Imagine experimentar os efeitos de diferentes drogas, tanto lícitas, quanto ilícitas, sem fumar, cheirar, injetar ou ingerir qualquer substância química. Pois é isso o que o programa I-Doser (idoser.com) oferece. Apresentado como uma alternativa saudável e legal (no sentido jurídico), o software garante que é possível alterar o estado da mente apenas com uma série de sons para simular o consumo de entorpecentes como maconha, cocaína, heroína, ecstasy, ópio, Diazepam, peiote e outros relaxantes ou estimulantes, além de variações sintetizadas pelo próprio fabricante.
A tecnologia empregada parece desconhecida no Brasil, mas está dando o que falar nos Estados Unidos, onde há diversas citações em fóruns e sites. Chamada de brainwave binaural beat entrainment (sincronização de ondas cerebrais por som binaural), o engenho se aproveita de um fenômeno natural, que ocorre quando dois sons de freqüências similares se misturam e criam um terceiro som com uma freqüência intermediária. Essa particularidade da acústica foi descoberta pelo estudioso alemão Heinrich Wilhelm Dove, em 1839. Ele observou que um tom de 400 Hz e um de 410 Hz formam um tom subsônico de 405 Hz. Esta diferença de 5Hz seria capaz de alterar a consciência humana para um determinado estado.
Para experimentar as "drogas virtuais", o usuário precisa baixar o programa e comprar uma "dose", um arquivo que vem com os sons sincronizantes e que não pode mais ser aberto depois de escutado. É possível encontrar mais doses grátis na internet, em sites de download. A simulação dura o período do aúdio, que vai de 5 minutos a meia hora. A recomendação é usar um bom fone de ouvido e ficar de olhos fechados, em um ambiente com pouca luz.
O caderno Informática experimentou uma dose virtual de Sleeping Angel (Anjo Dormindo), equivalente ao relaxante, ansiolítico e sedativo Diazepam (Valium), mas o efeito anunciado não foi alcançado. Talvez tenha faltado concentração para entrar em uma espécie de transe ao ouvir aquele monte de chiado e eco, por 25 minutos. Na internet, no entanto, há vários relatos de gente que conseguiu sentir os efeitos.
De acordo com John Ashton, inventor do I-Doser, o programa é "uma alternativa segura ao uso de drogas". "Não temos sido criticados, na verdade, recebemos elogios por oferecer uma alternativa ao uso recreativo de drogas. Além disso, recebemos vários e-mails de viciados que usaram o I-Doser como um método adicional para ajudá-los a se recuperar", diz, por e-mail. A coordenadora estadual antidrogas do Paraná, Sonia Felde Maia, no entanto, critica o objetivo do software. "Do ponto de vista da prevenção não o consideramos adequado, porque ele induz à experimentação. Depois a pessoa vai querer usar uma dose de verdade."
Ashton não revela números da procura pelo programa, mas informa que existem milhares de clientes registrados no site e que a venda de doses virtuais está na casa das dezenas de milhares. O I-Doser é dos Estados Unidos e foi ao ar em maio de 2005, após passar por dois anos de desenvolvimento. "Depois que o conceito foi provado, nós começamos a produção." Este não é o único produto disponível da tecnologia que promete simular os efeitos de drogas. O site Binaural-Beats.com vende CD's com os mesmos barulhos do I-Doser, principalmente para sessões de relaxamento e meditação, mas também com opção de "drogas digitais".
Que a internet está cheia de besteiras e enganações, todos nós sabemos, mas estas iniciativas pelo menos abrem uma discussão para a possibilidade de criação de drogas virtuais no futuro, assim que a ciência conseguir estimular o cérebro da maneira necessária.