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Energia do futuro

Sol, vento, hidrogênio e mais: os trunfos e desafios do Brasil na transição energética

Parque eólico da Copel em São Miguel do Gostoso (RN): Brasil tem uma série de trunfos e desafios na corrida pela transição energética. (Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo)

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O Brasil conta com uma série de trunfos para ser um dos protagonistas da transição energética, processo em que combustíveis fósseis vão sendo gradualmente substituídos por fontes de energia consideradas limpas e renováveis. Mas o país também enfrenta obstáculos para aproveitar toda a sua vocação.

Entre as principais apostas brasileiras na corrida pela energia do futuro estão alternativas já tradicionais e abundantes no país, como o sol e o vento – no caso deste último, a principal aposta para os próximos anos são os parques "offshore", em alto-mar. Mas o Brasil também tem condições de se destacar em novas fronteiras como o chamado "hidrogênio verde", que hoje é uma opção cara mas que pode ganhar escala no futuro, repetindo o que aconteceu com as fontes eólica e solar.

Têm sido frequentes os anúncios, de investidores locais ou estrangeiros, de projetos-piloto ou mesmo grandes empreendimentos voltados para a transição energética. O interesse não se limita ao potencial retorno financeiro. Mais que render dinheiro, a energia verde gerada no Brasil ajuda multinacionais a elevar suas pontuações globais nas metas de "descarbonização" dos negócios.

Petroleiras listadas em bolsa são pressionadas a mitigar suas pegadas de carbono. E empresas com menos emissão de gases nocivos ao meio ambiente conseguem melhores contratos e crédito mais barato.

Por ser um dos poucos países com capacidade de gerar para seu consumo próprio e ainda vender o excedente, o Brasil tem condições de se tornar um "hub" de exportação de energia ou produtos verdes, avalia José Mauro Ferreira Coelho, ex-presidente da Petrobras e presidente da Aurum Energia.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao mesmo tempo em que tenta dobrar o Ibama para explorar petróleo na chamada Margem Equatorial, ao norte do país, anuncia investimentos públicos e privados para fomentar o uso de energias verdes e reduzir a dependência de fósseis. Na semana que passou, por exemplo, juntou algumas iniciativas em andamento num projeto de lei batizado de "Combustível do Futuro".

Mas, segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo, a questão não é de dinheiro e nem sequer seria necessária a participação estatal. Os principais calos, apontam, estão na insegurança jurídica e na regulamentação. A despeito da inegável vocação do Brasil para produzir energia limpa, a falta de clareza nas leis e normas leva investidores a pisar no freio.

"Tudo isso requer grande investimento. E não precisa ser do Estado. O governo quer usar recursos para isso [investir em energia verde] e falta dinheiro para coisas importantes, como capacitar a população", diz Edmilson Moutinho dos Santos, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP).

"Empresas nacionais e internacionais têm capital. O que precisa é de uma regulamentação, um bom olhar socioambiental e melhorar a conexão", completa o especialista.

Nesse sentido, o governo diz que a Política Nacional de Transição Energética prevê um marco regulatório para o hidrogênio de baixo carbono e a regulamentação da energia eólica offshore. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, falará sobre o assunto a empresários estrangeiros neste domingo (17) e segunda-feira (18) em Nova York.

Conheça a seguir os principais trunfos e desafios do Brasil na corrida pela energia do futuro:

Energia eólica

Nos últimos dez anos, a capacidade instalada de energia eólica no Brasil saltou de 3,9 gigawatts (GW) para 29,2 GW, segundo dados da associação que representa o setor, a ABEEólica. A potência atual equivale a pouco mais que o dobro da capacidade instalada da hidrelétrica de Itaipu.

Conforme a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a energia dos ventos já responde por 14% de toda a potência do elétrico nacional. A maioria das usinas eólicas em funcionamento está na região Nordeste e em terra ("onshore").

A grande aposta do setor, no entanto, é nos parques em alto-mar ("offshore"). Um estudo da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) calcula que a fonte eólica offshore tem potencial de aproximadamente 700 gigawatts (GW) – 3,6 vezes a capacidade instalada de todas as fontes de energia do país hoje, de 196 GW.

Na semana passada, a Petrobras anunciou oficialmente sua entrada no ramo. Com vasta experiência na exploração de petróleo em alto-mar, a companhia protocolou no Ibama um pedido de licenciamento ambiental para parques eólicos em dez áreas marítimas na costa brasileira, com potencial de até 23 GW. Isso faz dela a empresa com maior capacidade protocolada até o momento.

A Petrobras também anunciou parceria com a fabricante de equipamentos Weg para investir R$ 130 milhões no desenvolvimento de uma turbina eólica (aerogerador) de 7 MW, o maior do país – neste caso, para uso em terra.

“Para a rede brasileira de energia, o onshore ainda tem muito potencial. O offshore em algum momento vai para a rede brasileira, mas a ideia é produzir nele o hidrogênio verde para exportação”, diz Santos, da USP (veja mais abaixo informações sobre o hidrogênio verde).

Coelho, da Aurum, lembra ainda os desafios da falta de regulação – o Congresso ainda precisa aprovar legislação sobre o assunto – e o alto investimento. “Acredito que a eólica offshore no Brasil ainda vai demorar. Não só por conta da regulação, mas porque ainda temos muito chão”, avalia.

Apesar de todo o potencial da energia dos ventos, uma questão "natural" manterá o Brasil dependente de outras fontes no futuro, em especial a hidrelétrica: a fonte eólica é intermitente, com a produção de energia variando bastante ao longo do dia conforme a velocidade dos ventos.

Dessa forma, o país precisa de fontes de geração mais constante – como a hidrelétrica e eventualmente a térmica – para garantir a segurança do abastecimento sem interrupções.

Energia solar

Incentivos tarifários e o barateamento das placas solares popularizaram a energia do sol nos últimos anos, na forma de grandes instalações mas também por meio da geração distribuída em residências, empresas, chácaras e condomínios.

Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), desde 2012 o país já investiu R$ 163 bilhões em energia solar. A fonte fotovoltaica, que na primeira década deste século tinha participação quase irrelevante na matriz elétrica nacional, já soma 10,4 GW, ou mais de 5% da potência instalada no país – e avança rápido.

A Absolar segue a projeção da Bloomberg New Energy Finance de que a energia solar será a principal fonte da matriz elétrica brasileira até 2050. Hoje o protagonismo é das usinas hidrelétricas, que somam 110 GW e respondem por 56% da capacidade instalada do país.

Entre os obstáculos para a expansão da energia solar estão dificuldades na exportação de energia do Nordeste para o Sudeste, com problemas na transmissão e manutenção das redes, destaca Coelho.

Assim como ocorre com a energia eólica, a solar é uma fonte de energia intermitente. Ou seja, não assegura geração contínua e estável de energia, ao contrário do que ocorre com as fontes hídrica e térmica, por exemplo.

Hidrogênio verde

Para ser chamado de "verde" ou de baixo carbono, o hidrogênio precisa ser obtido por meio da eletrólise da água, com eletricidade gerada a partir de fontes renováveis (como eólica e solar), em oposição à versão "cinza" ou "azul" (produzidas a partir de combustíveis fósseis).

Somado ao fato de suas principais matérias-primas virem do vento e do sol, abundantes no Brasil, o hidrogênio tem as vantagens de poder ser estocado, e exportado e usado em várias indústrias.

Por isso, o hidrogênio verde é considerado uma aposta estratégica na transição energética. Por outro lado, o custo para produzi-lo ainda é alto.

O mercado, no entanto, se movimenta para apressar o processo. A União Europeia anunciou neste ano um investimento de R$ 10 bilhões em hidrogênio verde no Brasil.

Os principais projetos envolvendo o novo combustível no Brasil estão no Nordeste, devido ao grande potencial eólico e solar e também à proximidade de Europa e Estados Unidos, que facilita a exportação.

A primeira usina de hidrogênio verde do país está sendo construída no polo industrial de Camaçari (BA), pela fabricante de fertilizantes Unigel, com investimento inicial de US$ 120 milhões.

Biomassa

Biomassa é matéria orgânica de origem vegetal ou animal que pode ser usada como fonte de energia renovável. Pode ser usada para gerar calor, eletricidade ou combustíveis e produz menos gases de efeito estufa que os combustíveis fósseis tradicionais.

Entre os exemplos de biomassa estão resíduos de culturas agrícolas, de florestas, de animais, de processos industriais como a produção de alimentos e mesmo resíduos sólidos urbanos.

Entre as fontes renováveis que a empresa Engie Brasil vem desenvolvendo, por exemplo, estão soluções como pedaços de madeira para substituir o gás natural em caldeiras, bagaço de cana-de-açúcar e dejetos animais para gerar biogás.

O lixo urbano é uma fonte de biomassa com potencial de escala. Porém, o professor Edmilson Moutinho dos Santos, da USP, observa que a coleta de lixo ainda é muito dispersa, o que dificulta a logística. “Lixo tem no Brasil. O que não tem é lixo concentrado e fácil de pegar. A energia depende da facilidade de pegar a energia”, diz.

Biocombustíveis

Os biocombustíveis são obtidos da biomassa renovável (ou seja, de matéria orgânica vegetal ou animal) e podem ser usados "puros" ou misturados a combustíveis derivados do petróleo e gás.

Os mais usados no Brasil são o etanol – principalmente de cana-de açúcar mas também do milho, em franca expansão – e o biodiesel, produzido a partir de óleos vegetais ou de gorduras animais e adicionado ao diesel de petróleo em proporções variáveis. No Brasil, a mistura de biodiesel ao combustível fóssil é de 12%.

Com fases de altos e baixos, o Brasil aposta no etanol desde os anos 1970, quando, em reação ao choque do petróleo, o governo criou o Proálcool. Outro impulso veio dos carros flex, que hoje são 85% da frota brasileira. Além disso, existe uma mistura obrigatória de álcool anidro à gasolina.

Na Cúpula do G20, no início de setembro, Brasil, Índia e Estados Unidos firmaram aliança para estimular produção e uso de biocombustíveis, em especial o álcool.

Dias depois, o governo federal anunciou, entre as iniciativas do Programa Combustível do Futuro, um aumento na mistura de etanol anidro à gasolina. As misturas máxima permitida passaria dos atuais 27,5% para 30%, a depender de viabilidade técnica.

A indústria sucroalcooleira defende que o etanol tem de ser a principal aposta do país, em termos de combustíveis veiculares, na transição energética. Ao contrário do que ocorre com a eletricidade para carros, o país já conta com ampla rede de distribuição de etanol e, segundo o setor, o desempenho do combustivel em termos de descarbonização é muito parecido.

Um estudo da montadora Stellantis, dona de marcas como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën, constatou que, considerando todo o ciclo de produção, veículos movidos pelo etanol no Brasil emitem menos gases que veículos elétricos europeus.

Diesel verde

O recém-lançado Programa Combustível do Futuro também trouxe novidades para o diesel verde. A ideia do governo é criar uma adição mínima obrigatória de diesel verde no derivado de petróleo, como ocorre com o etanol na gasolina.

Produzido a partir de matérias-primas renováveis e com baixa emissão de carbono, como óleos vegetais e gorduras de origem animal, o diesel verde é considerado melhor para os motores diesel tradicionais do que o biodiesel.

Isso porque, embora os insumos possam ser os mesmos, o processo de produção e a composição química dos dois combustíveis são diferentes. Enquanto há um limite para a mistura de biodiesel, em tese o diesel verde pode ser adicionado ao diesel fóssil em qualquer proporção, ou mesmo substituí-lo na íntegra.

Metais da transição energética

O Brasil também está relativamente bem situado na corrida pelos veículos elétricos – mais especificamente, na produção de insumos para as baterias.

Níquel, lítio e cobre são metais muito usados na fabricação de baterias elétricas e com potencial geológico a ser explorado no Brasil. O lítio, por exemplo, já é extraído no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e há iniciativas para aumentar a produção.

Em maio, o governo mineiro lançou em Nova York o projeto Vale do Lítio, para atrair empresas estrangeiras ao estado. A Agência de Promoção de Investimentos de Minas Gerais (Invest Minas) fala em R$ 5 bilhões em investimentos, com expectativa de que o número suba para pelo menos R$ 20 bilhões até 2030.

No fim de julho, foi anunciado o embarque da primeira carga de "lítio verde" do mundo, extraído no Vale do Jequitinhonha e com padrão "triplo zero" – ou seja, sem carbono, rejeitos e químicos nocivos.

Números da consultoria S&P Global indicam que a demanda pelo lítio deve atingir 2 milhões de toneladas até 2030. Até 2040, a demanda deve crescer mais de 40 vezes.

Santos, da USP, observa que o Brasil ocupa o oitavo lugar no ranking das maiores reservas de lítio, mas vê mais potencial para a exploração dessas reservas para fins locais do que como projeto exportador. Ele tem dúvidas sobre a capacidade do país de competir mesmo na América do Sul. "Será que produzir lítio aqui sairá mais barato do que importar dos vizinhos Chile e Argentina?”, questiona.

Energia nuclear

O Brasil tem duas usinas nucleares em funcionamento, ambas no litoral do Rio de Janeiro: Angra 1 e Angra 2. Juntas, elas têm potencial de geração de 2 GW, cerca de 1% do parque elétrico nacional. Uma terceira usina, de Angra 3, está com a construção paralisada. O país tem reservas significativas de urânio, em especial em Caetité (BA), e consegue produzir seu combustível nnuclear – no caso, urânio enriquecido.

A energia nuclear é considerada, por parte do estudiosos, como uma das principais opções na transição energética para o baixo carbono. Emite poucos gases de efeito estufa, permite a produção de grande quantidade de energia em um único local e os reatores podem funcionar de forma contínua, assegurando fornecimento estável de eleticidade.

Porém, a energia nuclear também desperta medos e controvérsias. Para além do risco de acidente nuclear, o descarte e armazenamento dos resíduos radioativos não são operações simples. Erros de manejo podem resultar em grave contaminação do ambiente ao redor, com riscos para a população.

Embora o custo de operação das usinas não seja tão elevado em comparação a outras fontes, as demais despesas são muito altas – da construção dos reatores ao atendimento de requisitos de segurança e à gestão dos resíduos.

O tema, por isso, divide opiniões de especialistas. O professor da USP Edmilson Moutinho dos Santos, por exemplo, não vê necessidade de o país ampliar a produção nuclear nas próximas décadas. "Para 2050 não posso dizer que não precise. O caminho é apostar em projetos de escala menor", diz.

Energia hidrelétrica

Mais da metade da energia elétrica gerada no país vem das usinas hidrelétricas. Trata-se de uma fonte considerada limpa e renovável, mas que tem obstáculos para sua expansão. Grande parte dos locais com potencial já foram aproveitados, e questões de ordem socioambiental – do alagamento de grandes áreas aos impactos sobre a população local – são impeditivos para grandes projetos.

Para Santos, da USP, o modelo binacional está esgotado, assim como os aproveitamentos nas regiões Sul e Sudeste. Além disso, a construção de novas hidrelétricas não é muito viável em regiões distantes onde ainda há potencial.

“Isso envolve dificuldade política, expansão de rede num ambiente de linhas de transmissão irregulares e conexão com países instáveis”, diz o especialista.

Uma opção que tem sido aventada, aponta, é "hibridizar" as usinas hidrelétricas que já existem. "A ideia é jogar placas fotovoltaicas e gerar energia com sol também", diz.

A Engie Brasil, que trabalha com geração, comercialização e transmissão de energia elétrica, ainda vê espaço para avançar na área hidrelétrica. Para a empresa, ainda há potencial de fazer mais. Os desafios na expansão são os licenciamentos e avaliar o melhor custo-benefício de desenvolvimento econômico, social, da localização das usinas.

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