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No início de 2020, a possibilidade de alterações nas regras para a geração distribuída (GD) – modalidade em que uma pessoa física ou jurídica é, ao mesmo tempo, produtora e consumidora de energia – provocou controvérsia. À época, até o presidente Jair Bolsonaro se posicionou sobre o tema, afirmando que a mudança na normativa era uma espécie de "taxação do sol", já que a maior parte das unidades de GD é de energia solar.
Com a pandemia do novo coronavírus, no entanto, o tema acabou sendo deixado de lado. Agora, a expectativa de representantes do setor é de que o debate tenha seu desfecho em 2021, quando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deve finalmente rever a regulamentação da GD.
O cerne da questão é a aplicação do chamado "net metering", o sistema de compensação aplicado sobre os consumidores que têm unidades de geração, como painéis solares. A regra atual foi estabelecida pela Aneel em resolução de 2012. Na primeira revisão da resolução, em 2015, a Agência previa que as normas seriam novamente revistas em 2019.
Por isso, no ano passado, a Aneel apresentou uma proposta ao mercado, e abriu uma consulta pública para colher opiniões a respeito da futura normativa.
Como funciona o modelo atual e qual era a proposta da Aneel
A regulamentação em vigor prevê que cada kWh injetado pelo consumidor de GD na rede da distribuidora possa ser compensado, em até 60 meses, na forma de créditos.
Na prática, uma pessoa que tem painéis solares em casa pode ceder à distribuidora o excedente de sua produção (os sistemas geralmente não têm baterias, já que o armazenamento de energia tem custo muito alto). Depois, em um dia de chuva ou à noite, o consumidor recupera essa energia, já que não precisa pagar à distribuidora pelo consumo. Se, em uma casa, o sistema de energia solar tiver capacidade de suprir toda a necessidade energética, o consumidor deverá pagar apenas o valor mínimo da conta.
A questão é que a tarifa de energia paga pelos consumidores não envolve, apenas, o custo da energia em si. Há encargos e também o custo da rede que, no fim das contas, não são pagos no modelo vigente. Por isso, esses valores acabam sendo repartidos entre os demais consumidores. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), o valor subsidiado foi de R$ 205 milhões em 2018 e de R$ 315 milhões em 2019, podendo chegar a R$ 55 bilhões no acumulado de 2020 a 2035.
A proposta da Aneel era de que a cobrança dos custos da rede e dos encargos fosse implementada de forma escalonada para os consumidores de GD. Para os novos, a cobrança do custo da rede passaria a ocorrer já em 2020. Em 2030, eles também arcariam com os encargos. No caso dos consumidores que já têm GD, a cobrança começaria a valer só em 2031.
Por conta da repercussão negativa da proposta, chegaram à imprensa informações de que o governo estaria pensando em fazer um programa de incentivo à energia solar, denominado Pró-Sol. Até agora, não há nenhuma iniciativa concreta sobre o tema.
Aneel debateu alterações com setor ao longo do ano. TCU determinou fim do subsídio
De acordo com Guilherme Susteras, coordenador do grupo de trabalho de GD da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), a Aneel realizou reuniões semanais com o setor, ao longo do ano, para debater a questão. "A Agência diz que pretende resolver esse assunto até o primeiro semestre de 2021", diz Susteras.
O assunto voltou a sair dos bastidores com uma determinação do TCU, publicada no início de dezembro. No acórdão, a Corte ordena que a Aneel defina, em até 90 dias, um plano de ação para que a diferenciação tarifária aos consumidores de GD seja retirada.
O órgão também recomenda que a Agência dê transparência aos montantes dos subsídios cruzados, "em linguagem acessível ao público leigo, destacando o aumento ocasionado nas suas contas de energia elétrica em decorrência da interligação das unidades produtoras à rede de distribuição".
De qualquer modo, a expectativa do setor de GD é de que a Aneel apresente proposta distinta da que havia sido submetida na consulta pública. "Acho pouco provável que a agência implemente aquelas regras. Primeiro, pela mobilização social que a proposta teve. Segundo, pela própria postura do órgão, de muito diálogo e construção conjunta", afirma Susteras.
Em março, o diretor da Aneel que comandava o processo, Rodrigo Limp, foi nomeado para um cargo no Ministério de Minas e Energia. O posto foi assumido por Efrain Pereira Cruz, que tem conduzido as conversas com o setor.
No Congresso, o Projeto de Lei 5.829/2020, que isenta a GD de encargos, está sendo apreciado em regime de urgência. O texto é de autoria do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).
A Gazeta do Povo pediu um posicionamento para a Aneel e para o Ministério de Minas e Energia (MME) a respeito do assunto.
A Aneel não retornou o pedido. Já o MME respondeu a reportagem no dia 5 de janeiro de 2021, afirmando que o Conselho Nacional de Política Energética emitiu, em 9 de dezembro do ano passado, uma resolução "que estabeleceu como de interesse da Política Energética Nacional que, na formulação e implementação de políticas públicas voltadas à microgeração e minigeração distribuída no país, sejam observadas diretrizes que vão ao encontro de demandas e sugestões apresentadas pela sociedade, entidades representativas e agentes do setor".
A nota do MME diz, ainda, que "as diretrizes têm como objetivo promover segurança jurídica, transparência nos processos e gradualidade na transição de regras, de forma a proporcionar um ambiente propício ao crescimento sustentável e ao desenvolvimento da micro e minigeração distribuída no Brasil".
A resolução completa pode ser acessada neste link.
A primeira versão da reportagem dizia que os créditos de GD tinham validade de 60 dias. Na realidade, o prazo é de 60 meses. A informação foi corrigida.
Corrigido em 06/01/2021 às 10:44