Protesto na frente do Capitólio em Madison, capital do Wisconsin: desde que governador propôs o corte benefícios dos funcionários públicos, manifestantes se reúnem diariamente para reclamar| Foto: Scott Olson / AFP

Trabalhadores de outros setores condenam privilégios

Em Hamilton, a poucos quilômetros do Palácio do Governo de Nova Jersey, na sempre lotada Taverna JoJo, a massa da pizza costuma ser fina e leve, mas a atmosfera anda pesada, com mau humor e hostilidade. Robert Haupt, eletricista aposentado, já foi integrante de um sindicato, mas hoje só tem broncas em relação aos servidores públicos.

Leia a matéria completa

CARREGANDO :)

Union, Nova Jersey, EUA - A reunião do sindicato de servidores públicos havia terminado e, portanto, os discursos inflamados contra políticos hostis e os terríveis prazos contratuais deram lugar a um bufê que servia o jantar. Ao sentar-se para comer, Andrea Douglas, que há 10 anos atua na perícia administrativa de Nova Jersey, admitiu com cautela aquilo que poucos líderes sindicais têm coragem de dizer abertamente: os funcionários do governo terão de abrir mão de alguns benefícios.

"Sou realista. O setor privado está de olho em nós, e nós realmente estamos bem. Eu sei que teremos de fazer concessões. Todas as outras pessoas estão se perguntando como vão pagar o aluguel", disse Andrea. Seus colegas ao redor da mesa olharam espantados, surpresos com a fala. "Vocês não veem?", continuou Andrea. "Teremos de abrir mão. Estou mais do que disposta a pagar mais pelos meus benefícios. Só não me peçam para fazer concessões que tornem a minha vida impossível. Pelo menos negociem comigo a partir desse ponto", pede.

Publicidade

Os servidores públicos norte-americanos estão sob ataque cerrado. No Wisconsin, por exemplo, o novo governador, Scott Walker, quer não apenas cortar benefícios e limitar aumentos de salários ao índice de inflação, mas também pretende tirar dos sindicatos de funcionários públicos o direito de negociar convenções coletivas. Os salários recebidos pela categoria são hoje descritos como um ralo de dinheiro público. Os sindicatos reagem indignados a esse tipo de acusação e prometem lutar para manter o que lhes é de direito. Em entrevistas e discussões internas, porém, os funcionários públicos expressam sentimentos mais complexos. Poli­ciais, professores e atendentes entram na briga pela manutenção de benefícios com um misto de raiva e medo. Mas muitos reconhecem que o mundo que conheceram e as certezas sobre as quais construíram suas vidas desmoronam a olhos vistos.

Para essas pessoas, poucos locais são tão adversos quanto o estado de Nova Jersey, onde o governador Chris Christie ganhou status de herói popular pela postura agressiva que adotou contra os sindicatos. A população respondeu bem: uma pesquisa realizada pela Universidade Quinnipiac mostra que os eleitores do estado – mesmo aqueles que têm uma pessoa sindicalizada na família – apoiam, por ampla margem, o congelamento dos salários, as demissões e os cortes na aposentadoria dos que estão na folha de pagamento do governo.

Não resta dúvida de que os sindicatos obtiveram muitas vitórias no passado. Os trabalhadores públicos contribuem hoje com apenas 1,5% do salário para ter os gastos com saúde cobertos pelo seguro, por exemplo. Christie quer que eles arquem com pelo menos 30% do custo dos planos.

Encontros tensos

Um gerador de tensão nos encontros entre vizinhos e nas conversas de bares, padarias e boliches é o abismo que cresce entre os funcionários públicos e seus colegas da construção civil: carpinteiros, metalúrgicos e outros trabalhadores que não veem mais os sindicatos de servidores como aliados. "É a velha estratégia de dividir para conquistar", diz Calvin McCullars, perito previdenciário há 22 anos. "Até há poucos anos, ninguém dava bola para os funcionários do Estado. Agora, desde que a economia entrou em crise, outras pessoas estão sendo demitidas e todos passaram a nos atacar, como se tivéssemos feito algo errado. Estamos sendo agredidos e usados como bodes expiatórios", reclama.

Publicidade

Enquanto alguns saíam para enfrentar a noite gelada, outros, como a atendente do Conselho de Enfermagem Naomi Monroe, permaneciam no salão. A servidora conta que estava prestes a se aposentar, mas descobriu recentemente que terá de trabalhar mais cinco anos para ter acesso ao benefício. "Do jeito que as coisas andam, provavelmente eu terei de buscar outro emprego. Torço para que me demitam, porque eu ganharia mais com o salário-desemprego do que trabalhando, e assim eu também poderia voltar a estudar e aprender algo novo", diz.

Irritação

Graças aos cortes de pessoal já realizados, as pessoas que ligam para o escritório onde ela trabalha às vezes precisam aguardar na linha, explica Naomi. E, a cada dia, pelo menos dois ou três cidadãos ficam nervosos por causa da demora. "Eles berram e gritam, dizem que os funcionários públicos são preguiçosos. Quando cheguei aqui, eu sofria de hipertensão e já tinha ido parar na ambulância. É tão estressante. Se eu tiver de enfrentar mais cinco anos disso, acho que não vou aguentar", lamenta.

Tradução: João Paulo Pimentel