A estratégia de estimular o setor produtivo com subsídios a empréstimos do BNDES adotada pelos governos Lula e Dilma ainda terá um impacto de R$ 125,13 bilhões sobre as contas públicas nos próximos anos. Deste total, R$ 109 bilhões se referem à diferença entre o custo de captação de dinheiro pelo Tesouro Nacional no mercado (hoje em 13% ao ano) e o custo dos empréstimos concedidos ao banco para que ele pudesse emprestar dinheiro mais barato às empresas (normalmente pela TJLP, hoje em 7,5% ao ano). Um conta com a qual o Tesouro terá de arcar até 2060. Paralelamente a isso, há a equalização de empréstimos do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), outra conta que sobrou para o Tesouro honrar e que vai pesar no Orçamento até 2041. São mais R$ 16,13 bilhões, totalizando os R$ 125 bilhões.
Embora o governo já tenha mudado a forma de atuação do BNDES e venha trabalhando numa agenda para aproximar as taxas subsidiadas às de mercado, ainda existe um passivo que precisa ser honrado. Segundo dados do Tesouro Nacional, o custo dos subsídios de 2008 a 2016 somou R$ 115,9 bilhões. Nesse mesmo período, a equalização das taxas do PSI custou R$ 46,3 bilhões. Para que o banco pudesse emprestar, o Tesouro também fez sucessivas injeções de capital na instituição, somando de R$ 393,55 bilhões entre 2009 e 2014.
Tudo isso contribuiu para a forte deterioração das contas públicas, que terminaram 2016 com um rombo histórico de R$ 156 bilhões. Já a dívida bruta, que é o principal indicador de solvência observado no mercado internacional e que aumentou devido às emissão de títulos para custear o BNDES, também bateu recorde no ano passado: 69,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Para tentar minimizar o impacto fiscal da política de incentivos, no final de 2016, o banco pagou antecipadamente R$ 100 bilhões de sua dívida com o Tesouro. Isso resultou numa economia de quase R$ 30 bilhões com subsídios.
Especialistas e integrantes do governo afirmam que a conta da estratégia saiu cara e os resultados não foram expressivos. O professor de economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Marcelo Curado destaca que a política foi correta num primeiro momento, quando a crise internacional paralisou a economia e fez com que houvesse uma retração na oferta de crédito dos bancos privados. O problema foi que, a partir de 2010, o PIB voltou a reagir, mas o governo dobrou a aposta nos subsídios:
“O governo transformou o que deveria ser uma política anticíclica numa política permanente, criando uma série de problemas e distorções. Os cálculos são astronômicos, com custos enormes para o Tesouro, mas a política deixou muito a desejar”, diz Curado, lembrando que o grande objetivo da presidente Dilma era elevar taxa de investimento de 18,4% para 23% do PIB entre 2011 e 2014, sendo que ela deixou o governo com 18,1%.
Distorções
O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, lembra que além de terem um custo fiscal elevado, os subsídios provocaram graves distorções na economia. Um exemplo está na linha de crédito do BNDES para compra de caminhões, que inicialmente tinha taxas muito baixas, chegando a 2,5% ao ano. Isso aumentou muito a frota brasileira, e quando o PIB arrefeceu, surgiu um novo problema: a queda dos preços do frete.
Outro problema apontado por Mansueto é o fato de a política de subsídios ter criado uma diferença tão grande entre as taxas de mercado e as cobradas nos empréstimos do BNDES que muitas empresas preferiram aplicar seus recursos no mercado financeiro em vez de investir em novos empreendimentos.
“As taxas eram tão subsidiadas que era melhor ganhar com os juros de mercado do que investir. E muito do dinheiro do BNDES não foi usado para financiar o setor produtivo no longo prazo. Grande parte também foi para financiar os estados, que hoje estão nessa situação dramática”, disse o secretário.
Segundo o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, não se pode ignorar o fato de que o BNDES tem um papel importante no estímulo ao crescimento da economia por meio do financiamento de longo prazo. No entanto, o volume muito elevado de crédito subsidiado — como ocorreu nos últimos anos — acabou tendo uma repercussão ruim de forma global:
“O PSI teve linhas com custo de 3% a 4% ao ano. Isso pode dar fôlego de curto prazo para quem recebeu esses empréstimos, mas tem consequências. Crédito subsidiado está alheio aos efeitos da taxa Selic. Assim, durante anos, o Brasil teve que conviver com taxas de juros muito elevadas para compensar esse quadro. Isso penalizou o resto da economia”, salientou Felipe Salto.
O economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, afirma que é difícil avaliar os efeitos da política de subsídios ao BNDES, pois não se sabe como teria sido o desempenho da economia sem ela. Ele, no entanto, destaca que qualquer programa desse porte deveria ter um acompanhamento de sua eficiência, pois os custos são muito elevados para a política fiscal.
Cagnin disse ainda que a redução dos subsídios e a moderação na atuação do BNDES no mercado no governo Temer podem ser problemáticos se o governo não estimular a oferta de financiamento de longo prazo por outras fontes. “As novas diretrizes do BNDES são boas, mas o Brasil continua precisando de financiamento de longo prazo. O que será feito para estimular esse mercado?”, questiona ele.
Desembolsos
Segundo Almeida, embora o banco tenha mudado sua estratégia de atuação e reduzido sua participação na economia desde o ano passado, isso é um reflexo, em grande parte, da própria recessão. Os desembolsos do BNDES caíram 35% em 2016, ficando em R$ 88,3 bilhões, menor patamar desde 2007. No entanto, com a recuperação do PIB e o andamento do programa de concessões, haverá um aumento da oferta de financiamento privado por meio, por exemplo, da emissão de títulos (debêntures).
Procurado, o BNDES também informou que a queda de 35% nos desembolsos refletiu o quadro econômico do país. De acordo com a instituição, não houve restrição de recursos: “Como o banco se dedica, majoritariamente, ao financiamento do investimento, é natural que a redução da demanda por crédito para projetos afete o seu desempenho”.
Ainda segundo a instituição, a mudança na sistemática de liberação de recursos, “permitirá apoiar com melhores condições de financiamento empreendimentos com maior impacto no aumento da produtividade e competitividade das empresas, bem como na geração de empregos e no desenvolvimento social, ambiental e regional”. O banco avalia que a economia já dá sinais de melhora, o que vai aumentar a demanda por recursos ao longo de 2017.
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