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No julgamento que foi chamado de “tese de século”, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 8 votos a 3, que a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins vale a partir de 2017, quando a Corte julgou inconstitucional a questão. Prevaleceu ainda o entendimento de que o ICMS a ser excluído é o destacado na nota fiscal, e não o efetivamente pago. Os ministros concluíram nesta quinta-feira (13) a análise de um recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que pedia a modulação dos efeitos da decisão de quatro anos atrás.
Com receio do impacto financeiro, a União defendia que a retirada do ICMS valesse apenas a partir de agora, com a modulação do Supremo. As empresas, por sua vez, queriam a devolução do que foi pago e recolhido indevidamente no passado. No fim, a maioria do STF optou por uma solução intermediária que atendesse ambas as partes. Ainda assim, o impacto nas contas da União será grande, embora ainda não calculado.
O governo terá de ressarcir o imposto cobrado a mais dos contribuintes a partir de 15 de março de 2017, data do julgamento de mérito da questão no STF. Segundo decidiram ainda os ministros, a retirada do ICMS da base é retroativa apenas para os contribuintes que ingressaram com ações e procedimentos administrativos antes de março de 2017. Isso limita o impacto fiscal para a União, embora frustre empresas que esperavam ressarcimento integral de créditos.
Esse foi o voto da relatora Cármen Lúcia, acompanhado pelos ministros Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux, presidente da Corte.
Já o entendimento de que o valor que pode ser pleiteado pelas empresas em ressarcimento é o que consta na nota fiscal e não o que foi efetivamente recolhido foi defendido por cinco ministros e acabou prevalecendo. Isso beneficia os contribuintes, porque o valor do ICMS destacado costuma ser maior.
A questão debatida pelo STF nesta quinta-feira era tão sensível para as contas públicas que, no fim do mês passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se reuniu com o presidente do STF, ministro Luiz Fux, para reforçar os argumentos da União em defesa do recurso federal. Ele esteve acompanhado do procurador-geral da Fazenda Nacional, Ricardo Soriano.
A argumentação dos ministros do STF a favor da modulação
O ministro Alexandre de Moraes observou que, sem a modulação de efeitos, a decisão levaria ao ajuizamento de inúmeras ações. Ele citou informações prestadas pela PGFN de que, dos 56 mil processos mapeados sobre esse assunto, 78% foram ajuizados após a decisão do STF em 2017. Sem a modulação, eles também poderiam buscar ressarcimento dos pagamentos a mais feitos à União.
"O impacto financeiro, além da dificuldade de planejamento orçamentário federal, tendo em vista da impossibilidade de calcular valores elegíveis por ano fiscal (ao abatimento), poderia gerar crise econômica sem precedentes", disse Moraes. "Num momento de pandemia, em que faltam recursos inclusive para a saúde pública, não me parece a melhor política judiciária", acrescentou.
Caso a União tivesse de restituir todos os valores do passado, o impacto potencial seria de R$ 258,3 bilhões, segundo estimativa da PGFN. Esse cálculo foi questionado pelas empresas, que apontavam riscos de uma decisão desfavorável para os balanços das companhias, uma vez que muitas já contabilizam os "créditos" da decisão do STF em seus ativos.
Barroso disse que, antes do julgamento de 15 de março de 2017, uma série de decisões permitiam a inclusão do ICMS na base de cálculo de PIS/Cofins. "Estou bastante convencido que aí sim, em 15 de março de 2017, o STF alterou uma jurisprudência que vigorava havia muitos anos", disse o ministro. "Mudança de jurisprudência apenas pode produzir efeitos prospectivos", ressaltou.
Ao abrir divergência nesse ponto, o ministro Edson Fachin questionou os cálculos de impacto apresentados pela União, uma vez que a própria PGFN admitiu dificuldades em estimar o valor de forma precisa, e criticou o uso de um argumento econômico para buscar a modulação de uma tese jurídica. "Valor não constitui um argumento genuinamente jurídico", disse Fachin. "Interesse orçamentário não é sinônimo de interesse público", acrescentou.
"É responsabilidade da União o provisionamento dos recursos orçamentários cabíveis. Não pode, portanto, quer aproveitar-se de sua displicência e imputar aos contribuintes o ônus de arcar com os valores que foram indevidamente arrecadados. Em síntese, não pode a União requerer a modulação para atingir o equilíbrio orçamentário às custas dos contribuintes", continuou o ministro.
Para Fachin, a modulação dos efeitos propiciaria que consequências jurídicas fossem preteridas em relação às financeiras, contrariando o Estado Democrático de Direito. A posição do ministro foi acompanhada pelos ministros Rosa Weber e Marco Aurélio Mello.
Créditos tributários e ativos financeiros
Antes mesmo da decisão do STF, algumas empresas passaram a descontar, via créditos tributários, valores pagos a mais no passado com a cobrança de PIS/Cofins sobre o ICMS, ou ainda passaram a incluir esses créditos como ativo em seus balanços.
Nos últimos meses, a Receita Federal observou um crescimento expressivo nas chamadas compensações tributárias, quando empresas declaram ter créditos a receber e usam isso para pagar menos imposto. Em outubro do ano passado, o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita, Claudemir Malaquias, reconheceu que esse aumento era fruto da decisão do STF.
Na prática, as empresas começaram a se antecipar à decisão do STF e passaram a cobrar os créditos. Só no ano passado, as compensações somaram R$ 167,7 bilhões, um aumento de quase 60% em relação ao observado em 2019, quando o valor ficou em R$ 105 5 bilhões. A tendência permanece para este ano. No primeiro trimestre de 2021, as compensações somaram R$ 48,4 bilhões, contra R$ 34,5 bilhões em igual período de 2020. Os números já estão corrigidos pela inflação.
Caso as empresas sofressem uma derrota no STF, elas poderiam ter que restituir à Receita esses valores descontados indevidamente. Após o julgamento de 2017, diversas companhias, inclusive aquelas listadas na Bolsa de Valores, começaram a incluir os créditos a que julgam ter direito em seus balanços como ativo.