Após quase dois anos de negociações com o governo, as montadoras respiraram aliviadas na quinta-feira (8) após a assinatura do decreto que regulamenta o novo regime do setor automotivo para os próximos 15 anos. Depois de passar no plenário da Câmara na quarta-feira, o texto foi aprovado no Senado em uma sessão-relâmpago de 22 minutos e, menos de uma hora depois, já estava nas mãos no presidente Michel Temer. Em uma semana, se não fosse aprovada, a MP perderia a validade e o setor voltaria praticamente a estaca zero. Apesar da vitória, o setor automotivo brasileiro saiu enfraquecido desta batalha de quase dois anos para a aprovação do novo regime.
Na últimas semanas, o Rota 2030 correu o risco de subir no telhado não por divergências com o governo, mas entre as próprias montadoras. O ponto de discórdia foram emendas feitas ao texto original que previam a renovação de incentivos regionais para montadoras do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Com o temor de que a MP não fosse aprovada a tempo e o novo regime acabasse sobrando para o próximo governo, as empresas do Sul e Sudeste pediam que a atenção fosse mantida no texto original do Rota.
Nos bastidores ...
A queda de braço mais acirrada ocorreu em a Fiat e a Ford por conta de uma emenda apresentada pelo senador Armando Monteiro (PTB-PE) que propunha a prorrogação por mais cinco anos (de 2020, quando vence, até 2025) do regime especial para indústrias do setor automotivo instaladas no Nordeste, com custo estimado de R$ 2,5 bilhões.
Teoricamente, as duas montadoras seriam beneficiadas, já que ambas tem sedes na região Nordeste (a Fiat em Pernambuco e a Ford, na Bahia e no Ceará). A questão é que, para não ter problemas com a Fazenda, Monteiro alterou as regras atuais do regime, limitando o crédito apenas para o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) gerado na região e seu abatimento somente em dívidas de IPI. Hoje, o incentivo regional permite contabilizar todo o IPI gerado pela empresa e seu abatimento em qualquer imposto federal.
Com esta alteração, a medida beneficiaria mais a Fiat. Como a empresa produz veículos de alto valor e motores mais potentes como os utilitários Renegade e Compass e a picape Toro, teria créditos de IPI maiores que a concorrente Ford, que fabrica modelos populares e menos potentes, como o Ka e a EcoSport. Na queda de braço, a emeda acabou aprovada sem a alteração que beneficiava a Fiat.
No texto final do Rota 2030 que foi sancionado pelo presidente Temer, a emenda que prorroga em cinco anos os incentivos às empresas do Nordeste foi aprovada. Segundo Ricardo Bastos, diretor de assuntos governamentais da Toyota, a inclusão desse ponto foi feita durante o período de discussões do novo regime, mas não passou pelas câmaras temáticas. “A prorrogação até 2025 é vista pela nossa empresa como uma quebra de contrato, que fere a previsibilidade estabelecida pelo Rota 2030”. A empresa tem fábrica em Indaiatuba, no interior de São Paulo.
Outra emenda que previa a expensão dos incentivos para montadoras do Centro-Oeste, para empresa instaladas em Goiás, também estava no acordo para ser aprovada, mas acabou sendo rejeitada na Câmara em razão de um erro de cálculo no valor dos créditos, depois da pressão da bancada que representa as montadoras do Sudeste.
Por lobby do senador Ronaldo Caiado (DEM), governador eleito de Goiás, líderes do governo no Senado afirmaram haver compromisso do Planalto de editar outra medida dando a Goiás o mesmo prazo de prorrogação dos benefícios destinado ao Nordeste, 2025.
Desgaste não vai durar
Todo esse imbróglio gerou um desgaste em um dos setores mais importantes e unidos da economia brasileira. Mas isso não deve se estender por muito tempo, acredita o professor da FGV Antônio Jorge Martins, coordenador do MBA em Gestão Estratégica de Empresas da Cadeia Automotiva. “O setor sai enfraquecido por conta de disputas regionais, mas isso é uma questão meramente pontual. Elas [as montadoras] devem se unir rapidamente de novo em busca dos seus interesses, até pelo peso que têm na economia”.
Martins acredita que se Rota 2030 não tivesse sido aprovado dentro do prazo e acabasse ficando para o novo governo, não seria aprovado, pelo menos não da forma como foi, especialmente por conta da situação fiscal do país e em razão de a nova equipe econômica já ter se posicionado contrária à concessão de incentivos fiscais setoriais. Segundo ele, os incentivos concedidos neste momento são muito mais benéficos para o setor do que para o governo, e as empresas sabiam disso, dada a preocupação em garantir a aprovação do Rota ainda neste ano. Agora, terminada esta batalha, elas terão de deixar para trás discordâncias para defender seus interesses no próximo governo.
O mercado brasileiro apresenta uma perspectiva de crescimento muito grande para o setor automotivo. Nos últimos anos, o setor estava com uma ociosidade em torno de 45%, e mesmo assim nenhuma das montadoras se afastou daqui. Na indústria de caminhões a ociosidade chegou a 85%, e ninguém saiu. O mercado brasileiro já é um grande incentivo. Independente dos incentivos, elas já fariam investimentos previstos em P&D, eficiência energética e tecnologia porque o mercado exige que elas andem nessa direção para não ficarem para trás.
Lei do Bem e Rota 2030: benefício dobrado
A principal diferença em relação ao seu antecessor Inovar-Auto é que os incentivos do Rota 2030 contemplam toda a cadeia automotiva, e não apenas as montadoras. Empresas do setor automotivo – em especial as fabricantes de autopeças – , que já são beneficiadas pela Lei do Bem, poderão abater quase 40% de Imposto de Renda devido ou da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) ao somar o incentivo previsto nessa lei com o do Rota 2030.
De acordo com Francisco Alberto Tripodi, sócio da consultoria Pieracciani, a Lei do Bem prevê dedução de 20,4% a 27,2% no IR e na CSLL para empresas que investirem em pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica. O Rota estabelece abatimentos de 10% a 12% e ambos descontos podem ser somados pelas empresas que aderirem ao programa.
“Combinar a legislação atual com o Rota 2030 vai ser a melhor estratégia para as empresas de autopeças e as montadoras”, afirma Tripodi, que presta consultoria a várias empresas do setor.
Tripodi ressalta que o maior porcentual de desconto na Lei do Bem é concedido apenas para empresas que geram lucro, e deve ser usado no prazo de um ano após a comprovação do investimento. Já no Rota, a empresa terá até cinco anos para fazer o abatimento. Essa foi uma das conquistas das montadoras no programa após alegaram que, atualmente, em razão da recente crise econômica, a maioria das fabricantes opera no vermelho e não há garantias de que voltem a lucrar no curto prazo.
Na opinião do especialista em direito tributário Bruno Sartori de Carvalho Barbosa, sócio do escritório Souza, Mello e Torres, apesar da renúncia de receita, o apoio a projetos de inovação “é uma prática muito usada para o desenvolvimento de determinados setores ou produtos e ajuda a gerar mais faturamento, mais contribuição tributária e mais empregos diretos e indiretos”.
CONHEÇA DO PRINCIPAIS PONTOS DO ROTA
>> O Rota 2030 terá duração de 15 anos e engloba vários incentivos, como redução de IPI sobre veículos híbridos e elétricos. Ao todo, as empresas terão de investir em conjunto R$ 5 bilhões por ano em P&D para acessar incentivos fiscais que somam R$ 1,5 bilhão anuais a serem abatidos via IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido).
>> As montadoras de veículos poderão abater de 10,2% até 12% ( no caso de investimentos em setores estratégicos) do valor que investirem em pesquisa e desenvolvimento no pagamento de Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
>> Haverá redução do IPI para veículos que superarem metas de segurança e eficiência energética. De imediato, cairá apenas a alíquota para carros elétricos e híbridos, de 25% para até 7%. Para os demais carros, poderá haver redução na alíquota de 1 a 2 pontos percentuais a partir de 2023, se eles cumprirem as metas estabelecidas no programa.
>> Redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos elétricos e híbridos, do teto de 25% para até 7%.
>> Diferente do seu antecessor Inova-Auto, os incentivos do Rota 2030 contemplam toda a cadeia automotiva, e não apenas as montadoras.