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As discussões em torno do projeto de reforma tributária já aprovado pela Câmara dos Deputados não se esgotarão com a análise do texto pelo Senado, prevista para ocorrer nas próximas semanas. A versão atual da proposta de emenda à Constituição (PEC) tem pelo menos 46 pontos que ainda precisarão ser regulamentados por meio de lei complementar, segundo levantamento realizado pelo escritório Mattos Filho.
Esse quadro gera debate entre especialistas em direito tributário. A advogada Renata Cubas, uma das responsáveis pelo estudo, explica que, em tese, ao texto da Constituição cabe, de fato, a definição de princípios mais gerais do sistema tributário, enquanto aspectos mais específicos devem ser previstos em normas infraconstitucionais.
“O problema é que nossa prática mostra que ao longo dos anos, aquilo que não vem muito bem previsto na Constituição pode trazer muita insegurança jurídica”, diz. “A gente tem várias situações de temas que dependiam de regulamentação por lei complementar que acabaram afastando o texto daquilo que era a intenção inicial.”
Alexandre Tortato, consultor tributário da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Fazenda, não chega a ver a quantidade de dispositivos dependentes de regulamentação como um problema.“De um modo geral, se a gente pegar nosso sistema, não faz sentido trazer para dentro do texto constitucional muitas minúcias que, de fato, têm que ser outorgados para serem definidos em lei complementar. O que a Constituição tem que trazer é um esqueleto do sistema tributário”, afirma.“Essa reforma visa trazer o que a gente chama de não cumulatividade plena. A PEC tenta em seus pontos principais deixar isso bem claro no texto, e naturalmente delega especialmente questões operacionais para a lei complementar ”, avalia.
O que ficará para depois da PEC da reforma tributária
Entre as regras que ainda precisarão ser definidas após a promulgação da PEC estão as alíquotas e as regras para revisão anual do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o critério de distribuição dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) e o funcionamento dos regimes específicos de tributação.
Um dispositivo do texto estabelece que a alíquota do IBS e da CBS somados não pode implicar em aumento da carga tributária total, mas o porcentual médio de taxação pode subir consideravelmente dependendo da quantidade de setores beneficiados com alíquotas reduzidas.
O governo estima que a alíquota-padrão dos novos impostos sobre consumo deve ficar entre 25,45% e 27%. O economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, por sua vez, estima essa alíquota em até 33,5%, diante dos benefícios tributários, considerando apenas o texto da Câmara.
Um levantamento do movimento Pra Ser Justo mostrou que quase metade das emendas apresentadas por senadores para modificar a PEC da reforma tributária elevariam a alíquota geral do novo sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual a ser criado.
A ideia do governo é apresentar os projetos de lei complementar apenas após a aprovação da PEC pelo Congresso – como a peça deve ser modificada no Senado, o texto ainda precisará voltar à Câmara para nova análise dos deputados.Em julho, durante participação em evento promovido pelo Bradesco, o secretário extraordinário para a reforma tributária, Bernard Appy, disse que a regulamentação do novo sistema tributário brasileiro sobre consumo deve ser dividida em até quatro proposições, que serão entregues no início de 2024.Também dependem de detalhamento por norma infraconstitucional o rol de itens sujeitos ao imposto seletivo; dos produtos que comporão a cesta básica e que, portanto, estarão isentos dos novos tributos; além do modelo de funcionamento, limites e condições para o sistema de devolução de imposto, o chamado "cashback".
"Imposto do pecado" será detalhado só depois da PEC da reforma tributária
“No caso do imposto seletivo, a PEC diz que vai incidir sobre externalidades negativas, só que não sabemos o que vai ser tratado como externalidade negativa”, destaca Renata. “Nosso medo é acabar caindo em uma situação em que a gente tenha novos tributos, com novos nomes, mas que tragam velhos problemas, de insegurança jurídica, de litígio, de desequilíbrio em contratos, por exemplo”, explica.
A ideia do imposto seletivo já era alvo de críticas da oposição ainda durante a tramitação do texto na Câmara. “Os ‘doutores’ petistas resolveram, para o bem da nossa saúde e do planeta, nos cobrar mais impostos”, chegou a escrever o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em suas redes sociais.
Bruno Teixeira, advogado tributarista e sócio de TozziniFreire Advogados, concorda que a preocupação é válida, embora não veja a previsão de regulamentação do chamado “imposto do pecado” como um defeito da proposta em discussão. Ele lembra que as alíquotas do atual Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que será extinto com a reforma, já podem ser alteradas por meio de decreto do Executivo. “Já existe essa maleabilidade”, ressalta.
A forma como funcionará o repasse de recursos do IBS a estados e municípios e ainda o modelo de integração das receitas estaduais para o funcionamento do Conselho Federativo, órgão gestor do novo tributo subnacional, também serão definidos por meio de lei complementar. Outros pontos que dependerão de regulação incluem a forma de devolução dos atuais créditos de ICMS, que serão extintos na reforma.Sulamita Szpiczkowski Alayon, sócia da área tributária do escritório Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, chama atenção ainda para as novas regras em relação ao contencioso tributário após a unificação nacional da legislação sobre o imposto de competência dos entes federativos. “O IBS vai abranger estados e municípios, mas hoje cada estado e cada município tem o seu tribunal administrativo de julgamento”, explica. A PEC não deixa essas questões claras.O relator da PEC no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), deve ler seu parecer com um substitutivo ao texto aprovado na Câmara nesta quarta-feira (25). A expectativa é que o documento seja votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no dia 7 de novembro, para que no dia seguinte seja votado em primeiro turno no plenário da Casa.
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