Ouça este conteúdo
Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ficaram frente a frente nesta quinta (27) em uma sessão do Senado que discutiu políticas econômicas, inflação e taxa de juros, que vem sendo fortemente criticada por integrantes do governo desde o início da nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A sessão teve a participação, ainda, do economista Armínio Fraga; do ex-deputado Rodrigo Maia, que hoje atua como consultor independente; de Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), entre outros.
Os ministros e Campos Neto concordaram que a taxa de juros no Brasil está alta – a 13,75% - e que precisa ser reduzida, mas divergiram sobre o momento de diminuição. O presidente da autoridade monetária voltou a repetir que o Banco Central faz um trabalho técnico de análise de todas as variantes possíveis para definir os rumos da política monetária, e reconheceu que as resoluções do Comitê de Política Monetária (Copom) muitas vezes não agradam à ala política do governo.
“O Banco Central faz um trabalho técnico com um quadro altamente capacitado e que busca cumprir seu mandato na estabilidade financeira sempre com o menor custo possível para a sociedade. Temos um horizonte de atuação técnica que, por muitas vezes, difere do ciclo político, mas que entendemos – e por isso foi dada autonomia – que ele maximiza o ganho para a sociedade no longo prazo. Não se consegue estabilidade social com inflação descontrolada”, disse.
No entanto, Haddad rebateu e disse que a economia brasileira vai continuar desacelerando por conta da política monetária a ponto de impactar diretamente na arrecadação de impostos. De acordo com ele, as decisões do Banco Central precisam caminhar junto da política fiscal do governo, que fazem parte da “mesma engrenagem”.
“Eu não tenho como desassociar o monetário do fiscal. Tenho tomado medidas impopulares, mas são medidas que justamente saneiam as contas para permitir um horizonte de planejamento maior. O trabalho tem que ser a muitas mãos, com o monetário fortalecendo o fiscal e o fiscal fortalecendo o monetário. E também o prudencial, pois estamos com vários setores da economia drasticamente afetados”, afirmou.
Ele reconheceu, ainda, a necessidade de se cortar gastos “sobretudo o gasto tributário”, e que o atual sistema de impostos brasileiro é uma “colcha de retalhos ingovernável”.
Simone Tebet fez eco ao discurso de Haddad afirmando que inflação, juros e crescimento precisam caminhar juntos, sem um ou outro “ficar no meio do caminho”. E afirmou que não há contradição no discurso da autoridade monetária de que a redução da taxa de juros não pode ser feita sem reunir as condições necessárias.
Mas, segundo a ministra, o Banco Central não pode se basear apenas em questões técnicas, e precisa “ter foco nas políticas públicas e no crescimento do Brasil”.
“O Banco Central não pode considerar que as suas ações são apenas técnicas. São técnicas, mas também são decisões que interferem na política, especialmente os seus comunicados e suas atas”, completou concordando com a afirmação de Campos Neto que a inflação alta afeta principalmente a população mais carente.
A ministra afirmou que o governo tem feito a parte que lhe confere em tentar colocar um controle nas contas através do projeto do novo arcabouço fiscal e correções em políticas fiscais implantadas em governos anteriores, e que as crises institucional e política estão sendo superadas.
É preciso agora, diz, entender que outros fatores estão influenciando a inflação que acabam impactando na decisão de manter a taxa de juros alta e sem previsão de queda, como explicou Campos Neto em audiência também no Senado na última terça (25).
Pouco depois, Isaac Sidney explicou que "felizmente" a inflação é um problema que foi controlado no Brasil após a instituição do regime de metas, mas que ela "é como um gato de sete vidas: vai, mas volta se baixarmos a guarda".
"Mesmo quando deixa de ser crônica, a inflação ainda é um problema latente e nós precisamos estar muito atentos a isso", completou lembrando que, a inflação antes da criação do Plano Real somava mais de 300%. De acordo com ele, a média dos últimos 20 anos está em torno de 6%, que "ainda é um patamar elevado numa comparação internacional".
Por outro lado, Sidney pediu que a equipe econômica dê um "voto de confiança" ao Banco Central, e que crê que Campos Neto "anseia e se angustia pelo momento em que a taxa terá de cair quando tiver um horizonte de controle da inflação. [...] Isso não depende de um ato de vontade de um só ator ou de um agente [BC ou governo], depende de uma série de variáveis", completou.
Volta do voto de qualidade e revisão de benefícios fiscais
Ainda durante a sessão, os ministros comentaram sobre o que o governo tem feito para corrigir as contas públicas, como o projeto da nova âncora fiscal, a reforma tributária, entre outros.
Haddad comentou a necessidade da volta do voto de qualidade ao Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), que vem sendo criticado por empresas e parlamentares por supostamente provocar um aumento de arrecadação em um momento de crise em vários setores da economia, e que iria afetar diretamente os contribuintes.
Ele justificou dizendo que recebeu uma carta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na quarta (26), em que explicou que o mecanismo é adotado pelas maiores economias do mundo e que não provocaria nenhum impacto negativo aos contribuintes, que ainda terão o direito de contestar a dívida na Justiça.
Também afirmou que é preciso rever os benefícios fiscais concedidos pelo governo que somam, segundo ele, em torno de R$ 600 bilhões em “práticas inadequadas e inaceitáveis no mundo desenvolvido”. Fernando Haddad anunciou na segunda (24) que pretende fazer uma análise minuciosa nas empresas beneficiadas com as renúncias tributárias.
"Temos que abrir essa caixa-preta e discutir com a sociedade item por item para onde está indo o recurso público, de quase R$ 500 bilhões explícitos na peça orçamentária nos seus respectivos anexos de renúncia fiscal e outros R$ 100 bilhões que não estão na lei orçamentária porque são tributos que sequer são considerados para fins fiscais em virtude da frouxidão da nossa legislação", disse.
O ministro também comemorou a vitória que o governo teve no Superior Tribunal de Justiça (STJ), também na quarta (26), que permitiu à União cobrar o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) sobre incentivos fiscais de ICMS. A medida pode garantir um reforço de até R$ 90 bilhões aos cofres públicos.
No entanto, durante a tarde, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar suspendendo a decisão até que a Corte julgue o caso. Apesar da liminar, os ministros do STJ concluíram o julgamento por não terem recebido a notificação oficial.