A lenta recuperação da venda de veículos no Brasil tem impulsionado as montadoras aqui instaladas a ampliar as exportações para escoar a produção. A aposta, no entanto, esbarra nas dificuldades econômicas do principal destino das exportações brasileiras, a Argentina, e na demora do governo brasileiro em firmar acordos comerciais mais vantajosos para o setor, como o de livre comércio com os próprios argentinos. A saída, portanto, tem sido intensificar a busca por novos mercados no exterior, como em outros países da América do Sul, no México, nos Estados Unidos e na África.
A Volkswagen, por exemplo, marca que mais exporta no Brasil, começou neste ano a vender o modelo up! para o Peru. A Fiat estuda a possibilidade de exportar seus mais recentes lançamentos para fora da América do Sul: a picape Toro pode começar a ser vendida para os Estados Unidos, enquanto a SUV Renegade (da Jeep, que faz parte do mesmo grupo da Fiat) despertou interesse do mercado africano. Somente neste primeiro trimestre, as exportações totais de veículos, em volume, cresceram 24% ante o mesmo período de 2015, segundo dados da Anfavea, associação que representa as montadoras no País. Já as vendas internas diminuíram 28,6% na mesma base de comparação.
O governo, por sua vez, também tenta ampliar as possibilidades, como fez ao assinar acordos bilaterais com a Colômbia e o Uruguai no ano passado. O primeiro, porém, não é de livre comércio. E o segundo, embora seja, atende a um mercado pequeno. “Você olha para os países andinos (Colômbia, Peru e Chile) e percebe que a importação vem mais dos coreanos e japoneses do que do Brasil. Estamos na América do Sul e o Brasil não é um país de exportação?”, questionou o presidente da Fiat na América Latina, Stefan Ketter.
Com isso, sem uma relação mais aberta com outros países, os exportadores brasileiros acabam dependendo da flutuação da taxa de câmbio, avalia Ketter. “Quando o dólar está alto, é hora de exportar; quando o dólar está baixo, é hora de olhar para o mercado interno porque não vale a pena exportar. Esse entra e sai não é sustentável”, disse.
O economista-chefe do Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, lembrou que boa parte do comércio do setor automotivo é intrafirmas, o que compensa em parte a falta de acordos mais atrativos. “Trata-se de uma decisão estratégica de produção dos próprios grupos olhar para onde a produção fica mais competitiva”, afirmou o especialista. Segundo ele, México e Estados Unidos são grandes mercados potenciais para o produto brasileiro. Já o Peru é um mercado pequeno, mas que poderia ser alternativa de diversificação para o Brasil. “Apesar das restrições, Peru é um bom mercado, mas não pode ser considerado a ‘salvação’. O Brasil tem de aproveitar as oportunidades de ampliação das vendas externas com esse câmbio favorável. Mas não dá para sair para qualquer mercado se não houver uma porta aberta”, ressaltou.
Para avançar nas vendas externas do setor automotivo nacional, a criação de cadeias globais de valor é a sugestão da advogada especialista em comércio internacional do L.O. Baptista-SVMFA, Cynthia Kramer. “O Brasil poderia aproveitar o perfil multinacional da indústria do segmento e tentar seguir mais na cooperação entre as indústrias”, explicou.
A Anfavea também tem olhado com mais atenção para os outros mercados. “A Argentina é nosso principal mercado no exterior, mas se somarmos Colômbia, Peru e Equador, já temos o equivalente a uma Argentina”, explicou. “Queremos abrir novos mercados, mas também melhorar os acordos que já temos com outros países”, defendeu o novo presidente da associação, Antonio Megale.
Argentina
O mais recente sinal de que não haverá avanço na relação com o país vizinho foi dado nesta semana. Na segunda-feira (25), representantes dos governos brasileiro e argentino se reuniram para discutir um possível acordo de livre comércio, em substituição ao acordo vigente, que expira em junho e impõe limites para as vendas livres de impostos. O encontro, porém, terminou sem um consenso, em razão de uma resistência da Argentina.
“Com a chegada de Mauricio Macri (ao governo argentino), o cenário mudou bastante e as incertezas diminuíram. Entretanto, o setor automotivo argentino tem um lobby muito forte, então não dá para avaliar como será a reação desse segmento frente a um acordo diferente com o Brasil”, afirmou Cynthia, do L.O. Baptista-SVMFA. Diante da lentidão, até mesmo os empresários estão pessimistas. Megale, da Anfavea, já trabalha para a renovação do atual acordo, uma vez que o livre comércio está cada vez mais distante.
Além disso, o cenário não é dos mais favoráveis para que o consumidor argentino compre um carro importado. Desde que Macri assumiu o governo e começou a implementar o ajuste fiscal, o câmbio se desvalorizou e tornou mais cara a compra de produtos do exterior, embora tenha facilitado a obtenção de moeda para o comércio internacional do país. A isso se soma o aumento das tarifas de alguns serviços, como o fornecimento de energia, que devem avançar pelo menos 300% em 2016, segundo estimativas de analistas.
“A situação na Argentina está longe de ser um paraíso, esse ano vai ser de inflação alta, o que corroerá parcela da renda do argentino”, avaliou Cagnin, do Iedi. Não é a toa que os embarques de veículos e acessórios para a Argentina, em volume, caíram 27% no primeiro trimestre de 2016 em comparação com igual período de 2015, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic). A queda é mais intensa do que a vista nas exportações totais do setor para todos os destinos, de 17%.