O resultado final do encontro de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) começa a ser desenhado nesta quinta-feira (19), com a reunião entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países que compõem o bloco Brics, grupo das principais economias emergentes. Sob pressão do Fundo, que até quarta-feira contabilizava assegurados US$ 320 bilhões em recursos novos para socorrer países-membros que sucumbam diante dos efeitos da crise financeira internacional, o Brics deve definir se contribuirá para o reforço de caixa do Fundo.
Os emergentes querem, em troca, que os ministros reunidos no comitê do organismo - órgão máximo de deliberação - acordem ao menos uma declaração final forte em favor de mudanças no cálculo de cotas do FMI que reflitam o maior peso dos cinco países na economia global e aumentem seu poder na instituição.
O cacife do Brics é estimado em cerca de US$ 80 bilhões. A ordem de grandeza remete ao aporte que os países fizeram (à exceção da África do Sul) em 2009, quando o FMI precisou de reforço para lidar com as consequências da crise inaugurada em setembro de 2008 com a quebra do banco americano Lehman Brothers. Naquela ocasião, a China colocou à disposição US$ 50 bilhões e Brasil, Rússia e Índia, US$ 10 bilhões cada.
O valor, porém, pode mudar, caso o Brics decida colaborar. Isso porque ele vai depender do tamanho que for acordado para o colchão que o FMI está montando. Depois que os países da Zona do Euro limitaram sua contribuição a US$ 200 bilhões, contra recomendação do organismo de que seriam necessários US$ 500 bilhões, as necessidades de reforço estão sendo recalculadas. Um grupo de trabalho vem se reunindo a semana toda para fechar um número. Autoridades como a diretora-gerente do FMI, Christine Largade, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem dito que a ordem de grandeza estaria na casa de US$ 400 bilhões.
A expectativa é que o tamanho final deste reforço - se ele será acertado já neste encontro de primavera e em qual formato - seja definido na sexta-feira, após os encontros do G-20 (grupo que congrega as 20 maiores economias do mundo) e do Comitê Monetário e Financeiro Internacional (órgão consultivo, formado pelos ministros ou presidentes dos Bancos Centrais dos 24 países, Brasil incluído, que comandam diretorias no FMI).
"Alguma coisa vai sair. Pode-se definir apenas um valor global para o reforço, pode sair uma estrutura detalhada e pode não sair nada, adiando a decisão, por exemplo, para a próxima reunião de cúpula do G-20. As discussões ainda caminham, há alguns países desenvolvidos que ainda estão hesitando e o Brics querem mais garantias para a implementação da mudança das cotas", afirmou ao GLOBO uma fonte que participa das negociações.
Os Estados Unidos eram o principal país rico a impor obstáculos ao reforço de caixa do FMI, por entender que os europeus deveriam, primeiro, construir seu próprio colchão e demonstrar comprometimento com a implementação de políticas que melhorem a condição da região. Porém, no fim de março, a Zona do Euro concordou em reforçar seus fundos de estabilização e contenção de crise, que agora contam com US$ 800 bilhões.
Apesar de se discutir se o valor e os ajustes em curso são suficientes, a iniciativa europeia atenuou o discurso americano. Na quarta-feira, o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, salientou que não se quer "as pessoas olhando para o FMI como uma maneira de substituir uma resposta europeia mais enérgica". Mas afirmou que o organismo multilateral está a caminho de reuir recursos para enfrentar novas situações adversas
"O FMI está em uma posição muito boa (...) para demonstrar ao mundo que (...) tem a capacidade de levantar capital adicional de outros países muito, muito rapidamente se precisar fazer isso", disse Geithner. Acho que isso é bom porque provará ao mundo que existe uma capacidade substancial que pode reforçar o que os europeus estão fazendo e ajudar a aliviar, se necessário, os efeitos de qualquer trauma europeu no resto do mundo.
Maior acionista do Fundo, os EUA têm na prática poder de veto na instituição. Os americanos, porém, não vão contribuir para o reforço de caixa do FMI, pois seus aportes são gastos federais, que precisam ser aprovados pelo Congresso. Em ano de eleição, esta tarefa seria politicamente desgastante e provavelmente inviável.
Outras nações avançadas já anunciaram compromisso com o aumento de disponibilidade de recursos ao FMI e este fato vem sendo usado esta semana por Lagarde para pressionar pela "inevitabilidade" do reforço de caixa. Além da Zona do Euro, com US$ 200 bilhões, o Japão assegurou US$ 60 bilhões, a Suécia, US$ 10 bilhões, a Noruega, US$ 9,3 bilhões, a Dinamarca, US$ 7 bilhões e a Polônia, US$ 7 bilhões.
Ao celebrar as manifestações, por meio de nota na noite de quarta-feira, Lagarde destacou o "apoio firme" em nome do "espírito do multilateralismo" e salientou que "garantir que o Fundo tenha recursos suficientes para conter crises e promover a estabilidade global mundial é do interesse de todos os seus membros".
"(Os últimos anúncios) elevam a US$ 320 bilhões os compromissos assumidos até agora. Eu me sinto, evidentemente, muito encorajada por esta forte demonstração de apoio ao Fundo e aguardo novos compromissos de outros sócios", disse Christine Lagarde.
Apesar dos apelos, o Brics deve tentar arrancar até o último minuto das negociações um aumento de seu poder no FMI como contrapartida à disponibilidade de mais recursos ao organismo multilateral. Os países querem que uma nova fórmula seja implementada para o cálculos de cotas na instituição, levando em consideração o tamanho das economias. São vários os parâmetros estudados, como Produto Interno Bruto (PIB) nominal, PIB em Poder de Paridade de Compra da moeda (PPP, na sigla em inglês), grau de abertura da economia e participação das nações no comércio global, para citar alguns.
"Há uma resistência muito grande ainda, obviamente de quem vai perder. É o caso da Europa, que está super-representada no FMI, e de países menores", explicou uma fonte ao GLOBO.
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