Belezas naturais, construções em estilo alpino, temperaturas amenas no verão e um friozinho gostoso no inverno e delícias culinárias para agradar paladares de qualquer gosto. Estas são marcas de Gramado e Canela (RS), um dos destinos turísticos mais populares no Sul do Brasil. E a Serra Gaúcha quer se consolidar com outra característica: a sustentabilidade.
Viagens mais sustentáveis são uma das oito tendências em alta entre os turistas, aponta uma pesquisa realizada pela Booking.com, uma das maiores empresas mundiais de e-commerce para viagens no mundo. Quase a totalidade dos viajantes brasileiros (97%) diz que estaria disposta a passar algum tempo praticando atividades que possam compensar o impacto ambiental de sua estadia, e quase metade (46%) se dispõem a recolher plástico e lixo de uma praia ou de outro ponto turístico.
Os desafios do segmento
Outra pesquisa, feita pela mesma empresa, com 18,1 mil pessoas em 18 mercados - sendo 1.000 brasileiros - aponta que 72% dos turistas nacionais acreditam que as pessoas devem mudar seus hábitos agora e fazer escolhas mais sustentáveis de viagem se quiserem preservar o planeta para as futuras gerações. Três em cada quatro declaram que neste ano se sentem mais determinados a fazer escolhas sustentáveis de viagens do que há um ano e 92% afirmam que nos próximos 12 meses pretendem se hospedar em um estabelecimento ecologicamente correto, sete pontos percentuais a mais do que em 2018.
Um dos principais desafios detectados pelo estudo é como aproximar estabelecimentos mais sustentáveis dos turistas. Dois terços dos brasileiros ouvidos não costumam ver ícones destacando que um estabelecimento hoteleiro é sustentável e quatro em cada dez avaliam que uma padronização internacional para classificar e identificar estes empreendimentos ajudariam a identificar este tipo de acomodação.
As dificuldades não param por aí, aponta a pesquisa da Booking.com. Mais de um terço (35%) dos ouvidos sinalizam que não sabem como tornar a viagem mais sustentável. Pesquisas indicam que os viajantes do país poderiam se interessar mais por opções sustentáveis caso incentivos financeiros fossem oferecidos, como redução de impostos, ao escolher opções sustentáveis (57%).
O levantamento também sinaliza que as empresas de turismo têm um papel importante na opinião dos viajantes brasileiros, e 86% deles acreditam que essas empresas deveriam oferecer mais alternativas de viagem sustentável. “O viajante brasileiro está cada vez mais preocupado com a diminuição dos impactos causados por suas férias. No entanto, vemos que a indústria ainda tem pela frente desafios para enfrentar”, diz Luiz Cegato, gerente de comunicação da Booking.com para a América Latina.
Marco Sobrinho, gerente regional da Booking.com, aponta que Gramado é um dos destinos que mais estão preocupados com a sustentabilidade. Outros dois, no Brasil, segundo ele, são Bonito (MS) e Porto de Galinhas (PE).
Preocupação com a sustentabilidade
Desde que assumiram o hotel Bangalôs da Serra, em Gramado, em 2002, a preocupação de Lineu e Marilu Kern tem sido com a sustentabilidade do negócio. Uma das principais preocupações do casal é com questões econômicas. “Se o planejamento não estiver bem embasado, não vai ser possível gerar um impacto social e ambiental”, diz Marilu. “Gestão sustentável é tudo isso”, complementa Ditmar Bellmann, dono da pousada e hotel Blumenberg, de Canela.
Uma das preocupações dos Kern é com a capacitação da mão de obra e a conscientização da comunidade. Mesmo estando em um polo turístico, Marilu aponta que é complicado encontrar pessoal qualificado para o setor hoteleiro. Para isso, estabeleceu parceria com uma escola pública da região com o objetivo de preparar os alunos para o mercado de trabalho.
Outro problema é com a burocracia. Animais na propriedade abasteciam o hotel com ovos e leite, mas diante da ameaça da Vigilância Sanitária em fechar o estabelecimento, devido à falta de certificação da origem desses produtos, a alternativa foi a de capacitar produtores na região para o fornecimento desses itens.
“Os marcos regulatórios são extremamente complexos. É muita burocracia para se adequar”, destaca a hoteleira.
Outra preocupação é com a conscientização dos funcionários dos estabelecimentos. “É um grande desafio”, diz Fabiano Mewius, do hotel Refúgio da Montanha. Uma das estratégias de Bellmann é oferecer, pelo menos, horas de treinamento ao ano para cada funcionário.
Atenção aos mínimos detalhes
Marilu, do Bangalôs da Serra, aponta que sustentabilidade é preocupar-se com os mínimos detalhes. Um dos exemplos que ela cita é o de plantar árvores e flores típicas da região para atrair pássaros da fauna local.
Outra estratégia é investir em energias renováveis. Mais da metade da energia usada no estabelecimento, que tem 48 unidades, é fornecida por uma caldeira movida a biomassa (maravalhas de madeira), que esquentam a água usada no hotel, e por painéis fotovoltaicos. Só com a troca da caldeira, que antes era movida a diesel, a economia de gastos com energia foi de dois terços. A expectativa dos sócios é de que o investimento dê retorno em um período de sete a oito anos.
Produtos tradicionais de limpeza como o hipoclorito e a quiboa foram deixados de lado, Para substituí-los, passaram a ser utilizados produtos biodegradáveis.
“Temos de estar atentos aos mínimos detalhes”, diz Mauro Salles, presidente do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares, Parques e Similares da Região das Hortênsias (Sindtur Serra Gaúcha) e dono da pousada Encantos da Terra, de Canela. A sustentabilidade também passa por uso de meios tecnológicos.
“A proposta de ter um estabelecimento sustentável passa por otimizar recursos, recusar materiais inadequados e valorizar os turistas e a comunidade.”
Uma das táticas de Salles foi a de reduzir o desperdício de energia e de água na propriedade. O uso de restritores de vazão nos chuveiros foi uma das medidas que permitiu que o consumo de água fosse reduzido em 32% desde 2012. E medidas como o desligamento de frigobar quando os apartamentos estão desocupados, a instalação de timers e sensores de presença e a troca de aparelhos de ar condicionado tradicionais por aqueles com tecnologia inverter contribuiu para a redução do consumo de energia em 23%.
Estratégia similar foi adotada por Bellmann. Desde 2012, a propriedade conseguiu reduzir o consumo médio de água por hóspede/dia em 36% e lenha reflorestada e manteve o de energia, mesmo investindo na instalação de elevador, secador de cabelo em todos os quartos, banheiras de hidromassagem, bombas, fornos elétricos, lavadora de louça e mais computadores. Os investimentos em melhorias chegaram a R$ 282 mil.
Contas na ponta do lápis
Tanto Salles, quanto Bellmann e os Kern, tem as contas na ponta do lápis. Há uma obsessão em registrar tudo o que é feito e é gasto. Um dos exemplos é quanto aos resíduos produzidos, que são quantificados e tipificados. O objetivo é o de reduzi-los.
“Isto dá trabalho na implantação, mas depois de estruturado são gerados indicadores que facilitam o planejamento das atividades”, diz Salles.
O conjunto de medidas possibilitou que o dono da Encantos da Terra mais do que dobrasse a capacidade do empreendimento, que passou a ter 23 unidades habitacionais. A redução de custos se refletiu em um aumento na lucratividade, que possibilitou o pagamento de uma remuneração acima da média praticada na região, o oferecimento de planos de remuneração variável aos oito funcionários e a manter a competitividade no preço das diárias. Isto em um cenário de economia desaquecida e aumento na concorrência, causada pelo aumento no número de estabelecimentos que cobram aluguel por temporada.
“Ser sustentável nos ajuda a ser competitivos e contribui para aumentar a retenção de talentos”, destaca o empresário.
Para Bellmann, investir em sustentabilidade permitiu que a empresa dobrasse a sua capacidade, aumentasse o número de colaboradores, melhorasse a hospitalidade e resultados e ganhasse espaço no mercado. “Estabelecemos parcerias com empresas do setor e pousadas concorrentes com estratégias cooperativadas que fidelizam, valorizam e beneficiam os clientes e ainda aumentam a receita dos negócios, diminuem a sazonalidade e estimulam o turismo.”
Valorização da comunidade
Mas não são só aspectos econômicos e ambientais que norteiam as estratégias sustentáveis dos hoteleiros da Serra Gaúcha. “Há, também, uma preocupação em valorizar o que a comunidade produz”, diz Salles, que cita a divulgação do artesanato local e a prioridade a fornecedores locais.
Um dos exemplos é a amora orgânica utilizada nas geléias servidas aos hóspedes no hotel Blumenberg, de Canela. Ditmar Bellmann, dono do estabelecimento, destaca que foi feita uma parceria com fornecedores da região.
Outro é um programa que integra a zona rural de Gramado às atividades turísticas, que existe há mais de 10 anos. O objetivo é criar fontes de renda alternativas para pessoas como Gilberto Perini, que produz vinhos; Fátima Marcon, especializada em geléias e sucos; Romeu Rossa, que fabrica cachaça e licores artesanais; Jovani Bareta, dono de um salão onde é servido café colonial e do gaiteiro Jovir Jorge Rodrigues. Em 2016, o campo era responsável por 1% do PIB do município, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2000, esse percentual era de 3,8%.
O envolvimento com a comunidade também passa por apoiar projetos públicos, eventos da região e engajar-se com projetos sociais, seja no apoio ou na gestão. “Também tivemos de criar mais alternativas para atrair turistas à região”, diz Bellmann. Entre eles, estão eventos técnicos e congressos profissionais, que levam um público diversificado à Serra Gaúcha. “A concorrência com cidades como Campos do Jordão (SP) e Bariloche (Argentina) é grande.”
Um dos próximos desafios é a implantação de um aeroporto na região, para facilitar o acesso dos turistas à região. O principal acesso à região é feito pelo Aeroporto Internacional de Porto Alegre, a 120 km de distância. O terminal mais próximo da região é do Caxias do Sul, a 73 km, mas enfrenta restrições de operação e de expansão.
*O jornalista viajou a Gramado a convite da Booking.com
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