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Contas públicas

STF e STJ dão “ajuda” de mais de R$ 200 bilhões para arrecadação do governo

A Justiça, escultura de Alfredo Ceschiatti instalada em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF): decisões de cortes superiores garantiram arrecadação adicional bilionária ao governo. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Além da série de medidas anunciadas para aumentar a arrecadação, o governo federal tem contado com a ajuda de decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) para reforçar o caixa do Tesouro Nacional e alcançar as metas de resultado primário para este e os próximos anos.

Um levantamento feito pelos escritórios Cascione Advogados e Machado Associados, divulgado pelo “Valor Econômico”, mostra a União saiu vitoriosa em dez de 14 julgamentos tributários realizados no primeiro semestre de 2023. O contribuinte venceu em apenas quatro ocasiões. Somadas, as decisões favoráveis à Fazenda têm potencial de gerar arrecadação adicional de até R$ 210,8 bilhões.

Entre as vitórias estão, entre outras:

O montante de quase R$ 211 bilhões, no entanto, considera um cenário em que todos os contribuintes teriam deixado de pagar os tributos questionados e feito o pedido da tese. Como na maioria dos casos uma parte do valor estimado já foi paga por contribuintes que não entraram com as ações, a cifra que entrará nos cofres públicos a partir das decisões não deve chegar ao total estimado.

A própria Receita Federal já revisou de R$ 90 bilhões calculados inicialmente para R$ 47 bilhões o impacto da incidência de IRPJ e CSLL sobre incentivos fiscais de ICMS pelos estados.

Governo criou estrutura para acompanhar riscos e faz visitas a tribunais

De qualquer forma, a sequência de decisões favoráveis à União não ocorre por acaso, mas resulta de uma mudança na relação entre o governo e os tribunais, que inclui um acompanhamento mais próximo de teses relevantes e até visitas de membros do alto escalão do Ministério da Fazenda a ministros das cortes superiores.

O próprio ministro, Fernando Haddad, conversou diretamente com integrantes da 1.ª Seção do STJ durante o julgamento referente à tributação federal sobre incentivos estaduais.

“É óbvio que o STJ é um tribunal superior da maior respeitabilidade. Certamente vai acabar no Supremo, mas eu tenho certeza que é uma sinalização importante se vamos ter ou não um país transparente do ponto de vista do gasto tributário”, afirmou Haddad logo após se reunir com o relator do processo, Benedito Gonçalves, em abril.Dias depois, ele esteve com o ministro do STF André Mendonça, acompanhado da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e do advogado-geral da União, Jorge Messias, para tratar do assunto. Na ocasião, Haddad afirmou aguardar um “desfecho rápido” do caso.As visitas fazem parte de um expediente adotado formalmente pelo governo e anunciado junto a medidas de ajuste fiscal. O decreto 11.379/2023, de 12 de janeiro, instituiu o Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais.Entre os objetivos do Conselho está “fomentar a adoção de soluções destinadas a fortalecer e subsidiar as atividades dos órgãos de representação judicial da União, das suas autarquias e das suas fundações, no acompanhamento de eventos judiciais capazes de afetar as contas públicas”.

Haddad falou da nova estrutura no mesmo dia, durante anúncio de um pacote de ações voltadas a elevar a arrecadação. “Nós compusemos um grupo de acompanhamento de riscos fiscais de natureza judicial, do qual farão parte, não só agora, o advogado-geral da União, mas o ministro da Fazenda e a ministra do Planejamento. Ou seja, nós vamos atuar tecnicamente nos tribunais com muita força”, afirmou.

Ao portal “Jota”, integrantes do Ministério da Fazenda e das próprias cortes superiores foram são unânimes em destacar uma mudança na relação entre a União e os tribunais. “Estão salvando o arcabouço fiscal”, resumiu um assessor com atuação no STF à publicação.

Outro ministro do STJ ouvido pelo portal destacou que a Fazenda tem tomado mais cuidado ao recorrer à corte, observando em quais temas há posicionamento definido. “Houve um aprimoramento de controle de qualidade dos recursos fazendários para verificar se eram meramente desafiadores de nossa jurisprudência a despeito de precedentes qualificados”, disse.

Já um interlocutor do Ministério da Fazenda disse que a atuação mais próxima do governo nas causas judiciais poderá surtir efeito até mesmo na redução dos precatórios devidos pela União.

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Tributaristas veem influência do governo nas decisões judiciais

Para Luciano Ogawa, advogado tributarista sócio do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, o placar de julgamentos com decisão favorável à União a partir da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sugere uma atuação política das cortes superiores.

“É notório que nos últimos anos os tribunais superiores estão relativizando os comandos contidos na carta constitucional, de modo a atender interesses políticos”, diz.

“A própria PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional] sempre apresenta como fundamento de defesa o suposto rombo de bilhões de reais que cada decisão teria o potencial de criar e, por outro lado, fundados em teorias consequencialistas e neoconstitucionalistas, os ministros alargam suas interpretações das normas de modo a atender tais interesses do governo”, afirma Ogawa.Para ele, no caso da tributação das subvenções de ICMS pelo IRPJ e CSLL, “foi possível notar que se buscou criar uma diferenciação entre os tipos de incentivos de ICMS para permitir uma maior arrecadação fiscal”.Alberto Medeiros, advogado tributarista e sócio da TozziniFreire Advogados, considera que o modo de funcionamento do Judiciário brasileiro é distinto do de cortes supremas de outros países, mas entende que a interlocução do governo federal com o STF faz parte do arcabouço institucional do país.

“No Brasil, o STF, de forma distinta de outras supremas cortes, e pelas características da nossa Constituição e do nosso sistema tributário nacional, aprecia diversas questões em matéria tributária. Isso é uma característica sui generis da nossa corte”, diz.

“Como uma corte suprema, ela está sujeita a pressões de todos os lados da sociedade, especialmente do governo, quando estamos falando de arrecadação. Então essa disputa política, de narrativas, é inerente às relações entre contribuintes e Fisco”, diz Medeiros.

Do ponto de vista da aplicação do direito tributário, ele diz discordar de muitas das decisões, mas não ver necessariamente atuação política dos ministros dos tribunais superiores.

“Eu diria que, no momento de tensão em que estamos, as disputas por arrecadação se tornaram mais incisivas. E quando isso acontece, o governo tem um trabalho de interlocução muito forte com a Suprema Corte, e isso acaba influenciando as decisões, mas isso é do jogo democrático, faz parte da dinâmica do funcionamento do Judiciário, especialmente no Brasil”, diz.Rafael Veja, sócio do escritório Cascione Advogados, tem opinião semelhante. “Foi um bom semestre para o governo, mas o jogo jogado foi jurídico. O resultado não justifica qualquer especulação de influência excessiva na máquina judiciária”, disse o advogado ao “Valor”.Ele afirmou, no entanto, que alguns julgamentos surpreenderam pela velocidade, e que a corte deveria ter aguardado mais um pouco. “O STF dar a palavra final e ser o primeiro a dar a palavra é um pouco incomum”, avaliou.

Julgamentos tributários federais em tribunais superiores até julho

Fonte: Cascione Advogados e Machado Associados

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