A manobra fiscal do governo para engordar o Auxílio Brasil e a aceleração da inflação em outubro podem levar o Banco Central a promover a maior alta da taxa básica de juros (Selic) em 19 anos, desde a primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência. O Comitê de Política Monetária (Copom) deve divulgar sua decisão até o início da noite desta quarta-feira (27).
A alteração no índice que corrige o teto de gastos, anunciada na semana passada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, tem como objetivo atender à pressão do presidente Jair Bolsonaro por um benefício maior no Auxílio Brasil. Com isso, o programa social que substituirá o Bolsa Família deve pagar ao menos R$ 400 por mês até o fim de 2022, ano eleitoral.
A mudança foi inserida na PEC dos precatórios, que já passou por comissão especial e pode ser votada pelo plenário da Câmara nesta quarta. Porém, a PEC não servirá apenas para bancar o programa social.
Segundo cálculo de técnicos do Congresso divulgado pelo "Valor", parte do espaço fiscal aberto pelo teto mais elevado tende a ser ocupado por outros gastos, como uma ampliação do Fundo Eleitoral, que assim chegaria a até R$ 5 bilhões, e por R$ 16 bilhões em emendas de relator do Orçamento, que costumam ser usadas para bancar obras em bases eleitorais de alguns parlamentares.
Consultorias, bancos e corretoras viram na manipulação da âncora fiscal uma porteira aberta para novas concessões nos próximos meses. Com isso, as instituições têm promovido uma onda de revisões – para pior – nas projeções para a economia brasileira, o que inclui um aumento na Selic mais forte que o esperado anteriormente.
A pressão cresceu nesta terça-feira (26), quando o IBGE divulgou a prévia da inflação de outubro. O IPCA-15 acelerou no mês e veio acima das expectativas, contrariando previsão do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para quem o pico da inflação em 12 meses teria sido alcançado em setembro.
Nas últimas duas reuniões, o Copom reajustou a Selic em 1 ponto porcentual (pp), levando-a a ao nível atual de 6,25% ao ano. Embora não seja uma unanimidade, cresceu a percepção de que o ritmo será acelerado nesta quarta-feira. Há previsões de alta de 1,25 pp ou 1,5 pp, e algumas até maiores, de 2 pp ou 3 pp.
Uma alta acima de 1 ponto vai significar o maior aperto monetário desde 17 de dezembro de 2002, quando o Copom elevou a Selic em 3 pp de uma só vez. Na época, a autoridade monetária trabalhava para conter a alta do dólar e da inflação após a vitória de Lula nas eleições presidenciais.
Aquele ciclo de alta havia começado em 14 de outubro de 2002, uma semana após a vitória de Lula no primeiro turno, com um aumento de 3 pp na Selic. Depois, a taxa subiu 1 pp em 19 de novembro e 3 pp em 17 de dezembro. E ainda subiria mais duas vezes, em 21 de janeiro (0,5 pp) e 19 de fevereiro de 2003 (1 pp), já na gestão petista. Com isso, a Selic chegou a 26,5% ao ano.
Mercado piorou projeções para a taxa Selic após mudança no teto e alta da inflação
Na sexta-feira (22), após a divulgação da nova regra do teto de gastos, o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, disse que o "enfraquecimento do arcabouço fiscal vigente no Brasil" foi o "gatilho" para mudanças nos prognósticos para a economia brasileira.
Megale trabalhou na equipe de Paulo Guedes na transição de governo e foi diretor de programas da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia até julho de 2020.
"A mudança no quadro fiscal muda o cenário-base do Banco Central, que deverá agir tempestivamente. Esperamos agora uma aceleração no ritmo de alta da taxa básica Selic nas duas próximas reuniões do Copom, em outubro e dezembro", disse o economista, que antes esperavas duas altas de 1 pp na Selic e agora projeta duas de 1,5 pp, além de aumentos de 1 pp e 0,75 pp no início de 2022.
Na segunda-feira (25), o Itaú divulgou uma revisão de todas as suas projeções para o país. Nela, o banco passou a prever duas altas de 1,5 pp na Selic neste ano e mais duas de 1 pp no início de 2022. Com crédito mais caro e piora em outras variáveis, o banco agora projeta recessão em 2022, com o PIB caindo 0,5%.
"O aumento da incerteza fiscal implica em um risco-país mais alto, maior depreciação do real, piores perspectivas para a inflação e, em última instância, uma taxa de juros neutra mais alta. Levando em consideração esses fatores, entendemos que o Copom entrará em regime de contenção de danos", disse o Itaú em relatório.
Também na segunda-feira, o Banco Fibra passou a projetar dois aumentos de 1,25 ponto na taxa básica, nesta e na próxima reunião do Copom. "Considerando o novo quadro fiscal, mais relaxado, acreditamos que a reação do Copom será apertar tempestivamente a política monetária", afirmou o banco em comunicado.
O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, também mudou suas projeções e agora vê elevação de 1,5 pp nesta e na próxima reunião do Copom. Em texto distribuído na terça (26), ele atribui a decisão à piora das projeções para a inflação em 2022, cujo ponto médio chegou a 4,4% no boletim Focus mais recente. "O Banco Central não deverá ser conivente com mais essa aceleração", disse Sanchez.
Porém, a perspectiva de aceleração no ritmo de altas da taxa básica não é unânime. Ainda há quem advogue que o BC não ceda aos "pânicos" do mercado e mantenha o ritmo de alta em 1 pp por reunião.
"Se fosse para o Banco Central criar impacto, a alta de 2 pp, com contrato de mais 2 pp, leilões de linha e de swaps em grandes volumes, semelhantes ao mandato do BC durante o período Dilma, seriam o contexto de maior choque no mercado", disse o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira.
"Ainda assim, não advogamos por tal premissa, pois em realidade seria de grande importância que o Banco Central reforçasse aquilo que deixou claro em ata e comunicado sobre não ceder aos pânicos de parte dos analistas e traders à leitura de dados de alta frequência, elevando aquilo que foi contratado na reunião anterior, ou seja, 'somente' 1 pp", completou Vieira.
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