Por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (24) que é constitucional a legislação que permite à Receita Federal acessar dados bancários sigilosos de pessoas físicas e jurídicas sem autorização judicial.
Desde 2001, uma lei complementar autoriza que a Receita obtenha diretamente junto aos bancos e sem autorização judicial, informações sobre a movimentação financeira de pessoas ou empresas. Foi a partir desta norma que a Receita aumentou o controle sobre as movimentações financeiras, passando – a partir deste ano – a receber informações sobre qualquer transação mensal acima de R$ 2 mil para pessoas físicas e R$ 6 mil para empresas.
A maioria dos ministros entendeu que o fato de os dados serem analisados pela Receita representa uma transferência de sigilo bancário e não uma quebra de dados. A medida, dizem os ministros, não fere o princípio constitucional da privacidade, sendo que deve prevalecer o interesse público, e ainda auxilia no combate a crimes, como corrupção, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Os ministros destacaram ainda que eventuais vazamentos ou irregularidades na análise dos dados serão apurados criminalmente e administrativamente.
O STF discutiu cinco ações que foram apresentadas por partidos e entidades, como a Confederação Nacional do Comércio, a Confederação Nacional da Indústria e o Partido Social Liberal, além de um contribuinte que foi alvo da Receita por causa da norma.
As ações pediam que o STF invalidasse o trecho da lei que trata sobre o sigilo de dados nas instituições financeiras. Essa norma autoriza, por exemplo, quebra de sigilo em procedimentos administrativos, sendo a partir do inquérito em processos criminais, e prevê que agentes tributários examinem documentos bancários.
Negociação
O resultado do julgamento agrada ao governo, que atuou para manter a regra. O secretário da Receita, Jorge Rachid, chegou a procurar pessoalmente os ministros para tratar do assunto e ainda teria alertado que anular a autorização dessa fiscalização poderia prejudicar Operações da Polícia Federal, como a Lava Jato, que apura o esquema de corrupção da Petrobras, e da Zelotes, que investiga esquema de compra de medidas provisórias.
A discussão do caso começou na semana passada, quando a maioria dos ministros já havia sinalizado pela legalidade da legislação. Tinham votado a favor os ministros Dias Toffoli, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Cármen Lúcia essa legislação não fere a Constituição.
Na sessão desta quarta, os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski, também defenderam a medida. “Não é possível permitir que o fisco fique manipulando os dados sigilosos por muito tempo sem notificar o contribuinte”, afirmou Lewandowski.
Gilmar Mendes defendeu que é “fundamental destacar a manutenção do dever de sigilo por parte do Fisco quanto às informações obtidas na forma da lei. A institucionalização de requisitos, cautelas e procedimento necessários à preservação do sigilo.”
“Ninguém duvida que o indivíduo tenha o direito de manter longe dos olhares públicos seus assuntos privados, inclusive suas finanças. Mas não é isso que se cuida nesse julgamento. O que está em questão é se nossa Carta da República é se o cidadão teria o direito de omitir essa informação também do Fisco. Por tudo o que já disse, a resposta a meu ver é negativa”, afirmou Mendes.
Celso de Mello e Marco Aurélio Mello votaram contra a permissão à Receita. Para Celso de Mello, a medida pode abrir brecha para devassa nos dados sigilosos por outros órgãos.
“Nós sabemos que um simples extrato bancário é uma fonte incomensurável de revelações, que podem muitas vezes afetar a privacidade e muitas vezes a intimidade das pessoas. Não se pode ignorar que o direito à privacidade representa importante manifestação dos direitos da personalidade, qualifica-se como expressiva prerrogativa de ordem jurídica que consiste em reconhecer em favor da pessoa a existência de um espaço indevassável destinado a protegê-la contra indevidas interferências ou intrusões do Estado, como de qualquer outro particular também, na esfera de sua vida privada.”