O Supremo Tribunal Federal deve iniciar nesta quarta-feira (24) o julgamento de quatro ações contra o novo marco legal do saneamento, aprovado em 2020 com o objetivo de estimular a participação da iniciativa privada nos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto no país. A tendência, segundo apurou a Gazeta do Povo, é de que maioria dos ministros rejeite as ações e mantenha a lei.
As ações foram apresentadas por PT, PCdoB, Psol, PSB, PDT, pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) e pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe). O relator é o presidente do STF, Luiz Fux. Em agosto do ano passado, mês seguinte à sanção da lei, o ministro negou um pedido de liminar do PDT para suspender as mudanças.
Na época, ele citou números "vergonhosos" do "cenário lastimável" de acesso da população aos serviços: mais de 35 milhões de brasileiros sem água tratada e mais de 100 milhões sem coleta de esgoto. "A manutenção do status quo perpetua a violação à dignidade de milhares de brasileiros e a fruição de diversos direitos fundamentais", escreveu o ministro na decisão.
Agora, as ações serão analisadas pelos atuais dez integrantes do Supremo. Dentro do tribunal, auxiliares preveem placar de 6 a 4 ou 7 a 3 a favor da manutenção das mudanças.
O que alegam os partidos sobre o marco do saneamento
Nas ações apresentadas pela oposição, o principal argumento é de que a privatização do setor pode deixar desatendidos municípios pobres, regiões agrícolas ou de periferias das grandes cidades que não atraiam empresas em busca de lucro. Nesse sentido, comunidades em situação de miséria continuariam sem água limpa e com esgoto a céu aberto.
Os partidos dizem que, pela legislação anterior, cidades assim podiam entrar em consórcio com outras mais ricas, de modo que uma mesma estatal, em geral pertencente ao Estado, fornecesse os serviços para todas. O lucro obtido nas umas compensaria o prejuízo das outras.
"Este modelo conseguiu expandir a cobertura do saneamento básico pelo sistema de caixa único em que as tarifas dos serviços prestados eram iguais para todos os municípios que realizavam assim um sistema de subsídio cruzado, no qual as localidades lucrativas financiavam a prestação do serviço às localidades com menor capacidade de pagamento e/ou maiores dificuldades técnicas de implantação do sistema", diz a ação apresentada pelo PT.
O marco legal do saneamento ainda permite essa associação, mas acaba com a possibilidade de os contratos serem firmados sem licitação, como ocorria até 2020. Com a nova lei, os municípios podem se unir, mas precisam abrir concorrência para selecionar a empresa interessada em fornecer o serviço pelo menor custo e melhores condições. Aqueles que não conseguirem atrair a iniciativa privada poderão contar com recursos federais para implementação própria das atividades.
Os partidos, no entanto, dizem que esse financiamento é condicionado por regras nacionais da Agência Nacional de Águas (ANA), cuja competência foi turbinada pelo novo marco para estipular parâmetros de contratação aplicáveis a todo o país. Eles dizem que os municípios deveriam ter mais liberdade para regulamentar o serviço conforme suas peculiaridades.
O que dizem municípios, estatais e empresas
Nas ações levadas ao STF, a Assemae, que reúne mais de 2 mil serviços municipais de saneamento, reproduziu boa parte dos argumentos dos partidos. Ressaltou que a lei deveria incluir um período de transição, para evitar uma interrupção abrupta dos serviços pela exigência de licitação para a concessão das atividades de saneamento.
"Há em curso contratos de programa vigentes e convênios de cooperação em funcionamento, mas que não foram formalizados ou não satisfazem todos os requisitos novos criados pela Lei n.º 14.026/20. Neste caso, a lei desconsiderará todos os contratos em curso como irregulares e precários e, alterando a sua natureza jurídica de forma retroativa, autoriza o rompimento destes contratos, apesar dos investimentos realizados", diz a entidade.
Nos processos, manifestou-se também a Aesbe, associação de 24 estatais estaduais que atendem a mais de 4 mil municípios, onde vive uma população de 132 milhões de pessoas. Ela admitiu que só 84% delas têm acesso a água tratada e 46% ao tratamento de esgoto, mesmo com R$ 12 bilhões investidos anualmente no setor. Mesmo assim, disse que a adoção do novo modelo privado, com licitação, vai dificultar a manutenção de suas atividades e o atendimento a regiões mais pobres.
As empresas privadas, por sua vez, argumentaram que a nova lei reconheceu que o setor público não é eficiente para suprir a demanda. A Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) citou recentes leilões para concessão em Maceió (Alagoas), Cariacica (Espírito Santo) e parcerias público-privadas no Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Amapá, que preveem investimentos de R$ 37,7 bilhões para ampliação da rede, fora R$ 25 bilhões pagos aos governos para a outorga dos serviços.
O que diz o governo
Autor da nova lei, o governo se manifestou nas ações principalmente por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional. A pasta argumentou que a universalização do serviço demanda investimentos de quase R$ 600 bilhões e que, até o marco, menos de 7% das empresas prestadoras do serviço eram privadas. Argumentou que as estatais poderão continuar atendendo, mas deverão se submeter a licitações, para concorrer com a iniciativa privada, ou mesmo serem privatizadas.
Destacou que a lei prevê também aportes do governo federal para locais desatendidos, bem como a formação de blocos de municípios nos estados para atendimento conjunto pelas empresas privadas.
"A Lei nº 14.026/2020 estabelece lastro jurídico e legal para gerar um salto nos investimentos, garantindo à população o acesso a um saneamento adequado, gerando emprego, renda, melhoria nas condições de saúde e redução dos gastos de saúde pública", afirmou o ministério.
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