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O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para esta quarta-feira (6) julgamento que decidirá se o governo pode indicar políticos para cargos de direção de empresas estatais.
Esse tipo de indicação é vedado pela Lei das Estatais, mas está permitido desde março por uma decisão liminar do então ministro Ricardo Lewandowski. A um mês da apostadoria, ele derrubou a exigência de quarentena para a participação de políticos na direção de estatais.
Para especialistas em governança corporativa, a eventual confirmação da liminar pelo plenário vai anular avanços de gestão e transparência obtidos desde a aprovação da Lei das Estatais, em 2016.
A liminar de Lewandowski permitiu, por exemplo, a indicação de Aloizio Mercante à presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Segundo o Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais (Raeef), essas companhias têm pelo menos 753 cargos de diretores, presidentes e conselheiros. Cargos esses que, com a decisão de Lewandowski, puderam novamente ser ocupados por indicações políticas.
Entre outros aliados, Lula indicou o ex-governador de Minas Gerais Fernando Pimentel para a presidência da estatal Emgea, vinculada ao Ministério da Fazenda, e o ex-governador de Pernambuco Paulo Câmara (PSB) para o comando do Banco do Nordeste.
Há duvidas sobre como ficarão as nomeações se a liminar cair. O STF pode fazer uma modulação para garantir as indicações já feitas. Caso a liminar seja referendada pelo plenário e a quarentena seja abolida, o que se prevê é a deterioração gradual da gestão, com aumento da influência políticas nas empresas e abertura de brechas para esquemas de corrupção como os observados no passado.
"A Lei das Estatais trouxe avanço para a profissionalização da governança das empresas, que depende muito de mecanismos que mitiguem conflitos de interesses. Eliminar os requisitos que a lei impõe para essa mitigação é um retrocesso", avalia Danilo Gregório, gerente de relações institucionais e governamentais do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Governo faz apelo aos ministros do STF para que liberem indicações políticas
Preocupado com a decisão da Corte, o governo Lula empenhou esforços para convencer os ministros do STF a votar pela inconstitucionalidade das restrições.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, encaminhou aos ministros do STF na sexta-feira (1.º) um parecer argumentando que a quarentena para os políticos prevista na lei "estabelece discriminações desarrazoadas e desproporcionais – por isso mesmo, inconstitucionais – contra aqueles que atuam, legitimamente, na esfera governamental ou partidária".
"Tal amplitude restritiva revela-se inadequada e excessiva, na medida que confronta o princípio da eficiência da administração na busca por quadros com alta qualificação e experiência gerencial – os quais também se encontram no setor público, e não unicamente no setor privado, igualmente sujeito a influências", acrescentou Messias.
Lei veio para blindar as empresas de influência política e corrupção
Sancionada no governo de Michel Temer (MDB), a Lei das Estatais emergiu na esteira dos escândalos bilionários de corrupção envolvendo principalmente a Petrobras, denunciados pela Operação Lava Jato a partir de 2014.
"A lei trouxe resultados importantes na evolução do patrimônio e dos resultados financeiros das empresas. Disciplinou a gestão trazendo mais transparência e mais aspectos de integridade e uma administração menos enviesada por interesses políticos ou eleitorais", afirma Gregório.
Segundo dados do Ministério da Economia do governo de Jair Bolsonaro (PL), a partir de 2018 as seis principais estatais do país tiveram, pela primeira vez na década, uma sequência de lucros por mais de três anos.
Foi no período entre 2018 e 2021 que Petrobras, Correios, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Eletrobras registraram os maiores lucros desde 2011. Em 2022, o lucro líquido da Petrobras foi o maior da história da empresa, de R$ 188,3 bilhões.
Para especialistas, o resultado foi possível em parte graças à Lei das Estatais, por induzir melhorias de gestão e limitar interferências do governo – em questões como o preço dos combustíveis, por exemplo.
Contestação à Lei das Estatais partiu do PCdoB
Após a eleição de Lula, em dezembro de 2022, o PCdoB, aliado histórico do PT, ajuizou no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7331 contra dispositivos que restringem as indicações políticas para as empresas. A restrição está prevista no artigo 17 da Lei das Estatais.
O argumento do partido foi que "as regras esvaziam o exercício de direitos constitucionais à isonomia, à liberdade de expressão e à autonomia partidária", além de afastar da administração das estatais "profissionais com habilidades e experiências necessárias para implementar as finalidades públicas dessas empresas".
Em março, o julgamento da ADI começou no plenário virtual sob a relatoria do ministro Lewandowski. No seu parecer, o ministro acatou a tese da inconstitucionalidade e acabou com a exigência de quarentena de três anos para que dirigentes partidários ou de campanhas eleitorais assumissem esses cargos. Bastava, para o ministro, que eles deixassem as funções para poderem ser nomeados.
Lewandowski argumentou que "a alegação de que os dispositivos impugnados servem para reduzir o risco de captura da empresa estatal por interesses político, partidários ou sindicais, fator supostamente responsável por alguns casos notórios de corrupção, não se sustenta".
O ministro André Mendonça pediu vista para avaliar a matéria, mas foi atropelado pela decisão monocrática de Lewandowski suspendendo os artigos da lei por liminar, abrindo caminho para as nomeações do governo Lula.
Julgamento ocorre em momento de piora nas finanças das estatais
O julgamento da Lei das Estatais pelo STF ocorre num momento de deterioração das finanças das estatais federais.
Conforme relatório publicado em novembro pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF), o governo prevê déficit primário de R$ 4,5 bilhões para um conjunto de 22 empresas controladas pela União em 2023. O valor é R$ 1,5 bilhão superior ao autorizado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano, que é de RS 3 bilhões.
No cálculo não estão incluídos os resultados de empresas do setor financeiro – como Caixa e Banco do Brasil – nem da Petrobras. No acumulado de 2023, o lucro líquido da Petrobras, a maior de todas, foi de R$ 93,5 bilhões, 35% abaixo do registrado nos primeiros nove meses de 2022. Há fatores de mercado, como a variação dos preços do petróleo, mas a gestão da empresa também está em evidência.
O presidente da companhia, Jean Paul Prates, ex-senador, que também foi nomeado graças à liminar de Lewandowski, trava uma queda de braço no âmbito da diretoria, integrada por maioria de indicados do PT e de sindicatos, com o conselho de administração, composto em parte por nomes indicados por partidos do Centrão, sob a influência do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira.
A disputa por poder dentro da companhia, no entanto, se dissipa quando o assunto interessa a ambos os lados. Antecipando-se à decisão do STF, a Petrobras aprovou alterações no alterações em seu estatuto social que, na prática, reduzem barreiras a indicações políticas para cargos de alto escalão. As alterações seguem à risca a liminar de Lewandowski.
As mudanças foram propostas pelo conselho de administração da empresa e aprovadas em assembleia de acionistas com 55% dos votos – representantes do governo derrotaram os dos acionistas minoritários.
Mas, por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), atendendo a recurso do Partido Novo, a Petrobras está impedida de registrar o estatuto reformulado na Junta Comercial antes do julgamento do mérito da questão pelo Supremo.
A assembleia de acionistas também aprovou a criação de uma reserva de capital para pagamento de dividendos que ameaça a distribuição dos proventos extraordinários, medida que desagradou o mercado financeiro.
Fim das restrições pode estar alinhada a política revanchista
Não há previsões entre analistas políticos e econômicos sobre a direção dos votos dos ministros do STF.
Mas uma decisão no sentido de anular as disposições da lei se alinharia à política revanchista do governo Lula, de desfazer todos os avanços institucionais ocorridos desde a gestão Temer. Uma das prioridades do atual governo é suspender ou mesmo anular privatizações.
No âmbito jurídico, especialistas veem fundamentos tanto para anular parte da lei quanto para validá-la. "Sob o aspecto de compliance e governança corporativa, o ideal é que a lei fosse mantida", afirma Alan Kim Yokoyama, sócio do De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados.
"Porém, há fundamento jurídico para uma eventual supressão, levando em conta a igualdade e isonomia previstas na Constituição", completa.
Anderson Novais, sócio do Madrona Fialho Advogados, afirma que a questão deveria estar sendo tratada pelo Congresso.
"Num momento de conflito, quando muitas vezes o Judiciário é atacado por invadir competências do Legislativo, seria bom para a pacificação entre os Poderes que os parlamentares se debruçassem sobre o assunto", diz.
Isabella Eid, associada do De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados, corrobora a percepção. "Juridicamente, é defensável que o assunto seja tratado no Congresso, que tem competência para isso assegurada pelo artigo 173 da Constituição", afirma.
Duas semanas atrás, o Senado aprovou proposta de emenda à Constituição (PEC) para limitar decisões individuais dos ministros do Supremo – tal como a de Lewandowski, que suspendeu parte dos efeitos da Lei das Estatais –, em tentativa de limitar o que muitos classificam de ativismo judicial da Corte.