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Startup que não olha mercado global não tem vez; é preciso vencer o complexo de vira-lata

André Boaventura, sócio e diretor de marketing do Ebanx, no centro de Curitiba, o coração da empresa que nasceu global em 2012. | Franzen
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André Boaventura, sócio e diretor de marketing do Ebanx, no centro de Curitiba, o coração da empresa que nasceu global em 2012. (Foto: Franzen Divulgação)

O universo das startups brasileiras há tempos traz uma discussão em torno do tema internacionalização. Ao mirar como exemplo os cases das cinco maiores startups brasileiras – Nubank, 99, Stone, Movile e PagSeguro –, que somam um valuation de R$ 90 bilhões, observa-se que, em todos eles, as empresas ou operam fora do Brasil ou internacionalizaram o portfólio de investidores com captações muito expressivas no exterior. E o mesmo caminho foi trilhado por tantas outras, como Ebanx, Pipefy, EADBox, iFood, Magnamed e Hotmart, com expressivos resultados. 

Em comum, elas tiveram fundadores e/ou CEOs que consideraram fundamental a internacionalização. Uma das razões para isso, segundo o consultor estratégico para empresas e startups Rodrigo de Alvarenga, CEO e fundador da HAG Group, é a necessidade de se ter um modelo mental empresarial capaz de gerar riqueza, ou seja, valor. 

“Não temos histórico de criar negócios internacionais de um modo geral e isso não é diferente no setor das startups, contudo é exatamente esse setor que oferece ao país a melhor oportunidade para mudar nossa realidade, visto que, por ser apoiado em tecnologia e inovação, podemos recuperar o tempo perdido dada a velocidade de desenvolvimento de softwares e soluções em nuvem, inteligência artificial, machine learning, fintech e etc”, diz Alvarenga.  

Com o acaloramento da discussão nos últimos tempos, incentivos como o programa de governo Start Out Brasil ou outros privados surgem. O ponto central é que poucas pessoas têm realmente experiência com isso no Brasil e muitas ações ou programas, mesmo que bem intencionados, ainda não têm know-how para fazê-lo, avalia Alvarenga.

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É preciso vencer o complexo de vira-lata: os casos da Pipefy e do Ebanx

Por outro lado, o empreendedor precisa transpor a barreira psicológica que tem relação com o que ele classifica de complexo de vira-lata, ou seja, da crença limitante de que conquistar outros mercados está fora do alcance. “A esse ponto juntam-se o reduzido contingente de pessoas que falam inglês, a percepção equivocada de tamanho e relevância do mercado brasileiro, a tendência em optar pelo que parece mais fácil e preparo superficial dos empreendedores, principalmente os universitários.” 

A plataforma online de gestão de processos Pipefy, com sede em Curitiba e no Vale do Silício, nasceu em 2015 com DNA global. Ao analisar o mercado, o CEO Alessio Alionço percebeu o risco real do negócio ser extinto em cinco ou dez anos, caso tivesse focado somente no quintal de casa e apostou na internacionalização. 

“Os brasileiros acham que o mercado brasileiro é grande e seguro, enquanto isso o mundo anda muito mais rápido e a competição não respeita mais fronteiras”, aponta Alionço. Hoje, porém, há menos barreiras de entrada para empresas com atuação global dominarem completamente em todos os mercados, diz ele. E faz o alerta: 

“Considerando que o Brasil é um dos ambientes mais hostis do mundo para se empreender e que a maioria dos empreendedores brasileiros está focada somente no mercado local, a atenção e o dinheiro irão migrar para os players internacionais. Iremos tomar uma bela surra dentro de casa.”

A Pipefy tem milhares de usuários no Brasil, está presente em mais de 150 países e já recebeu mais de US$ 18 milhões em investimentos em pouco tempo. A startup tem como investidores os fundos Valor Capital, Red Point, Trinity e Open View. O crescimento, no entanto, não foi nada glamouroso, nem fácil. Crescer fora pode ser uma jornada dolorosa e ineficiente. 

“A principal dica é se preparar para resolver problemas globais e buscar ser líder global no segmento desde o primeiro dia de atuação. Se o setor global que a startup mira é muito competitivo, não deve focar no mercado local, mas em outro setor onde possa ser o melhor fornecedor em termos mundiais, o melhor cara para resolver o problema”, sugere Alionço.

O mundo tem importantes referências, como Israel, Chile e países europeus de maneira geral. Por terem um mercado local muito pequeno e insustentável para grande parte das empresas, acabam por serem globais logo de início como a melhor alternativa e alcançam êxito global.

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O sócio e diretor de marketing do Ebanx, André Boaventura, diz que a startup nasceu em 2012 para vender para o mundo. Um dos primeiros clientes foi a gigante chinesa AliExpress. Hoje a carteira tem cerca de mil da China, Europa e Estados Unidos e inclui nomes como Airbnb, Spotify e Wish e tem milhares de usuários pelo mundo. Em 2018, recebeu aporte de US$ 30 milhões da norte-americana FTV Capital.

Passados sete anos, o Ebanx ajuda a internacionalizar outras empresas. “É uma relação muito de aprender a trabalhar e vender à distância e viajar bastante também, para criar uma empresa que tenha um DNA brasileiro, mas um sotaque global e falar a língua do mundo todo”, afirma Boaventura.

O processo inverso também acontece. A startup ajuda o chinês, o americano e o europeu a regionalizarem suas empresas na América Latina e no Brasil. 

O grande segredo é apostar nos parceiros locais, aponta o executivo. O jeito mais fácil de “abrir um país”, diz ele, é não tentar replicar exatamente o modelo de negócio culturalmente e a forma como se faz no seu país, mas identificar quem são os players que poderiam fazer isso, o que sai muito mais barato. 

“Quando se faz [a internacionalização] por intermédio de um parceiro local as portas de abrem mais facilmente. A negociação de preços e valores é muito diferente e você consegue integrar as coisas de uma forma muito mais rápida.”

A quebra de barreiras está em acreditar que a lógica é a mesma, quando por vezes as diferenças podem ser brutais, como a forma de consumir e pagar em cada local. 

“A empresa americana nunca vai entender a ideia que alguém não tenha cartão de crédito, enquanto que no Brasil 70% das pessoas não usam esse meio e usam um pedaço de papel chamado boleto bancário, que a gente imprime o código de barras e vai para a fila da lotérica pagar.” 

Claro que há espaço para se ter um negócio focado no Brasil, porém a perspectiva de competitividade global mudou completamente. Na opinião de Boaventura, quem está procurando investimento e crescimento de valuation não tem como ser local. “Pode resolver grandemente o problema daqui, mas não pensar em uma perspectiva de internacionalizar pode derrubar o grande potencial de conseguir bons investimentos. Não se fala nos EUA, na Europa ou em Israel em nascer um negócio para o país.” 

O empresário destaca ainda a expansão para a América Latina como promissora, onde há um mercado consumidor enorme e muito carente. A maior parte dos países está muitos anos atrasado em relação ao Brasil em nível de tecnologia, e-commerce e serviços online.

“Vemos empresas legitimamente brasileiras, como GetNinjas, EADBox, RD e Hotmart começando a fazer bastante sucesso no México, Argentina e Chile porque tem uma carência de serviços online muito grande e a gente está produzindo muito bem.” 

O Ebanx processa pagamentos em oito países da América Latina e tem escritórios espalhados pelo mundo, atendendo clientes de 54 países. A meta é atingir a marca de US$ 2 bilhões em processos de pagamentos em 2019, contra US$ 1,4 no ano passado, além de saltar de mil para 1,5 mil clientes este ano. Tudo isso, no entanto, não impede que a empresa abrace o quintal de casa. O Ebanx é o patrocinador oficial do Festival de Curitiba, o evento mais emblemático da capital paranaense, pela terceira vez.

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Implicações jurídicas do processo de internacionalização

A internacionalização de uma startup pode ou não ser igual à de outras empresas. A diferença é a facilitação que vários países estão criando em suas legislações para recebê-las. Para isso, é necessária a adequação dos contratos sociais às leis do país escolhido. Instituições e universidades de lugares como o Vale do Silício, Londres, Pequim, Tel Aviv, Xangai e Berlim têm programas para ajudar startups a adequarem seus negócios e perfis facilitando a internacionalização.

Compreender o ambiente fiscal do país onde irá atuar— regras acerca de emissão de documentos fiscais, recolhimento de impostos sobre lucros e demais fatos tributáveis — é bastante importante, explica a advogada Izabela Rücker Curi Bertoncello, sócia-fundadora do escritório de advocacia e consultoria jurídica Rücker Curi, que tem um setor dedicado exclusivamente ao assessoramento de investidores em startups. 

“Um passo decisivo para avaliar a viabilidade de incentivos fiscais em busca de investimento, como no caso do investimento-anjo, é decidir se sua sede será naquele país ou será mantida no Brasil, analisando, além de aspectos mercadológicos, também os aspectos legais”, afirma. Os incentivos fiscais para startups variam de acordo com o tipo de negócio. 

A legislação, porém, ainda não é muito clara, afirma Izabela. E esta compreensão técnica e correta é o principal desafio no quesito jurídico da internacionalização das startups “Tudo isso ainda é muito novo para quase todos os países. Por isso, o apoio jurídico é essencial, assim como a regularização da documentação necessária e cuidados para não infringir a legislação fiscal e correr o risco de multas e débitos.”

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