta do governo eleito, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que pretende enviar o projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal ao Congresso no primeiro semestre do ano que vem.
"Desconstitucionalizamos o teto para aprovar um novo arcabouço fiscal, que eu pretendo mandar para o Congresso ainda no primeiro semestre do ano que vem, para dar tempo de o Congresso ter pelo menos seis meses para se debruçar sobre o tema. Se eu puder mandar antes, melhor", disse Haddad a jornalistas após a aprovação da PEC fura-teto pela Câmara.