O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (26), por 8 votos a 2, que é constitucional a lei que confere autonomia ao Banco Central (BC), aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em fevereiro deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro. A independência do BC foi alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) protocolada em conjunto por PT e Psol. O reconhecimento da autonomia pelo STF é uma vitória da agenda liberal do governo.
Votaram a favor da manutenção da Lei Complementar 179/2021 os ministros Luis Roberto Barroso, Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux (presidente da Corte). Votaram contra o relator Ricardo Lewandowski e a ministra Rosa Weber. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também havia se manifestado pela inconstitucionalidade.
A lei estabelece mandatos de quatro anos para o presidente e os oito diretores do BC em períodos não coincidentes com os da gestão do presidente da República. E determina que os nomes indicados pelo chefe do Executivo devem ser aprovados pelo Senado.
O BC deixou ainda de ser vinculado ao Ministério da Economia, passando a ser classificado como autarquia de natureza especial, caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”.
Um dos objetivos da mudança foi o de blindar o BC de pressões político-partidárias. A autonomia do Banco Central era debatida no Congresso desde 1991. Entre outras funções, cabe ao BC, por meio do Comitê de Política Monetária (Copom), definir a taxa Selic, a taxa básica de juros da economia.
Na ADI 6.696, PT e Psol pediam a revogação da lei, alegando vício de iniciativa, uma vez que, conforme a Constituição, a competência para proposição do projeto deveria ser privativa ao presidente da República. O projeto de lei foi apresentado pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM). Mas a maioria dos ministros do STF considerou que não houve vício de iniciativa.
Como os ministros votaram no julgamento da autonomia do Banco Central
Em voto proferido na abertura do julgamento na quarta-feira (25), o relator Ricardo Lewandowski votou pela inconstitucionalidade, entendendo que as regras sobre a admissão e demissão de dirigentes do BC só podem ser formuladas por iniciativa do presidente da república, "sob pena de instalar-se indesejável balbúrdia na gestão da administração pública federal, a qual ficaria sujeita aos humores oscilantes dos membros do Congresso, capturados por maiores ocasionais, eventualmente cambiantes no curto ou médio prazo".
A Constituição diz que cabe somente ao presidente propor mudanças na administração pública que mexam no regime de trabalho dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria. “Não posso deixar de concluir, tal como o PGR, que a lei, ao dispor sobre nomeação dos diretores, que são integrantes da administração, por vir à lume por iniciativa parlamentar, violou a Carta Política”, afirmou Lewandowski.
O ministro Luís Roberto Barroso votou logo em seguida e abriu a divergência. Ele se baseou em outro artigo da Constituição, que delega ao Congresso dispor sobre matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações. “Essa é precisamente a área precípua de atuação do Banco Central, de modo que estou afastando a inconstitucionalidade formal, por entender que não há vício de iniciativa”, disse.
Na sessão desta quinta, Alexandre de Moraes concordou que não há vício de iniciativa, sobretudo porque Jair Bolsonaro enviou ao Congresso projeto muito semelhante ao aprovado, que inclusive foi apensado à proposta que já tramitava. “A lei complementar tem redação quase idêntica ao do projeto enviado pelo presidente. O que entrou no Congresso foi praticamente o que saiu. O apensamento não me parecer ter o condão de desvirtuar a iniciativa legislativa. Seria diferente se não houvesse iniciativa do presidente ou se tivesse aprovado algo totalmente diferente. Se aprovou o que o presidente mandou”, afirmou.
Toffoli, Nunes Marques, Fachin e Cármen Lúcia expressaram o mesmo entendimento. “O apensamento, que incluiu, fez sanar qualquer vício de iniciativa que pudesse eivar essa lei. A lei complementar não está viciada formalmente. A apresentação da proposta do presidente supriu a exigência constitucional”, disse a ministra.
Ministros expressam reservas em relação à autonomia do BC, mas entendem escolha política
Vários ministros também discutiram a autonomia em si do Banco Central. Mas a maioria também entendeu que trata-se de uma escolha política, que pode ser revista no futuro.
Lewandowski expressou reservas em relação à autonomia, em linha com os argumentos do Psol, mas rejeitou essa parte da ação por considerar que o partido não fundamentou o pedido de maneira adequada para declarar a lei inconstitucional. “Não se admite a apresentação de simples alegações genéricas como ocorreu na espécie, pois estas não têm o condão de afastar a presunção de constitucionalidade de que gozam as leis e os atos normativos em geral”, afirmou o relator.
Já Barroso também disse que não era possível sequer conhecer dessa parte do pedido do Psol, mas fez uma defesa enfática da autonomia do BC, necessária, segundo ele, para afastar interferências políticas na gestão monetária da economia.
“Responsabilidade fiscal não tem ideologia. Não é nem de direita, nem de esquerda. Não é monetarista nem é estruturalista. É apenas o pressuposto de economias saudáveis. E penso mais: o descontrole fiscal, como já deveríamos ter aprendido, inclusive com a história recente, traz desemprego, inflação, desinvestimento e juros altos. E desnecessário que eu diga que os mais penalizados por esse tipo de conjuntura de desemprego, inflação e juros altos, são os mais pobres”, afirmou o ministro.
Os demais ministros que votaram a favor da manutenção da lei disseram que tal escolha cabe ao Congresso e ao presidente, não ao Judiciário.
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