Socorro da União a estados superou a perda de arrecadação na pandemia.| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
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Quando a pandemia da Covid-19 deu as caras por aqui, ainda em março, o governo federal optou por ampliar o gasto público para promover ações de mitigação numa época em que era impossível mensurar os impactos na economia. Hoje é sabido que a União acabou gastando mais do que seria necessário. O auxílio emergencial é o maior exemplo, mas não o único. O socorro federal aos estados superou as perdas da pandemia em R$ 36 bilhões. Mas esse “caixa” será útil em 2021, quando os problemas estruturais terão de ser encarados.

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Essas são algumas conclusões do estudo “A ajuda federal aos estados em 2020”, feito por Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper. Para ele, na questão relacionada aos estados, três foram os pontos principais que resultaram nessa ajuda mais generosa:

  1. Urgência da aprovação do socorro, incerteza sobre a evolução da pandemia e perspectiva de uma perda de arrecadação maior motivaram a ajuda mais generosa;
  2. Risco de criar um seguro-receita, para compensar os estados na exata medida da perda, e incentivar mecanismos que acarretariam na perda de arrecadação e posterior judicialização para continuidade do auxílio;
  3. Sobra de caixa ajudará estados a se reorganizarem, enfrentarem 2021 e promoverem reformas estruturais necessárias para equilibrar as contas públicas sem necessidade de socorro adicional.
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Mendes analisou o auxílio federal repassado aos estados até o mês de setembro. Os principais foram os R$ 37 bilhões do socorro emergencial, transferência com base nos critérios do Fundo de Participação dos Municípios de R$ 5,9 bilhões (somará R$ 8 bilhões ao fim de 2020), a suspensão do pagamento da dívida com a União que é de R$ 12 bilhões (fechará este ano em R$ 27 bilhões) e outras transferências emergenciais, sobretudo para ações de saúde. Ainda houve a suspensão de pagamento de dívidas junto a bancos federais, sem os dados relativos à Caixa.

Esses números todos mostram que no período de janeiro a setembro de 2020, os estados tiveram menos R$ 10,5 bilhões de receitas de tributos e transferências federais na comparação com 2019. Já o montante de ajuda federal e suspensão do pagamento de dívidas somou R$ 68 bilhões.

“Se considerarmos a diferença entre todo o fluxo de receita extra enviado pela União e a perda de arrecadação dos estados, temos um saldo positivo a favor destes de R$ 41,4 bilhões. Agregando a suspensão de pagamento de dívida com a União, a folga de fluxo de caixa dos estados sobe para R$ 57,5 bilhões. Mesmo se fizermos a hipótese de que todo aumento de gastos ocorrido em 2020, na comparação com 2019, foi causado pela pandemia, o que seria um exagero, mesmo assim os estados ficam com um fluxo positivo de R$ 36,3 bilhões”, explica o pesquisador no estudo.

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2021 será ano para avançar em soluções estruturais

Apesar de o socorro da União ter excedido as perdas, Mendes não considera isso um absurdo, tendo em vista que a situação era muito incerta quando a ajuda foi definida e o país tem um histórico ruim com seguro-receita, como o ocorrido com a Lei Kandir.

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“Se você faz o seguro-receita, você vai estimular o Estado a parar de arrecadar. Outro problema é a tendência a judicializar. Quando se fala que tem que dar exatamente o que perdeu vai ter sempre um argumento para questionar, teríamos um monte de ação de um monte de estados tentando prorrogar indefinidamente esse auxílio. Ao passo que quando você define um valor fixo até o fim do ano, já sabe o quanto gastaria com aquilo”, disse, em entrevista à Gazeta do Povo.

Em relação à Lei Kandir, Mendes lembra que o impasse começou em 1996, com o fim da incidência de tributos sobre importação. “Era pra ter acabado em 2001, mas não acabou até hoje”, diz. Ele acredita que um auxílio do tipo seguro-receita na pandemia perduraria por mais cinco ou seis anos.

A questão é que, agora, constatado que se gastou mais do que o necessário, é preciso traçar um plano para seguir em frente. Na visão de Mendes, são duas as conclusões principais. Com os estados de cofres cheios, a União não precisa mais socorrê-los. De outro lado, soa o alerta de que já passou da hora de fazer as reformas estruturantes porque, sem elas, a situação fiscal se deteriorará muito rapidamente.

Para ele, a grande questão envolvendo os estados diz respeito à folha de pagamento de ativos e inativos. “Esse ano não se avançou nas soluções estruturais, e as soluções estruturais para estados e municípios passam por mais flexibilidade de legislação para eles gerenciarem suas folhas de pagamento”.

Mendes argumenta que a principal sobrecarga para esses entes é a despesa de pessoal. A principal medida a ser tomada é a reforma da Previdência. Ainda que muitos estados já tenham feito, é preciso que todos adotem novos regramentos para sanear as contas públicas estaduais. A partir do próximo ano, as mudanças no Fundeb também impactarão esses entes: com aumento geral para salário de professores, haverá ajustes também para os inativos, e isso precisará ser pago com dinheiro dos próprios estados.

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Além disso, a reforma administrativa também traria algum alívio, porque permitiria um maior manejo do funcionalismo, que possui regras muito rígidas. “Tem regra de estabilidade, correção automática de salário. A folha cresce inercialmente todo ano: tem que dar promoção por tempo de serviço, não pode reduzir jornada, tem estabilidade, paridade… Tem que mudar a legislação que impõe essa rigidez, ou a despesa continuará crescendo – e não tem socorro federal que dê jeito”, analisa.

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