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A Federação Nacional dos Trabalhadores de Empresas em Correios, Telégrafos e Similares (Fentect) culpou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela crise financeira dos Correios e questionou a repercussão negativa por conta da divulgação na imprensa da volta do benefício de Natal para os funcionários da estatal, chamado de “vale peru”, ao custo de R$ 200 milhões.
A Fentect se manifestou por meio de nota, no sábado (14), após a repercussão de uma notícia publicada pelo Portal 360 sobre a volta do “vale peru” em decorrência de um acordo negociado com o sindicato na convenção coletiva de 2024.
O acordo foi publicado em 13 de setembro deste ano, mas gerou repercussão por ter sido celebrado cerca de um mês antes de um documento circular internamente na empresa alertando para o risco de “insolvência” devido ao agravamento da crise e ao rombo histórico registrado este ano na estatal.
A Fentect enxergou na notícia sobre a volta do “vale peru” uma “tentativa de vincular o déficit dos Correios à recuperação dos direitos dos trabalhadores, conquistados em negociação coletiva”.
Federação diz que notícia sobre "vale peru" é "sensacionalismo"
Em nota, a Federação chamou a notícia de “sensacionalista” e disse que a sua publicação teria o objetivo de “desgastar a imagem dos Correios e reavivar o debate sobre a privatização da empresa”.
“A verdade é que os Correios foram sucateados no governo Bolsonaro, com o objetivo claro de entregá-los ‘quase de graça’ ao capital privado [...] Com a eleição do presidente Lula, e após um trabalho incansável de nossa Federação para garantir essa vitória, passamos a ter um diálogo nas negociações e conseguimos recuperar quase 100% do que foi retirado durante o governo Bolsonaro, em menos de dois anos de governo”, disse a Fentect em um trecho da nota.
“O processo de sucateamento e manipulação dos números da empresa durante o governo Bolsonaro revela a verdadeira situação em que os Correios foram deixados. E, recentemente, medidas tomadas pela Receita Federal agravaram ainda mais essa crise. Nós, trabalhadores, somos os responsáveis pela riqueza dos Correios e, acima de tudo, pela própria existência da empresa”, continua a nota.
Risco de insolvência
No dia 11 de outubro deste ano, um documento circulou internamente na empresa destacando “medidas urgentes” para evitar “insolvência” por conta do prejuízo recorde registrado em 2024.
O documento, que estava sob sigilo, foi tornado público no dia 3 de dezembro pelo Poder360.
O ofício é assinado pelo chefe do Departamento de Orçamento e Custos, Luciano Cardoso Marcolino; pelo superintendente Executivo de Finanças, Controladoria e Parcerias, Hudson Alves da Silva; e pela diretora Econômica-Financeira, Tecnologia e Segurança de Informação, Maria do Carmo Lara Perpetuo.
O ofício começa citando o prejuízo de R$ 1,81 bilhão registrado no período de janeiro a agosto de 2024 e a previsão de encerramento do ano com saldo em caixa 83% menor ao que foi reportado no início de 2024.
Estatal culpa Bolsonaro, impostos e migração dos clientes para o digital
Em nota, no início deste mês, os Correios atribuíram a frustração com as receitas em 2024 a alguns fatores, entre eles, o “sucateamento” e “prejuízo de quase R$ 1 bilhão deixado pelo governo anterior”.
Além disso, a estatal disse que “a média de investimento anual entre 2019 e 2021 ficou em R$ 345 milhões, aquém das necessidades para assegurar a sustentabilidade do negócio”.
Segundo a nota, “nos anos de 2022 a 2024, a empresa retomou os investimentos, elevando a média anual para R$ 750 milhões”.
A estatal também citou:
- a taxação de compras internacionais (‘Taxa das Blusinhas), que gerou um impacto negativo de R$ 1 bilhão na receita de 2024;
- a regulação de compras internacionais implementada no segundo semestre de 2023, que reduziu a receita em R$ 500 milhões naquele ano, com reflexos negativos também em 2024;
- a defasagem no modelo de reajuste tarifário acumulada em 74,12% na última década, uma redução de aproximadamente R$ 2,5 bilhões na receita do ano de 2024;
- a queda de volume no setor de mensagens com a migração de meios físicos para o digital, que reduziu a participação da receita dos Correios desse segmento de 54% para 21%;
- o custo da universalização de R$ 5,5 bilhões/ano, que mesmo considerando a imunidade tributária que proporciona alívio de R$ 1,8 bilhão, o déficit residual é de R$ 3,7 bilhões ao ano.
“A receita projetada para 2024 foi reduzida de R$ 22,7 bilhões para R$ 20,1 bilhões, o que representa um crescimento de 1,5% em relação a 2023. As medidas administrativas adotadas reduziram a projeção de despesa de R$ 22,5 bilhões para R$ 21,9 bilhões, representando uma redução de 1,8% (R$ 600 milhões) em relação a 2023”, diz outro trecho da nota.
Bolsonaro disse que o governo Lula tenta mudar passado para não assumir crise dos Correios
Ao comentar sobre a crise nos Correios, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que o governo Lula tenta alterar o passado para jogar a culpa dos problemas da estatal sobre o governo anterior.
“Os Correios começaram a dar lucro no governo Temer, pouco mas deu. Depois, foi lá pra cima o lucro. Agora, você pega o balanço oficial que mostra que lá atrás, no governo Dilma, tinha um passivo trabalhista. O governo Temer não reconheceu esse passivo, no nosso governo também não reconhecemos. Agora, em 2024, o governo Lula reconheceu independente do deslinde da decisão judicial e pagou, aproximadamente, R$ 1 bilhão para os advogados que defendiam os servidores dos Correios”, disse Bolsonaro em entrevista concedida ao canal Auriverde Brasil, no último dia 10 de dezembro.
Gestão atual
O atual presidente dos Correios é o advogado Fabiano Silva dos Santos, que foi indicado ao cargo pelo grupo Prerrogativas no início do governo do presidente Lula (PT).
Fabiano também é conhecido como “churrasqueiro de Lula” por sua proximidade com o petista e tem relação de amizade com o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), filho do ex-ministro José Dirceu.
Desde que tomou posse, Fabiano enfrenta pressão para apresentar soluções estruturais, mas suas decisões têm gerado o efeito contrário com impacto negativo no orçamento da empresa.
De janeiro a setembro de 2024, a estatal acumulou um prejuízo de R$ 2 bilhões, o maior já registrado para o período desde a sua fundação.