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PEC dos precatórios

Solução do governo para Auxílio Brasil tumultua economia e cria “bola de neve” de dívidas

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes: para ampliar Auxílio Brasil, PEC dos precatórios cria "bola de neve" de dívidas e tumultua a economia. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Ao adiar o pagamento de parte dos R$ 89 bilhões em precatórios (dívidas reconhecidas pela Justiça) que a União tem de pagar em 2022, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 23 – que pode ser votada na Câmara dos Deputados nesta semana – alivia o Orçamento do ano que vem e abre espaço fiscal para a ampliação do Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil.

O problema é que, ao tentar mudar a Constituição para cobrir uma dificuldade temporária do Orçamento, a PEC pode gerar danos quase irreparáveis sobre as contas públicas. Com dívidas sendo pagas sempre de forma parcial, mais ou menos como o rotativo do cartão de crédito, o "saldo devedor" dos precatórios tende a crescer como uma bola de neve e pode passar de meio trilhão de reais ao fim desta década, chegando perto de R$ 1,5 trilhão em 2036.

O risco representado pela PEC aumentou nesta semana. Com a pressão do presidente Jair Bolsonaro por um Auxílio Brasil com benefício médio de R$ 400 – e não de R$ 300, como vinha sendo desenhado –, o governo agora estuda inserir nessa mesma proposta mecanismos para permitir o pagamento de parte do benefício assistencial fora do teto de gastos pelo menos até o fim de 2022.

A ideia é deixar fora do teto uma parcela temporária do Auxílio Brasil, que duraria só até dezembro do ano que vem. Seria encerrada pouco depois das eleições presidenciais, portanto. Essa parcela, de R$ 100 por mês, custaria até R$ 30 bilhões, segundo estimativas que vieram a público.

Essa despesa fora do teto seria bancada por crédito extraordinário, ou seja, emissão de títulos da dívida pública. Foi assim que o governo pagou o auxílio emergencial em 2020 e 2021. Nessas oportunidades, porém, o Executivo argumentou que se tratava de uma despesa emergencial e imprevisível, decorrente da pandemia de coronavírus. Justificativa que, agora, não faria tanto sentido.

A ideia de incluir essa autorização na PEC dos precatórios é uma questão de oportunidade. Como o teto de gastos – que impede o crescimento das despesas públicas acima da inflação – é uma regra inscrita na Constituição, é necessário emendar a Carta Magna para abrir exceções a ele.

Uma vez que a PEC dos precatórios pode ser votada a qualquer momento, a inclusão da "solução" para o programa social dentro dela ajuda a resolver uma questão que o governo vê como urgente. A votação da PEC na comissão especial, que estava prevista para terça-feira (19), foi adiada justamente pelas negociações em torno do Auxílio Brasil de R$ 400.

Com esses adendos de última hora, a PEC dos precatórios tende a inserir na Constituição ainda mais "gambiarras" para resolver problemas de curto prazo.

O parcelamento ou adiamento de parte dos precatórios já era visto, por muitos analistas, como um drible no teto de gastos, principal regra fiscal do país. Com a PEC ganhando artigos para engordar o Auxílio Brasil fora do teto, a burla fica mais evidente.

O mercado reagiu mal: nesta terça, o dólar comercial fechou o dia em alta de 1,3%, perto de R$ 5,60, e a Bolsa de Valores despencou 3,3%.

Como as alas políticas do governo não chegaram a um acordo para viabilizar o Auxílio Brasil fora do teto, o anúncio do benefício de R$ 400, esperado para terça, foi adiado. Mas relatos de bastidores indicam que o governo deve insistir em uma solução que envolva a PEC dos precatórios.

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Com PEC, estoque de precatórios pode passar de meio trilhão de reais

De acordo com cálculos da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, a PEC tem potencial de gerar um estoque de até R$ 502 bilhões em precatórios até 2029, podendo chegar a R$ 1,45 trilhão até 2036.

Mesmo na melhor das hipóteses consideradas pelo estudo, o estoque chegará a R$ 327 bilhões em 2029 e a R$ 672 bilhões em 2036.

Essa análise considerava especificamente a proposta de solução para os precatórios que vinha sendo costurada entre Executivo e Judiciário, que acabou abandonada após declarações de Bolsonaro contra o STF em 7 de setembro.

Ainda assim, o impacto calculado pelos técnicos da Câmara ainda serve como referencial, pois, em termos de impacto financeiro, a proposta negociada entre Executivo e Judiciário é muito semelhante à que está em discussão no Congresso. Ela buscava limitar o pagamento dos precatórios em 2022 a cerca de R$ 38 bilhões, ao passo que a PEC 23 estabelece um teto de R$ 39 bilhões para o pagamento dessas dívidas no ano que vem.

“Os cenários apontam para situações preocupantes. Em primeiro lugar, na melhor das hipóteses, seriam necessários pelo menos quatro anos para pagar os precatórios postergados de 2022. Dessa forma, não haveria pagamentos de novos precatórios até 2025, quando começariam a ser pagos os precatórios que deveriam ter sido honrados em 2023”, diz a análise.

Perda de credibilidade afeta Bolsa, dólar, juros e crescimento do PIB

Especialistas avaliam que o parcelamento dos precatórios pode levar à perda de credibilidade da União diante dos credores e do mercado financeiro. Os desdobramentos prováveis envolvem uma piora na percepção de risco do país, levando a quedas na Bolsa e aumentos no dólar, na taxa de juros e na dívida pública. Tudo isso somado, as condições para o crescimento econômico ficam deterioradas.

O comportamento do mercado financeiro nesta terça, quando as novas "soluções" para o Auxílio Brasil vieram a público, foi uma pequena amostra do que pode vir mais adiante.

Especialistas também chamam atenção para a necessidade de um debate mais aprofundado, que não seja “às pressas”. Mas o governo e aliados no Congresso não parecem estar dispostos a isso. Tanto que a pauta passou à frente de outras matérias de igual ou maior importância para o país, como as reformas administrativa e tributária.

Nesta semana, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que falta empenho do governo para aprovar a reforma administrativa, que travou na Câmara. E o relator da reforma do Imposto de Renda no Senado, Angelo Coronel (PSD-BA), disse não ter pressa para apresentar seu relatório, e ainda prometeu excluir do texto a tributação de dividendos. O governo, aliás, pretendia usar justamente essa taxação como fonte de custeio da ampliação do Auxílio Brasil.

“[A PEC dos precatórios] é só um remendo de um problema conjuntural", diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset. "O problema estrutural da economia é reforma administrativa e reforma tributária. Só isso resolve esses dois pontos. A PEC é um instrumento de curto prazo para resolver problema que está acontecendo agora, e que vem da falta de comunicação entre os Poderes. Não vai se tornar clausula pétrea ou coisa parecida”, afirma.

O principal objetivo do governo com a PEC é liberar espaço no Orçamento para viabilizar um maior aporte para o programa Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, em 2022, ano de eleição. O movimento é visto como medida populista e eleitoreira.

"Orçamento é troca, e não truque. Quero dizer que o novo programa social deve ser financiando a partir de economias fiscais em áreas onde se verifica desperdício ou ineficiência no resultado do gasto público. Se politicamente não for possível cortar despesa no curto prazo, é melhor mostrar o estado real das contas públicas e criar um programa temporário para se ganhar tempo nas discussões sobre compensações fiscais e economias fiscais", opina Leonardo Ribeiro, especialista em contas públicas e analista do Senado.

"A PEC dos precatórios esconde gastos e representa uma espécie de fuga do debate que precisa acontecer, especialmente no tocante a gastos obrigatórios, como previdenciários e de pessoal", diz.

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Um "esqueleto ficará escondido no armário", diz especialista

Ribeiro afirma que “um esqueleto ficará escondido no armário das contas públicas até a situação se tornar insustentável”.

“Eu entendo que a PEC dos precatórios é prejudicial para o cenário econômico do país. Abre-se um espaço fiscal no teto de gastos de R$ 50 bilhões [em 2022], gerando passivos ocultos que não vão aparecer nas estatísticas fiscais. O governo irá apresentar um resultado fiscal mais positivo do que o real no curto prazo, mas no médio prazo a dívida terá que ser paga”, afirma. “Aqui vejo o estelionato fiscal de 2014 se repetindo nas próximas eleições”, diz.

Quanto ao impacto no mercado financeiro, o especialista explica a dinâmica esperada: “Recentemente a economista-chefe da OCDE [Laurence Boone] deu uma declaração muito interessante. A sustentabilidade fiscal de um país está associada à credibilidade das instituições e o quanto o Estado consegue entregar o que promete. Nesse ponto de vista, a PEC dos precatórios significa uma espécie de calote de dívidas do Estado com precatoristas, comprometendo justamente a credibilidade das instituições a que se refere a graduada representante da OCDE".

"Nesse caminho que estamos para trilhar, os investidores logo precificarão os riscos fiscais e cobrarão prêmios na forma de taxa de juros mais elevadas, afetando a potência do crescimento econômico e o equilíbrio das contas públicas”, afirma Ribeiro.

PEC não resolve problemas estruturais dos gastos públicos

Enquanto o governo busca mudar a Constituição para resolver problemas pontuais, um dos principais problemas deixados de lado é a fraqueza institucional na área de revisão de gastos, incluindo subsídios e renúncias fiscais, segundo Ribeiro.

“Temos uma dificuldade enorme de revisar despesas ineficientes. Esse é o principal problema estrutural da gestão fiscal no Brasil. Vejo como fundamental a institucionalização de um processo sistemático de revisão de gastos, envolvendo o Congresso e o Poder Executivo em um modelo de gestão conhecido lá fora, em países avançados, como 'spending review'. Trocando em miúdos, as despesas do Orçamento seriam revisadas periodicamente”, afirma.

Para Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, a reforma tributária deveria ser discutida antes, "para evitar que haja novas judicializações e que, de alguma maneira, novamente o governo seja obrigado a ter que fazer esse tipo de coisa”.

Na contramão do que dizem os especialistas, o relator da PEC dos precatórios na comissão especial da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), argumenta que a proposta provoca mudanças positivas no longo prazo.

“O trabalho dessa comissão [que discute a PEC na Câmara] não é resolver um problema do atual governo e sim um problema do país pelos próximos anos. Então, temos que deixar a questão política daquela porta para fora. Que a gente mantenha a credibilidade e a segurança jurídica e proteja principalmente o pequeno que não pode deixar de receber. E que a gente crie saídas para que problemas urgentes, como os programas sociais que estão corroídos pela inflação, possam ser resolvidos dentro desse espaço fiscal”, afirmou ele em audiência.

PEC é mais um problema dentro de um quadro maior, diz economista

Para Vieira, da Infinity Asset, é preciso mudar o foco do debate. Para além da necessidade de reforma tributária e administrativa, ele chama a atenção para pontos como a dissonância entre os poderes Judiciário e Executivo, o que, em sua opinião, contribuiu para o dilema dos precatórios.

“O problema do Brasil é maior do que a questão do governo. O governo em si não consegue avançar com as reformas e, ao não conseguir, isso acaba sendo um problema mais grave. A PEC é só mais um problema. Ou seja, não é só ela que vai levar a ter isso tudo [aumento do estoque da dívida e da taxa de juros, entre outros impactos]”, diz o especialista.

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