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Depois de quatro meses de tramitação, o Senado Federal deve votar, nesta quinta-feira (6), o projeto de lei 1.166/2020, que estabelece um limite para as taxas de juros dos cartões de crédito e do cheque especial durante a pandemia do novo coronavírus. O PL, de iniciativa do senador Alvaro Dias (Podemos-PR), já havia sido pautado outras três vezes, mas teve a votação cancelada pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), por falta de acordo entre os senadores.
O texto inicial do senador Alvaro Dias previa que os bancos poderiam cobrar, no máximo, juros de 20% ao ano para todas as modalidades de crédito oferecidas em cartões e no cheque especial. O teto valeria para dívidas contraídas entre os meses de março de 2020 e julho de 2021.
"Os juros altos induzem a inadimplência, que por sua vez, elevam o risco e o custo da operação. Tal situação configura círculo vicioso de difícil resolução natural", justificou Dias na apresentação do projeto.
No relatório que produziu sobre a matéria, o senador Lasier Martins (Podemos-RS) aumentou o limite para 30% ao ano, e também diminuiu o período de vigência da medida. Pelo novo texto, o limite deve valer, somente, durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Congresso por conta do novo coronavírus até o fim de 2020.
A exceção, nesse caso, seriam as fintechs, que teriam direito a um limite de 35% ao ano. Para as pessoas físicas com renda inferior a dois salários mínimos, além disso, os juros cobrados no cartão e no cheque especial não poderão ser superiores aos do empréstimo consignado, se o texto for aprovado nos moldes do relatório.
Segundo dados do Banco Central, em julho os juros para parcelamento do cartão de crédito variavam entre 27% e quase 500% ao ano, dependendo do banco. No cheque especial, as taxas estavam entre 6,9% e 158% ao ano, dependendo da instituição financeira.
Pelo texto, bancos não poderão cobrar multas ou juros por atraso em prestações
O relatório do senador Lasier Martins prevê, ainda, que os limites de crédito disponíveis para os clientes em 19 de março de 2020 não poderão ser reduzidos até o fim do ano, e que os bancos ficam proibidos de cobrar multas e juros por atraso no pagamento das prestações das operações de crédito durante o período da calamidade pública pela Covid-19.
O mesmo vale para compras diretas de produtos e serviços durante a vigência do estado de calamidade pública. A previsão, porém, é condicionada à comprovação, pelo consumidor, de que houve redução da renda familiar durante o período da pandemia. Nesses casos, prestações extras que não puderem ser pagas pelos clientes poderão ser convertidas em prestações extras nos empréstimos.
Ainda de acordo com o texto, os empréstimos feitos nessas duas modalidades ficariam isentos do pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). As instituições financeiras ficariam obrigadas a informar os clientes que têm dívidas no cheque especial ou no cartão sobre a possibilidade de contratação de crédito com juros mais baixos, visando à redução da dívida.
Projeto é considerado "pauta-bomba" pelos bancos, e já teve votação adiada três vezes
O projeto foi apresentado pelo senador Alvaro Dias no fim de março. O relatório do senador Lasier Martins, por sua vez, foi apresentado em 15 de maio. Desde então, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, já pautou a matéria para votação por três vezes, mas acabou cancelando a apreciação.
A decisão de pautar a votação para esta quinta (6) foi tomada na terça-feira (4), em reunião de líderes com o presidente da Casa, mas até a publicação desta reportagem a inclusão do projeto na pauta da sessão ainda não estava confirmada. O texto tem causado controvérsia entre os senadores, já que alguns parlamentares consideram que o tabelamento dos juros pode dificultar o acesso a crédito durante a pandemia.
Esse, inclusive, é um dos argumentos dos próprios bancos para rechaçar a proposta. “A experiência econômica e a história nos ensinam que, cedo ou tarde, a imposição de limites de preços para determinados produtos tem como consequência a redução ou interrupção de sua oferta, o desabastecimento e o estímulo aos mercados informais ou paralelos”, afirmou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) em nota técnica encaminhada ao senador Alvaro Dias.
A Federação também afirma que o cheque especial tem uma taxa de inadimplência muito alta – quase cinco vezes maior do que os empréstimos para pessoas físicas –, e que equiparar os juros desse tipo de crédito aos de outras modalidades pode inviabilizar a operação.
Os bancos salientam, da mesma forma, que o tabelamento dos juros para os cartões de crédito pode diminuir a oferta desse tipo de operação, já que ela ficaria menos rentável. “O cartão de crédito vem sendo o principal meio de financiamento à pessoa física no país e terá papel fundamental na recuperação econômica no comércio e, em especial, na aquisição de bens de consumo. Restringir a oferta de crédito é condenar a economia a uma recuperação mais lenta”, completa a nota da Febraban.
Em nota encaminhada à Gazeta do Povo nesta quarta-feira (5), a Febraban reafirmou seu posicionamento, dizendo que a medida pode ter "efeitos econômicos negativos". Veja o texto completo:
"A Febraban concorda com a necessidade de reduzir o custo do crédito. Mas entende que o tabelamento, ao invés de promover alívio financeiro, pode agravar a crise por distorcer a formação de preços, criar gargalos e gerar insegurança jurídica. Por isso, vê com preocupação propostas que promovem intervenção artificial na atividade econômica e nos contratos. Situações como essas ocorreram no passado e a história já revelou que não se mostraram eficazes.
A Febraban tem procurado sensibilizar lideranças políticas sobre os efeitos danosos de propostas que vão na direção do tabelamento de taxas de juros, aumento de impostos, congelamento de limites de crédito, suspensão obrigatória de prestações do consignado, não negativação de devedores inadimplentes, não cobranças e execução de dívidas, etc.
A Febraban e os bancos associados estão bastante sensíveis em adotar medidas para beneficiar aqueles que se encontram em situação financeira fragilizada, mas entende que propostas que interferem nos contratos privados não seriam o melhor caminho.
Projetos de tabelamento, se aprovados, produzirão, sob a ótica do preço dos serviços financeiros, efeitos econômicos negativos, além do enorme potencial de gerarem dano à imagem do país, ao ambiente de negócios e ao apetite por investimentos.
É importante que os bancos continuem saudáveis, não só agora, mas, principalmente, no futuro, para que possamos ajudar na retomada econômica."