A proposta do Ministério da Economia de mudanças no Imposto de Renda vai afetar diretamente o mercado imobiliário, com previsão de aumento de carga tributária para o setor e consequentemente de custos para o consumidor. A análise é do diretor do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis de São Paulo (Secovi-SP), Ely Wertheim, que vê com preocupação a pressa do governo em aprovar o projeto ainda este ano.
“Não somos contra ter um projeto de lei, mas não para ser aprovado até 31 de dezembro para valer a partir de janeiro de 2022, bem em um momento em que se deveria estar incentivando as empresas a recuperar o emprego e o investimento e, com isso, gerar mais arrecadação de imposto. A discussão deveria ser colocada ao longo de 2022”, opina.
Um dos pontos mais criticados pelo setor é a tributação de 15% sobre a distribuição de aluguéis de fundos de investimento imobiliário (FIIs), hoje isentos. Esse tipo de ativo serve para financiar o mercado imobiliário, que paga aos investidores uma parte dos ganhos com a locação ou arrendamento de imóveis. O fim da isenção para quem recebe a divisão dos aluguéis de FIIs é visto como uma forma de desincentivar os ativos.
Para o diretor do Secovi-SP, caso a proposta do governo seja aprovada, haverá um aumento considerável de custos para o setor imobiliário, que acabará repassado para o preço dos imóveis. “No fim, quem paga é o consumidor. Então dá-se uma esmola para a pessoa física, que vai pagar um pouco menos de imposto de renda – uma medida eleitoreira, aliás, populista –, mas, de outro lado, vai tirar do consumo dele”, diz.
No dia da apresentação da proposta do governo, o mercado reagiu mal, com uma queda de 2,13% no IFIX, índice composto de cotas de 96 FIIs da B3. “Essa proposta da reforma tributária acaba com a indústria de fundos imobiliários, que tem carregado nas costas a construção civil (somente ano passado cerca de R$ 30 bilhões em emissões de cotas)”, escreveu o fundador da Suno Research, Tiago Guitián Reis, no Twitter. “Espero que o Congresso tenha noção que existirão impactos no setor da construção.”
O Secovi-SP divulgou nota em que afirma que o texto apresentado pelo governo “desestrutura todo um sistema de tributação imobiliária ajustado nos últimos anos, que vem gerando receita e crescimento econômico ao país, e poderá trazer consequências não desejadas pela sociedade: mais desemprego, menos investimento e menos moradia.” Para a entidade, “o mercado imobiliário pode sofrer um dos mais profundos golpes na sua organização, com repercussões nos preços e na oferta de imóveis residenciais, comerciais, logísticos e industriais. E, naturalmente, na geração de emprego e renda.”
“A gente entende como absolutamente descabida uma coisa dessas [tributação FIIs]”, diz Wertheim. “O fundo de investimento imobiliário é um funding importante, que permite o desenvolvimento do setor. Tirar esse incentivo me parece um equívoco”, avalia.
Governo justifica tributação de FIIs como forma de redução de distorções
A justificativa da equipe econômica do governo é que a tributação sobre FIIs atribui “um tratamento mais próximo do adotado para outros tipos de fundos”.
“Com o objetivo de reduzir as distorções existentes entre as diversas modalidades de fundos de investimento e ainda em relação a outros rendimentos, propõe-se a revogação de benefícios fiscais que hoje resultaram em um planejamento tributário com perdas na arrecadação e distorções, como no caso do aluguel de um imóvel, que tem seus rendimentos tributados na tabela progressiva, enquanto os rendimentos de edifícios vendidos por meio de fundos de investimento e alugados são isentos de tributação”, diz a justificativa anexada ao projeto de lei.
Apesar do discurso de reduzir distorções, a proposta do governo não mexe na isenção que existe para debêntures incentivadas – Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Fundos de Investimentos em Participações em Infraestrutura (FIP-IE). “Mas agora vai se tributar fundos imobiliários que investem nesses ativos? Não faz muito sentido para mim”, diz o sócio fundador e CEO da Turing, André Chede.
“Não é verdade que os FIIs sejam isentos de tributação. O fundo distribui o lucro que teve depois de já pagar o imposto. O sujeito que recebe do fundo pode até ser isento, isso é verdade, mas o fundo já paga o imposto, e o que ele distribui é o resultado líquido. É como se o seu salário líquido, depois de descontado o imposto de renda retido na fonte, fosse taxado novamente quando você vai dividir com a sua família”, argumenta Wertheim.
O diretor do Secovi-SP questiona ainda a tributação de dividendos, que deve aumentar a carga de impostos global não apenas as empresas do setor imobiliário, como qualquer pessoa jurídica no momento da distribuição de lucros entre acionistas.
Mudança na tributação sobre ganhos de capital com bens móveis é considerada positiva
Wertheim elogia, por outro lado, outro dispositivo previsto no projeto de lei, que é a mudança na tributação sobre valorização de imóveis. Atualmente, o imposto é recolhido no momento da venda de um bem imóvel e incide sobre a valorização desde o momento da compra, com uma alíquota entre 15% e 22,5% sobre o ganho de capital. A proposta é permitir ao contribuinte atualizar o valor anualmente, pagando uma taxa de 5% sobre a diferença em relação ao preço original de aquisição.
“Essa é uma ideia boa. Se você comprou um imóvel um ano atrás, não vai ter efeito, mas se você tem um patrimônio de cinco, dez, vinte anos, é uma medida muito interessante, porque você vai pagar um pouco, atualizar o valor, e quando você for vender o imóvel, o imposto que vai pagar será sobre um valor infinitamente menor. Essa é uma medida inteligente, moderna, e que, na maioria dos casos de investidores de imóveis vai ser muito benéfica”, avalia.
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