Quando as compras online caíram no gosto dos brasileiros, surgiu a pergunta se os modelos tradicionais de varejo estariam correndo risco. Agora, os shopping centers estão dando uma resposta para isso: é possível aliar sua expertise com os avanços tecnológicos do mundo digital. Os grupos administradores destes estabelecimentos estão, cada um à sua maneira, lançando suas plataformas de vendas online. A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) estima que em um ano e meio todos os grandes grupos já terão este tipo de serviço disponível.
O primeiro a lançar sua plataforma própria de vendas online, em dezembro de 2017, foi o Cyrella Commercial Properties (CCP), batizando-a de On Stores. Em maio de 2018, foi a vez do BR Malls anunciar a compra de 45% da Delivery Center, plataforma criada pelo mesmo fundador do iFood, e também entrar para o e-commerce. Alguns meses depois, em setembro, o Grupo JHSF lançou o seu Cidade Jardim Fashion. No mesmo mês, no Paraná, o Shopping Mueller iniciou suas vendas online por meio de uma parceria com a startup James Delivery. Iguatemi e Sonae, em São Paulo, também preparam, para o primeiro semestre de 2019, o lançamento de seus e-commerce, acompanhados da Multiplan, que espera também estar neste universo até dezembro deste ano.
“A tecnologia vem para favorecer as operações dos shoppings e, via de regra, impacta bem o negócio de quem sabe usá-la. Aqueles que tentaram brigar contra, se deram mal”, avalia Thiago Alonso, CEO do JHSF. Com o Cidade Jardim Fashion, o grupo espera que 1,5% das vendas sejam realizadas online nos próximos dois anos.
O projeto levou cerca de dois anos até ser lançado, em setembro do ano passado. Isso porque, segundo Alonso, foi preciso iniciar uma plataforma do zero e à medida em que ela era construída, foi preciso encontrar parceiros diferentes para cada uma das etapas. Um exemplo disso foi a busca pela melhor forma de pagamento, que fez com que o grupo sentasse com um adquirente de cartão de crédito para desenvolverem juntos uma solução customizada, que faz a “quebra” da compra para cada lojista automaticamente quando o cliente adquire produtos em mais de uma loja.
Segundo Alonso, o papel do grupo é facilitar que vendedores e compradores fechem negócio, e o e-commerce vem como forma de deixar isto mais claro para as duas partes. Ele exemplifica com o caso de uma grife italiana de sapatos que estava para abrir sua loja no Cidade Jardim. O estoque deles acabou chegando antes da loja física estar pronta, e foi então que o JHSF teve a ideia de disponibilizar os produtos online, mesmo sem a loja estar aberta. Em três semanas, todo o estoque foi vendido. “Se isso acontece, fica claro para o varejista que eu estou ali para ajudá-lo a vender, ele já ganha uma confiança maior”, diz.
Delivery e compras omnichannel
Na Grande São Paulo, o Cidade Jardim Fashion oferece delivery com entrega no mesmo dia para compras realizadas até as 14h. Há também a possibilidade de enviar para outras cidades, com tempo maior de entrega. O serviço de entrega é terceirizado e, segundo Alonso, foi feita uma seleção minuciosa em busca da melhor empresa, para manter o padrão exigido pelos seus clientes – o Shopping Cidade Jardim atende um público de alta renda. “O cliente recebe em casa e percebe o toque do Cidade Jardim. A embalagem é caprichada, não mando um pacote embrulhado em papelão pardo”, conta. Há algumas semanas, inclusive, uma montadora alemã procurou o grupo para uma campanha e, por um período, as entregas eram feitas por carros de luxo.
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Na busca de se tornar cada vez mais omnichannel, o grupo aproveitou a revista do Cidade Jardim, que já existia, e adicionou QR Codes ao lado dos produtos apresentados na publicação. Ao ler o código pelo celular, o cliente é levado para a página do item no e-commerce e já pode realizar a compra por ali mesmo. “Todas estas opções trazem mais flexibilidade para todas as partes. O lojista quer girar o estoque e o cliente quer escolher a forma de comprar e de receber seu produto. É um ganha-ganha”, avalia.
Compre online, retire offline
O pioneiro On Stores, do Grupo CCP, surgiu em 2017 e ganhou força a partir da campanha de Dia das Mães, em maio de 2018. Com sete shoppings centers em seu portfólio e presente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, e Goiás, o On Stores conta com 340 lojas em seu catálogo online, com potencial de chegar a 1.400. “Os lojistas que mais têm se beneficiado com isso são aqueles que não possuem e-commerce próprio. Todo o investimento foi do grupo e não cobramos nada dele além dos custos do meio de pagamento. Temos uma vantagem em relação aos marketplaces já tradicionais, pois temos as lojas físicas e vivemos do aluguel destes espaços”, explica Pedro Daltro, presidente do CCP.
O On Stores trabalha com o sistema “click and collect”, em que o cliente faz a compra pela internet e busca o produto na loja física. Para este semestre, também começará a fazer entregas em casa, mas, segundo Daltro, a preferência segue pelo primeiro modelo. “O click and collect ajuda a aumentar o fluxo de pessoas dentro dos shoppings. Quando o cliente vai buscar uma compra, o varejista tem a oportunidade de realizar uma segunda venda, ou ainda o cliente consumir em outra loja”, explica. Por isso, mesmo com o delivery – que também será terceirizado –, o grupo apostará em promoções para quem optar por buscar a compra nos shoppings.
A expectativa é que o e-commerce represente, nos próximos três anos, 5% das vendas, índice que foi alcançado na última Black Friday, em novembro do ano passado. Segundo Daltro, alguns lojistas já chegaram a dobrar as vendas depois que aderiram ao online. Para o presidente, houve uma mudança na relação entre os lojistas e o grupo. “Antigamente, a negociação era o lojista me pagar um aluguel que é cobrado independente de suas vendas, meu papel era atrair o público para o shopping. Agora, nossa estratégia vai além e queremos ajudar o lojista a vender mais, não quero que cada um tenha de se virar sozinho”, explica.
Shopping e startup
Já a trajetória e o modelo adotado pelo BR Malls para seus shoppings foram um pouco diferentes. A integração online-offline já havia começado há cerca de três anos, quando a administradora iniciou um piloto de entregas da praça de alimentação do Shopping Metrô Santa Cruz, em São Paulo. O caminho se cruzou com o da Delivery Center e com a expertise de seu fundador, Andreas Blazoudakis, criador também do iFood. Em maio do ano passado, a BR Malls adquiriu 45% da plataforma de Blazoudakis e é por ela que seus shoppings vendem online.
Das doze operações da Delivery Center, seis delas são de shoppings da BR Malls. A ideia é que seja uma plataforma aberta, unindo soluções de mercado e criando um efeito de rede não restrito só a shoppings. As operações começaram por Porto Alegre, chegaram às capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, e a ideia é, para 2019, expandir a cobertura para a Grande São Paulo. Nos próximos quarenta dias, mais três operações serão integradas à plataforma. Até o final de 2019, o grupo também planeja que 20 de seus shoppings estejam na Delivery Center, entre eles os curitibanos Shopping Estação e Shopping Curitiba. Ao todo, a expectativa é que a Delivery Center tenha 60 operações até o final do ano.
A opção pela plataforma aberta e não uma própria foi visando tornar o negócio mais competitivo. “Apesar de termos a maior rede de shoppings, entendemos que não é uma escala suficiente para ser líder em um mercado tão competitivo. Era importante agregarmos mais players para tornarmos o modelo ganhador, e é o que tem acontecido”, conta Vicente Avellar, Diretor Executivo de Operações da BR Malls.
Segundo Avellar, o aumento médio em vendas, em especial na área de alimentação, foi de 17%, chegando a 26% em alguns lojistas. “Para eles é bom porque extrapola as paredes do shopping. Para a praça de alimentação, por exemplo, aumentam as vendas em períodos que, até então, eram ociosos, após os picos dos horários de almoço e jantar”, conta.
Proximidade dos clientes é diferencial
Se cada grupo tem adotado diferentes modelos para venda online, em um ponto eles convergem: o diferencial de estarem mais próximo aos grandes centros nas cidades, o que facilita a logística e diminui custos e tempo para este tipo de operação.
Daltro acredita que o desafio de ser unicamente digital é exatamente na logística e entrega, o que os americanos chamam de “última milha” (last mile), que tem um alto custo. Lá fora, segundo ele, percebeu-se que tendo uma loja física mais próxima aos clientes e oferecendo a opção de retirada do produto ali, vende-se mais. Foi o que fez a Amazon ao comprar o Whole Foods, por exemplo, visando presença física. “Nós já temos, automaticamente, esta vantagem competitiva em relação a marketplaces unicamente online, pois já estamos próximos aos clientes”, diz.
“Quem parece ser mais rápido? Eu que estou a cinco quadras do meu cliente, ou o marketplace com um Centro de Distribuição em Carapicuíba?”, compara Alonso, na mesma linha de raciocínio.
Avellar destaca que hoje os shoppings não são apenas centros de compra, o que afasta o risco do e-commerce acabar prejudicando as vendas presenciais. “Os shoppings reúnem todos os atributos de uma cidade em um mesmo local. São centros de compras, entretenimento, lazer e serviços. Você consegue resolver toda sua vida neste ‘mini-mundo, e isso não deve mudar”, acredita.
Segundo a Abrasce, entre janeiro e novembro de 2018, as vendas nos shopping centers aumentaram 4,4% em relação ao mesmo período do ano anterior.