No Super Gula, em Almirante Tamandaré, o destaque são os iogurtes| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Sucessor direto dos antigos armazéns, o mercadinho de bairro é uma instituição brasileira. São mais de 400 mil negócios deste tipo espalhados por — literalmente — o país todo. No interior e nas grandes cidades, eles chegam onde os grandes sequer querem ir.

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Esta versatilidade dá aos pequenos um poder de adaptação, em um momento em que redes de calibre internacional crescem o olho para o que chamam de mercado de proximidade. “Atendemos à crescente demanda dos consumidores, sobretudo dos grandes centros urbanos, por compras rápidas no trajeto de casa ou do trabalho”, explica o diretor executivo do Carrefour Express no Brasil, Douglas Pina, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.

Nos últimos cinco anos, os “mercadinhos” das grandes redes viveram um boom. Foram mais de 350 inaugurações, e um crescimento em faturamento acima de 700%, segundo dados da Euromonitor International. Três bandeiras dominam dois terços deste segmento de proximidade. Além do Carrefour Express há o Minuto Pão de Açúcar e o Mini Mercado Extra (ambas do Grupo Pão de Açúcar, que não quis comentar esta reportagem). O estudo da Euromonitor leva em conta apenas os grandes, e os dados são referentes à categoria “lojas de conveniência”.

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O GPA (que hoje tem no atacado sua “menina dos olhos”) não inaugurou nenhuma unidade de proximidade nos seis primeiros meses deste ano. Já o Carrefour tem planos de inaugurar 20 novos “Express” ainda em 2018, dentro de uma expansão de R$ 1,8 bilhões prevista pelo grupo para todos os formatos de loja. Mas sem cruzar os limites do estado de São Paulo, em um primeiro momento.

O confinamento às divisas paulistas (há poucas exceções, como uma experiência do GPA em Pernambuco) é um indicativo de limitações que as grandes redes têm para expandir seus modelos de proximidade. A começar pelos custos. Embora menores que os “supers” e “hipers”, e que se aproveitam da estrutura já instalada dos grupos, os “mercadinhos” das redes ainda são lojas robustas, com uma operação complexa, com faturamento em uma média de R$ 355 mil por mês.

Com um gasto operacional muito alto, os grandes só conseguem entrar em mercados onde podem ter uma margem de lucro grande, avalia o analista de Competitividade do Sebrae, Luiz Claudius Leite. O que é possível com produtos premium, muitas vezes ligados à gastronomia, como queijos, vinhos e chocolates. E que compensam a margem pequena das frutas, legumes e verduras, por exemplo.

Perfil dos pequenos

Nos pequenos, a realidade é diametralmente oposta, como mostra um mapeamento do setor feito pelo Sebrae. Um em cada oito minimercados é tão pequeno que sequer chega a faturar R$ 5 mil em um mês. Um quinto deles se enquadram como microempresas (faturam até R$ 30 mil). E mais da metade não chega a ter mais do que quatro funcionários.

O Sebrae leva em conta pequenos negócios com até quatro caixas registradoras e faturamento anual de até R$ 4 milhões. E estima que eles respondem por 6% do PIB do país — 35% das vendas do setor supermercadista.

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A distribuição regional destes 416 mil minimercados de bairro também é bem diversa. Entre os cinco estados com mais unidades, por exemplo, há dois do Nordeste. Bahia e Ceará têm, juntos, mais minimercados do que o estado de São Paulo. No outro extremo, Rio Grande do Sul e Paraná também figuram de forma expressiva no ranking.

“A maior parte destes comércios fica em lugares com dificuldade de logística, fora do Centro, onde residem as classes C, D e E. E este é um modelo operacional que eu não sei se o grande topa”, explica Luiz Claudius. O consumidor fiel também pesa para a sobrevivência dos mercadinhos. Metade deles, inclusive, opera no sistema de caderneta, o famoso “fiado”.

Esta proximidade dos consumidores é herança dos antigos armazéns. Ainda hoje, um terço dos mercadinhos mantêm registro dos clientes em formato manuscrito. De forma quase intuitiva, os pequenos colocam em prática técnicas de fidelização que hoje são objeto de investimentos milionários das grandes redes.

Em 2015, quando foi feito o levantamento do Sebrae, um terço dos minimercados já fazia vendas por telefone. O cliente liga ou o próprio comerciante entra em contato para informar que um produto desejado já chegou. É a mesma lógica dos aplicativos recheados de big data e inteligência artificial lançados pelos grandes.

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Fidelização

Estas artimanhas de fidelização se explicam pela experiência destes comerciantes. Muitos não têm formação técnica na área de gestão ou sequer uma escolarização muito alta. Mas estão há muitos anos atrás do balcão. Mais da metade dos mercadinhos brasileiros têm, pelo menos, 10 anos de história. Muitos são bem mais antigos e já passaram de uma geração para outra.

Caso do Dalpar, hoje um supermercado instalado há três décadas na populosa zona Sul de Curitiba. Filho dos fundadores, Helton Parizotto brinca que nasceu “dentro de um carrinho de mercado”. Antes de assumir para valer o negócio, Helton cursou administração, se especializou no varejo e rodou o mundo em busca de tendências para o setor.

Ao lado de um sócio, também um herdeiro mercadista, Parizotto fundou o “fresh market” Verde Mais: um supermercado pequeno, com investimento em tecnologia, focado em perecíveis de alta qualidade, produtos à granel, produtos “gourmet”, e com um apelo para a “comida de verdade”.

A jogada parecia arriscada. A primeira unidade do Verde Mais foi inaugurada em 2016, no auge da crise, em um bairro de classe média afastado do Centro de Curitiba. Deu certo. A segunda unidade (que inclui, além do mercado, uma praça gastronômica) foi inaugurada no início deste ano, em uma região de perfil similar.

O grupo Verde Mais hoje congrega cinco supermercados (sendo três tradicionais, familiares), um box no Ceasa de Curitiba e emprega mais de 300 pessoas. O faturamento, somado, passa dos R$ 4 milhões mensais.

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Regiões afastadas

O iogurte é a grande estrela do mercado Super Gula de Almirante Tamandaré, cidade vizinha a Curitiba. “O pessoal muitas vezes deixa para comprar aqui porque sabe que é mais barato”, conta Caique Carneiro, 23, que toca o negócio ao lado de um sócio, a esposa e um funcionário.

Em regiões mais afastadas, a sobrevivência dos mercadinhos é intrigante. Conforme a renda diminui, parece lógico pensar que os consumidores migrariam para grandes redes, que trabalham com grandes quantidades e, assim, conseguem baratear muitos preços.

É aí que entra a criatividade (como a de Caique, de trabalhar com produtos âncoras muito baratos, como os iogurtes) e a praticidade. “Em geral quem sai mais rápido da crise é o pequeno, porque ele tem o ‘jeitinho brasileiro’ de reduz aqui, muda ali, acaba sendo mais blindado”, avalia Luiz Claudius, do Sebrae.

Além disso, os minis suprem a necessidade compras práticas, do dia a dia, que dificilmente passam de R$ 60. Muitos destes comércios estão em comunidades de difícil acesso, onde os caminhões de fornecedores sequer chegam. O que significa que também não é fácil para os moradores se deslocarem grandes distâncias até um hipermercado.

Capacitação e espírito empreendedor

No Paraná, desde 2014 o Sebrae realiza um programa de capacitação para minimercados, junto a entidades do setor supermercadista. “São empresas consolidadas, há mais de 10 anos no mercado, mas que costumam ter um nível de profissionalismo na gestão muito baixo”, diagnostica Fernanda Pesarini, que coordenou a turma de Curitiba, no programa Top Loja Minimercados.

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Muitos dos estabelecimentos sequer têm sistemas de gestão e controle de mercadorias, algo que hoje em dia pode ser adquirido sem grandes investimentos. O estoque é outro problema. “Como não tinha controle, era tudo no olhômetro, aí chegava o fornecedor com uma super promoção e ele [comerciante] compra sem ter necessidade, sendo que o produto estraga, perece”, conta Fernanda Pesarini. “Isso causa um problema sério em supermecado que é a ruptura de gôndola”, que é quando um produto esgota e não há reposição disponível no estoque, complementa.

A lucratividade, que já é baixa, fica ainda menor com esta ineficiência operacional. Por outro lado, significa que há uma série de ajustes que pode ser feitos na gestão destes estabelecimentos que exigem pouco investimento financeiro. Mas dão muito trabalho.

“Se você alia o espírito empreendedor com a vontade de querer crescer, é possível melhorar e ter grandes transformações, independente de escolaridade. E, como são pequenos, é mais fácil de se adaptar”, conclui Fernanda Pesarini.

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