O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, comanda sua última reunião à frente do Copom.| Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, se despede do cargo num momento de arremetida da taxa básica de juros. O mandato termina em 31 de dezembro, quando será substituído pelo atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Em sua última reunião à frente do Comitê de Política Monetária (Copom), nesta quarta-feira (11), Campos Neto e outros oito diretores devem aprovar um novo aumento da Selic, atualmente em 11,25% ao ano.

As apostas dos analistas se concentravam numa alta de 0,75 ponto porcentual (pp), mas foram turbinadas após a disparada dos juros futuros nos últimos dias e apontam agora para aumento de 1 pp.

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Os dados divulgados na terça-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) corroboram a necessidade de restrição monetária. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de novembro subiu 0,39%, acumulando alta de 4,87% na janela de 12 meses, acima do teto da meta de inflação.

É a maior variação do IPCA para o acumulado desde setembro de 2023, quando o avanço era de 5,19%. No ano, a alta acumulada é de 4,29%, já próxima do teto da margem de tolerância do índice para 2024, de 4,50%.

Se confirmada, a alta de juros pelo Copom vem reafirmar a independência da autoridade monetária frente a pressões políticas, experimentadas por Campos Neto desde o início da gestão petista. O economista é alvo preferencial de ataques de Lula e do PT, que pressionam pela redução da taxa de juros. Foram inúmeras subidas de tom do mandatário contra a gestão de Campos Neto, a quem já chamou de “este cidadão” e acusou de estar “sabotando o país”.

Campos Neto é associado ao bolsonarismo pelos petistas

Campos Neto foi o primeiro presidente do BC sob o regime de autonomia da instituição, conferida em lei aprovada em 2021, no governo de Jair Bolsonaro (PL). A legislação estabeleceu mandatos fixos de quatro anos para o presidente e os diretores do BC, não coincidentes com o do presidente da República.

Sua ligação com o governo anterior e o alinhamento às pautas liberais nunca foram esquecidos pelas hostes petistas. Também pesou contra ele o fato de ter ido votar em 2022 usando uma camisa da seleção brasileira, o que foi interpretado como apoio à reeleição de Bolsonaro. Mais tarde, ele se disse arrependido do gesto.

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Gleisi Hoffmann, presidente do PT, reiteradamente o acusou de comandar a política monetária com viés ideológico. A última investida veio na terça-feira (10), quando afirmou que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central é alvo de “terrorismo” para aumentar a taxa básica de juros.

“Na véspera do último Copom presidido por Campos Neto, aumenta o terrorismo para elevar ainda mais a indecente taxa de juros. O PIB cresce acima das previsões, emprego e renda também, arrecadação em alta, inflação dentro dos limites de uma meta exageradamente rigorosa, boas reservas, mas na mídia só se fala em ‘risco fiscal’”, escreveu a deputada nas redes sociais.

O argumento petista é que o atual patamar de juros afeta diretamente o crescimento da economia e que os indicadores do Produto Interno Bruto (PIB) e do emprego justificariam uma redução, em vez de aumento.

“Todos sabem que juros maiores, neste momento, só vão pressionar a dívida pública e comprometer a atividade econômica, mas os especuladores e seus porta-vozes não estão nem aí para o país. Desenham o cenário que favorece o pior, para encerrar o ciclo do terrorismo de Campos Neto, a serviço do mercado”, completou.

Piora fiscal interrompeu queda de juros

Para boa parte dos economistas, o aquecimento da economia é impulsionado por transferências governamentais, via programas assistenciais, e não no aumento de produtividade. Além de ser insustentável no longo prazo, o aumento "anabolizado" do consumo gera inflação de demanda.

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A trajetória de queda da Selic, iniciada em 2023, foi interrompida em junho, aos primeiros sinais de pressão inflacionária. A decisão foi criticada por Lula. "Só temos uma coisa desajustada neste país: é o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Presidente que tem lado político, que trabalha para prejudicar o país. Não tem explicação a taxa de juros estar como está", declarou o petista na ocasião.

Em setembro, com a piora das expectativas do mercado financeiro, o ciclo de alta foi retomado. Desde então, o cenário só piorou, com aumento da desconfiança sobre o cumprimento das metas do arcabouço fiscal pelo governo.

Além disso, o pacote de corte de gastos anunciado no início de dezembro, considerado insuficiente para conter o avanço da dívida pública, está com tramitação emperrada no Congresso.

Quem é o presidente que se despede

Roberto Campos Neto tem uma trajetória marcada por experiência no setor financeiro. Carioca, é mestre em Economia pela Universidade da Califórnia. Começou carreira no Banco Bozano Simonsen, posteriormente comprado pelo Santander, onde trabalhou por quase duas décadas.

Na filial brasileira do banco espanhol, Campos Neto foi chefe de trading, membro do conselho executivo do banco de investimentos no Brasil e no mundo, além de responsável pela tesouraria global para as Américas, cargo que ocupava em 2018 quando recebeu o convite para assumir o BC.

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Sua indicação ao BC veio em sintonia com a agenda de incentivo à concorrência defendida pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes.

Desde o início, o economista pregou a importância de autonomia para a autoridade monetária, bandeira já defendida por seu avô, Roberto Campos, ícone do liberalismo brasileiro e avô do presidente do BC.

"Acreditamos que um Banco Central autônomo estaria melhor preparado para consolidar os ganhos recentes e abrir espaço para os novos avanços de que o país tanto precisa", disse Campos Neto na cerimônia de posse, em março de 2019.

A preocupação com o tema já vinha crescendo desde a gestão de Dilma Rousseff (PT), quando episódios de submissão do Banco Central – então presidido por Alexandre Tombini – aos interesses do Executivo ganharam holofotes.

Legado de autonomia rendeu reconhecimento do mercado

Campos Neto deixa o Banco Central reconhecido pelo mercado financeiro e por seus pares. Foi eleito “Melhor Banqueiro Central da América Latina e Caribe” pela LatinFinance por três anos consecutivos.

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Sob sua liderança, o Banco Central acumulou outros 35 prêmios, entre eles o Central Bank of the Year 2024, concedido pela revista Central Banking.

“Roberto Campos Neto sempre teve atitudes técnicas enquanto diretor do BC”, diz Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike.

A defesa da autonomia também é o maior legado. “[Campos Neto] defendeu com maestria a independência da instituição e conduziu com sucesso o processo de desinflação do país ao mesmo tempo em que criou condições para manter um crescimento econômico acima das expectativas do mercado,” afirma Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital.

Para Jefferson Laatus, chefe-estrategista do Grupo Laatus, teve um mandato pautado pela “coerência”: “Acho que Campos Neto foi o presidente mais independente em toda a minha história de 24 anos dentro do mercado. Nunca cedeu às pressões políticas”.

Outros destaques de sua atuação à frente da instituição estão relacionados à agenda de tecnologia, como o lançamento do Pix, em 2020, que já se consolidou como o meio de pagamento mais utilizado pelos brasileiros. Entram na conta ainda o avanço do open finance e o desenvolvimento do Drex, a moeda digital do real.

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Estratégia na pandemia rendeu críticas

Também houve momentos de atrito. O maior deles começou a ser desenhado em 2020, na pandemia de Covid-19. Para manter a economia aquecida, o Copom reduziu drasticamente a taxa básica (Selic), que chegou a 2% ao ano, o menor nível da história.

Foi uma estratégia ousada e criticada por analistas, que precisou ser revista mais tarde, quando o BC iniciou um longo ciclo de aperto monetário para conter a inflação.

A escalada da taxa começou em março de 2021, ainda no governo Bolsonaro. Depois de 12 aumentos consecutivos, a Selic chegou a 13,75% ao ano. Permaneceu assim por 12 meses, até agosto de 2023, já no governo Lula.

Campos Neto se empenhou para manter os juros altos pelo tempo necessário para conter a inflação, condicionando o início da redução da taxa a uma proposta completa de regra fiscal, que veio com o arcabouço fiscal.

Os cortes da Selic começaram em ritmo lento. Somente em agosto de 2023, após superadas as pressões inflacionárias, o BC iniciou a redução da taxa. Durante todo o período, a política monetária esteve na berlinda, sofrendo pressões sistemáticas. Gleisi Hoffmann, entre os ataques, acusou o presidente do BC de reduzir os juros "a conta-gotas".

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Foram seis cortes seguidos de 0,5 ponto percentual, até que a Selic chegasse a 10,75% em março de 2024. Em maio, a queda foi de 0,25 ponto, fixando a taxa nos atuais 10,5%, numa decisão dividida que acirrou os ânimos do mercado e desancorou as expectativas de inflação.

A divisão sobre o tamanho do corte intensificou as especulações sobre interferência política na diretoria do BC. Os cinco diretores indicados por Bolsonaro – com o voto decisivo de Campos Neto – foram favoráveis a um corte de 0,25 ponto, e os quatro indicados por Lula – entre eles, Galípolo – defenderam um relaxamento maior, de 0,5 ponto. A ata do Copom tentou explicar as divergências, mas o desgaste foi grande.

Em junho, ruídos políticos provocados pela revisão da meta do arcabouço fiscal para 2025 marcaram um enfraquecimento do ministro da Fazenda, demonstrando o esgotamento da estratégia governamental de promover o ajuste de contas apenas pelo lado da arrecadação.

Com a piora das contas públicas, o BC interrompeu em junho a queda dos juros numa decisão unânime do Copom que significou um alívio para o mercado, uma derrota para Lula e uma vitória para o presidente do BC.

Governo e PT festejam saída de Campos Neto

Na reta final de mandato, Campos Neto também se empenhou em outra iniciativa que acirrou a ira do governo. Apoiou publicamente um projeto de emenda à Constituição que concede autonomia financeira ao Banco Central.

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A PEC, em tramitação no Senado, transformaria o BC de uma autarquia federal vinculada, mas não subordinada, ao Ministério da Fazenda, em uma empresa pública com natureza especial e personalidade jurídica de direito privado.

Campos Neto argumentou que, na atual conjuntura, o Banco Central corre o risco de ser asfixiado financeira e orçamentariamente.

Com sua saída a partir de janeiro, Lula e o PT esperam tempos menos árduos para eles. Em resolução do Diretório Nacional, nesta sexta-feira (6), o PT reafirmou a esperança, afirmando a que a chegada de Gabriel Galípolo à presidência do BC “deve garantir que as políticas monetárias futuras estejam alinhadas com os objetivos de crescimento inclusivo e sustentável do governo Lula”.

Por enquanto, Galípolo tem se notabilizado pelo alinhamento às posições de Campos Neto nas deliberações. Mas os holofotes estarão voltados para a próxima reunião sob sua presidência.

"Não é pequeno o tamanho do sapato que Gabriel Galípolo terá que calçar para se equiparar a Campos Neto", resume Vasconcellos, da Eqqus Capital. "Todas as indicações que recebemos até o momento apontam que ele irá honrar os seus compromissos com o controle da inflação e independência do governo, o que significa que ele não terá um trabalho fácil."

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]