Já passou a época em que pedir demissão era considerado um tabu. Enquanto em gerações anteriores os trabalhadores procuravam crescer e se manter em um único emprego ao longo da vida profissional, agora, é cada vez mais comum ver pessoas com 30 anos de idade que já passaram por várias empresas em busca de qualificação, melhor remuneração, mais qualidade de vida e novos desafios. Neste cenário, o pedido de demissão torna-se mais uma etapa de um processo que precisa ser encarado com seriedade, transparência e responsabilidade.
De acordo com a coach e gestora de Recursos Humanos Luciane Botto, quaisquer passos novos na vida de uma pessoa – sejam eles pessoais ou profissionais – geram medo e um certo desconforto. “Ninguém quer tomar uma decisão e se arrepender depois. Arcar com a crítica dos outros e com a autocrítica não é nada agradável, especialmente quando não estamos seguros da nossa decisão”, afirma Luciane, que também é professora de pós-graduação na FAE Business School.
Para aumentar a segurança sobre a decisão a ser tomada, o melhor caminho é planejar a carreira e reavaliar constantemente o que está sendo feito para verificar se a rota, o rumo e os objetivos traçados estão se concretizando. Outra medida importante é mensurar o grau de satisfação com o trabalho executado e a empresa para então, caso seja pertinente, pensar em novas possibilidades. “Se não arriscarmos, ficaremos o resto da vida no mesmo lugar, com desafios muito menores dos que poderíamos assumir. A infelicidade no trabalho influencia diretamente nossa vida pessoal”, completa Luciane.
Contudo, o headhunter, especialista em capital humano e professor universitário Cristian Kim alerta que um processo de pedido de demissão não deve ser encarado como um teste de mercado ou uma tentativa de valorizar o passe dentro da empresa. “É um processo que exige muita reflexão sobre a sua situação atual e para onde você quer ir. É preciso analisar os prós e os contras de cada opção e ler bem o ambiente para então decidir. Se resolver procurar algo novo, tem de ir para valer”, diz Kim, que até fundar a própria empresa – a recrutadora de executivos Beyond – pediu demissão cinco vezes.
Confira a seguir sete dicas de Luciane e Kim sobre como encarar e conduzir um processo de pedido de demissão:
1 – Sem leilão
O pedido de demissão não deve ser encarado como um momento de leilão para conseguir uma promoção ou um aumento na empresa atual. Caso você almeje um upgrade desse tipo, converse com seu gestor sobre isso e demonstre seu interesse em continuar na empresa e assumir novas responsabilidades e desafios.
2 – Analise o cenário e reflita sobre a sua situação
Antes de tomar qualquer decisão, analise a sua situação dentro da empresa e avalie como está a sua vida pessoal e profissional diante do emprego que tem hoje (o teste ao lado pode facilitar esse processo). Caso chegue à conclusão de que sair do trabalho é o caminho mais adequado, pesquise o mercado, veja em que empresas gostaria de trabalhar – O que fazem? Por que estariam interessados em você? De que forma você acrescentaria algo a elas? – e projete a sua carreira. Se o seu desejo é ter um negócio próprio, faça todos os estudos necessários para que ele esteja estruturado e funcionando antes do seu desligamento ou prepare-se financeiramente para conseguir arcar com suas despesas até que a sua empresa comece a dar frutos.
3 – Prepare-se
Além de identificar a necessidade de mudança, é preciso planejar os próximos passos. Para a gestora de Recursos Humanos e professora da FAE Business School Luciane Botto, essa etapa deve criar novas possibilidades e oportunidades. “O trajeto pode ser ‘recheado’ de novas experiências, cursos, networking. Uma pós-graduação, por exemplo, pode ser o caminho perfeito para conhecer pessoas de diferentes empresas e áreas e desenvolver novas competências técnicas e interpessoais. O autodesenvolvimento é para toda a vida”, afirma.
4 – O pedido
Quando chegar a hora de pedir demissão, o primeiro a ser comunicado deve ser seu chefe direto. Em um local reservado, exponha a sua decisão. “Mantenha a calma e comunique a sua decisão de forma objetiva e o mais transparente possível. Como esta é uma decisão já tomada, minha opinião é que não se deve aceitar uma contraproposta”, afirma o headhunter e CEO da Beyond, Cristian Kim. O especialista acrescenta que, neste momento, deve-se programar o desligamento, combinar uma data e estabelecer como será a entrega ou transferência dos trabalhos em andamento. “Este não é o momento de dar feedback sobre a empresa, reclamar de colegas ou da chefia”, acrescenta Kim. Tudo deve ser formalizado por e-mail.
5 – Mantenha o profissionalismo
Após o pedido de demissão e até o seu desligamento da empresa, continue a fazer o seu trabalho normalmente e com a mesma dedicação de sempre, finalizando e cumprindo prazos e entregas estabelecidos anteriormente. Mantenha a ética, sem levar consigo dados, arquivos e documentos pertencentes à empresa.
6 – Portas abertas
Mesmo indo para a concorrência, é possível manter as portas abertas com o antigo empregador para futuras parcerias e oportunidades. “Muitas vezes, o empregador não gosta de um pedido de demissão por se tratar de uma decisão do empregado, mas tudo vai depender de como você conta e constrói a sua história, se ela é coesa e faz sentido com o seu profissionalismo. Ninguém pode julgar você por querer algo melhor para si mesmo”, afirma Kim, aconselhando ainda a agradecer a oportunidade a todos, colocar-se à disposição e manter o relacionamento com contatos esporádicos por telefone, mensagens ou cartões.
7 – Passo para trás
Um pedido de demissão não costuma envolver apenas uma questão, englobando aspectos pessoais, profissionais, financeiros, intelectuais, de qualidade de vida. Como em qualquer mudança, esse processo pode significar um passo atrás em alguma área e dependerá muito do seu momento de vida. Por exemplo, uma remuneração mais baixa pode significar mais tempo com a família.
Faça o teste: chegou a hora?
Avalie o seu grau de satisfação profissional e se o momento de pedir demissão está próximo com o teste elaborado pela especialista em carreira Luciane Botto, professora da FAE Business School. Responda sim ou não às afirmações abaixo:
Sobre a empresa em que trabalha
- A empresa está passando por mudanças intensas e dando sinais de instabilidade (queda na demanda e/ou no faturamento, aumento de despesas, desligamento de funcionários).
- O clima interno está tenso.
- Não vejo “sentido” nas atividades que realizo.
- Não há perspectivas claras de crescimento.
- Não sinto orgulho em trabalhar na empresa.
- Não gosto do ambiente de trabalho.
Sobre os relacionamentos na empresa
- Os relacionamentos entre colegas e gestores são permeados por fofocas, críticas, discussões e ironias.
- Não há confiança e respeito entre as pessoas.
Sobre o seu desenvolvimento na empresa
- Trabalho na empresa há mais de um ano e nunca recebi um feedback sobre como está meu trabalho.
- Não sou reconhecido pelo que faço, independentemente do empenho.
- Tenho a sensação de que poderia contribuir mais.
- Meus talentos e habilidades quase não são aproveitados nas atividades que realizo.
- Não me sinto desafiado pelo meu gestor nem pela empresa.
- Faz tempo que não aprendo nada novo.
- Sinto-me entediado com o trabalho.
Sobre você
- Sinto-me estressado e cada vez mais impaciente com as coisas e as pessoas.
- Sinto-me acomodado no trabalho.
- Não me identifico com a cultura e os valores da empresa.
- Sinto que meu trabalho está afetando a minha vida pessoal em virtude de viagens, carga horária, estresse ou outros fatores.
- Minha saúde física e mental está prejudicada. Sinto-me esgotado.
- Não consigo mais ter tempo para mim (família, amigos, atividade física, hobbies).
O que isso significa?
Você deve ter percebido que quanto mais respostas positivas às afirmações acima, maior é o seu grau de insatisfação. Se não está satisfeito e quer mudar, saia da inércia e da comodidade. Encare a realidade, trace um plano e execute-o.
Reforço
Para verificar se sua decisão está certa e reforçar a execução do seu projeto, coloque os prós e os contras em uma balança. Reflita e veja o que vale mais a pena. Faça duas tabelas para listar os seguintes pontos:
Vantagens de ficar no emprego x Desvantagens de ficar no emprego
Vantagens de sair do emprego x Desvantagens de sair do emprego
Opções
- Não está feliz no trabalho? Verifique a possibilidade de mudar de área, agregar novas atividades e desafios. Uma boa conversa com seu gestor pode ser um ótimo caminho.
- Se percebeu a necessidade de uma mudança, mas ainda não se sente preparado para isso, trace um plano e vá executando-o aos poucos para evitar uma atitude precipitada. Veja as dicas da reportagem ao lado.
- Trabalhe sempre na construção de planos B e C caso seja surpreendido com uma demissão. Cada um é responsável pela sua própria carreira. Se possível, invista em cursos de pós-graduação, línguas estrangeiras e mantenha seu network atualizado. Isso ajuda na sua empregabilidade e lhe oferece mais liberdade de escolha.
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