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Redução de impostos

Solução à vista, problemas a prazo: como pacote do combustível afeta as contas públicas

Rodrigo Pacheco, Jair Bolsonaro, Arthur Lira, Ciro Nogueira e Paulo Guedes durante anúncio do pacote de medidas para baixar preços de combustíveis. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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A proposta do governo federal de zerar impostos e bancar a isenção de tributos estaduais sobre combustíveis até o fim do ano pode ser um trunfo para o presidente Jair Bolsonaro (PL), em um cenário de alta de preços, a poucos meses da eleição. O pacote de medidas, entretanto, tem o potencial de gerar impacto de longo prazo nas contas públicas, afetando até mesmo o crescimento da economia do país nos próximos anos.

A ideia do governo, que conta com apoio dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é aprovar o projeto de lei complementar (PLP) 18/2021, que estabelece um teto de 17% para o ICMS sobre combustíveis, e prevê, em substitutivo do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), a redução a zero das alíquotas de PIS, Cofins e Cide-Combustíveis sobre gasolina e etanol. O projeto pode ser votado pelo Senado nesta segunda-feira (13).

Além disso, o Planalto se dispõe a compensar estados que aceitarem zerar também as alíquotas de ICMS sobre diesel, gás natural e GLP, além de reduzir a 12% o imposto para etanol hidratado.

Caso todas as medidas sejam efetivadas, há um potencial de redução de até 24% no valor da gasolina, de 19% no diesel e de 17% no etanol, dependendo do estado. Mas, para além do custo fiscal para União, estados e municípios, há uma série de problemas por trás dos benefícios apresentados.

A primeira é que a isenção dos tributos federais sobre gasolina e o subsídio a estados que zerarem ICMS de diesel e gás de cozinha valem apenas até o final de 2022. No caso do etanol, após arranjos no Congresso, a proposta atual é que o benefício se estenda até junho de 2027.

Parte das medidas vale só até o fim do ano

Caso as medidas sejam encerradas, no início de 2023 os preços dos combustíveis tendem a voltar aos patamares atuais. “É uma coisa completamente eleitoreira”, diz o economista Rodrigo Leite, professor de Finanças e Controle Gerencial do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-consultor do Banco Mundial.

“Extremamente de curto prazo e que não ataca o problema do combustível, que é estrutural”, avalia Leite. “Existe alguma tendência de que no ano que vem nós teremos uma redução significativa do petróleo, com uma valorização do real ou o fim da guerra na Ucrânia? Não. Então por que só este ano?”, questiona.

O economista classifica a medida com uma “Lei Kandir 2.0”, em referência ao texto de 1996 que previa compensação a estados para a isenção do ICMS sobre produtos e serviços destinados à exportação. A ideia original era que o ressarcimento fosse temporário, e que, com o tempo, o aumento da arrecadação com o crescimento econômico eliminasse a necessidade dos repasses federais. Até hoje, no entanto, a União deve recursos como forma de compensação a estados e municípios, que devem ser pagos até 2037.

Ainda que a duração dos benefícios seja de apenas seis meses, o impacto será elevado. De acordo com parecer de Bezerra Coelho, a isenção da gasolina em seis meses representará renúncia de R$ 17 bilhões à União. No caso do etanol, o custo será de R$ 3,34 bilhões para este ano. Já a compensação para estados que aceitarem zerar o ICMS teria um impacto de R$ 29,6 bilhões para o Tesouro, conforme proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ).

Desonerações devem reduzir superávit do setor público

Analistas da XP Investimentos calculam que a aprovação do PLP 18 no Senado pode reduzir o superávit do setor público neste ano, de uma estimativa anterior de R$ 85,2 bilhões, para R$ 34,8 bilhões. Considerando as propostas de zerar PIS, Cofins e Cide-combustíveis, além da compensação do ICMS, o indicador cairia para R$ 11,4 bilhões.

A dívida pública, que a corretora esperava cair para 78,3% do PIB ao fim deste ano, ficaria em 79,2% com a aprovação do pacote, saltando para 84,1% em 2023.

“O dinheiro vai sair do imposto da população de qualquer jeito. Não vai sair no combustível, mas no aumento do déficit público, que é uma das causas do aumento inflacionário. Não é grátis, no sentido de que vai ser cortado e ninguém vai pagar. No fim, quando o governo federal paga, todos nós pagamos. A pessoa acha que está pagando menos, quando na verdade está pagando com mais endividamento do país”, diz Leite.

O corte terá de ser feito por meio de PEC para driblar o teto de gastos, principal âncora fiscal do país, uma vez que não há mais espaço no orçamento deste ano. Na coletiva de anúncio do pacote, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, para bancar o programa, podem ser utilizados recursos da privatização da Eletrobras, que levantou R$ 29,29 bilhões, segundo comunicado divulgado pela companhia nesta sexta-feira (10).

O uso desse capital também é criticado pela oposição e pelo mercado. “Recursos extraordinários devem ser usados em aplicações que não necessitem de reinvestimento, que são basicamente investimentos em infraestrutura, ou seja, despesa de capital, e não de custeio. E isso [subsídio] é despesa de custeio, algo que necessita você ficar refazendo”, diz Leite.

Impacto na inflação é temporário

Em relação ao objetivo principal do governo, que é reduzir a inflação neste ano, a XP estima que a aprovação do PLP 18 pode baixar o IPCA em até 1,7 ponto porcentual se a queda do ICMS for repassada integralmente para o consumidor final. Com a aprovação do pacote completo do governo, haveria uma redução adicional de 0,71 ponto, o que poderia derrubar o indicador em 2,41 pontos.

“Exceto pelo PLP nº 18/2022, as medidas fiscais têm caráter temporário. Assim, os preços tenderiam a voltar para os patamares anteriores à queda dos tributos, gerando efeito de mesma magnitude, mas com sinal oposto, na inflação. Porém, a menor inércia inflacionária para próximo ano, devido à queda do IPCA em 2022, deveria mitigar esse efeito altista em 2023”, explicam os analistas da XP em relatório.

Não há, porém, garantias de que os benefícios fiscais sejam repassados totalmente para a bomba do posto. “Caso tenha algum reajuste para baixo [no preço] da gasolina, os postos poderiam aproveitar e recompor um pedaço dessa margem que foi perdida nos últimos meses, muito pelo fato de a gasolina já estar cara. A dúvida é se esse repasse vai ser 100% na conta do consumidor ou se ele tende a se perder ao longo da cadeia”, destacou economista-chefe da EQI Investimentos, Stephan Kautz.

A opinião é a mesma de Leite, da UFRJ. “Em uma redução brusca do preço, o consumidor não recebe o benefício integral, porque cada elo da cadeia vai pegar um pouco mais de lucro e repassar menos”, explica.

Ao fim do prazo de vigência das desonerações, a retomada dos preços ainda impactaria de forma brusca o consumidor final. “Quando há um aumento, cada elo também aumenta um pouco [a margem] para ter mais gordura, e o aumento acaba sendo ainda maior”, diz. “O que se deveria fazer? Movimentos mais leves; suavizar as curvas. Qualquer intervenção brusca do Estado na economia gera muitos problemas. O Brasil já sofreu muito com isso nos anos 1980, com o governo criando uma série de planos econômicos”, diz o economista.

Estados e municípios dizem que corte na arrecadação afetará serviços públicos

Outro problema recai sobre estados e municípios, que criticam o pacote porque alegam que teriam perdas bilionárias de arrecadação, o que afetaria diretamente a prestação de serviços públicos. Hoje, o ICMS é a principal fonte de arrecadação de estados, e combustíveis são os produtos que mais geram receita entre aqueles em que incide o imposto. E, pela Constituição, 25% do que é arrecadado com o tributo é repassado a municípios.

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) calcula que as medidas retirariam R$ 115 bilhões anuais dos caixas de governos estaduais e prefeituras. No montante está incluída a perda com a imposição do teto na alíquota do ICMS em 17% para combustíveis, energia elétrica, transporte público e telecomunicações.

“O valor de R$ 25 bilhões a R$ 50 bilhões sugerido pelo Ministério da Economia não compensa nem metade das perdas que Estados e Municípios sofrerão e terá caráter provisório, relacionado à desoneração do óleo diesel”, diz o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, em nota.

O Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) afirma que o corte na arrecadação trará consequências diretas para educação e saúde, que, por determinação constitucional, recebem fatias mínimas das receitas tributárias estaduais e municipais.

A ONG Todos pela Educação calculou que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) pode perder R$ 19,2 bilhões em 2022 com a aprovação do PLP 18, uma vez que o fundo recebe automaticamente 20% do ICMS arrecadado nos estados.

Governo alega que entes tiveram crescimento recorde de arrecadação

O governo federal argumenta, por sua vez, que houve crescimento recorde de arrecadação dos entes federativos em 2021, o que daria gordura para os estados queimarem sem prejuízo aos cofres.

De acordo com dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), em 2021, a arrecadação líquida do ICMS com combustíveis e lubrificantes foi de R$ 112,5 bilhões, o que representa um salto de 40% em relação a 2020, quando foram contabilizados R$ 80,4 bilhões.

Nos primeiros quatro meses de 2022, a arrecadação de ICMS subiu 12,2% em relação ao mesmo período de 2021. Somente sobre combustíveis e lubrificantes, o crescimento foi de 36,5%.

“O impacto decorrente do projeto sob análise em 2022, mesmo quando considerada a estimativa do Comsefaz (R$ 41,30 bilhões), será inferior ao crescimento da arrecadação de ICMS projetado (R$ 66,52 bilhões). Ademais, a arrecadação dos outros tributos estaduais e dos tributos municipais deve ter acréscimo também significativo”, justifica Bezerra Coelho em seu parecer ao PLP 18.

Redução nos preços pode não chega a cobrir defasagem em alguns estados

Finalmente, há o risco de o efeito do pacote não chegar sequer a ser sentido no bolso pelo consumidor. Em alguns estados, a perspectiva de redução nos preços da gasolina e do diesel não cobre sequer a defasagem dos preços em relação à paridade internacional.

Segundo relatório divulgado na sexta-feira (10) pela Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), o valor médio da gasolina comercializada no país estava 19% abaixo da referência que leva em conta a cotação internacional do petróleo e os custos de importação. No caso do diesel S10, a defasagem média era de 18%.

Conforme mostrou levantamento da Gazeta do Povo, a queda no preço da gasolina deve variar entre 15% e 24%, dependendo da unidade federativa e considerando o repasse integral das isenções ao consumidor. O diesel cairia entre 9% e 19%. Ou seja, caso as refinarias decidam atualizar os preços de modo a alinhá-los aos praticados pelos importadores, todo o benefício prometido pelo governo pode ser perdido.

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