A suspeita de que a Telebras possa ter realizado uma manobra contábil foi confirmada pela própria empresa ao Tribunal de Contas da União (TCU) após a Corte pedir mais informações e esclarecimentos a pedido do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado. Havia a suspeita de que a estatal postergou o pagamento de R$ 77 milhões em dívidas a fornecedores, transferindo para o orçamento deste ano.
A irregularidade foi revelada pelo UOL em setembro e usada por Furtado na representação ao TCU, que confirmou o teor à Gazeta do Povo. Nesta segunda (4), em um novo desdobramento da apuração, a Telebras confirmou a “pedalada” e apontou que o rombo pode ser ainda maior, alcançando R$ 184 milhões no ano que vem.
A Gazeta do Povo procurou a Telebras e o TCU ainda pela manhã e aguarda retorno. Já o Ministério das Comunicações (MCom), a quem a estatal é vinculada, afirmou que a empresa tem uma gestão autônoma e que encaminhou todos os pedidos de suplementação orçamentária à Secretaria de Orçamento Federal (SOF), do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) (veja mais abaixo).
Ao UOL, a Telebras afirmou que vai se manifestar no processo do TCU.
De acordo com o desdobramento da apuração, parlamentares do partido Novo solicitaram ao TCU que investigasse a suspeita de pedalada. O ministro Antonio Anastasia, relator do processo, cobrou explicações da Telebras e do MCom e recebeu como resposta da estatal que o uso da DEA (Despesas de Exercícios Anteriores) é uma ferramenta legítima.
O TCU, no entanto, afirmou que só deve ser aplicada apenas em casos excepcionais, já que, quando usada fora das normas, pode provocar distorções fiscais, impactar o planejamento do governo e até acumular dívidas para a União.
Ao defender a DEA, a Telebras afirmou ter informado “todas as partes interessadas”, mas sem especificar quais órgãos ou ministérios foram notificados.
Segundo a apuração, o MCom diz ter realizado reuniões ministeriais em março e abril com os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Juscelino Filho (da própria pasta) e outros representantes para tratar dos riscos orçamentários da Telebras. A Fazenda, contudo, esclareceu que não tem responsabilidade sobre a administração orçamentária ou operacional de outros ministérios ou estatais.
A Telebras argumentou ao TCU que o uso da DEA tornou-se “inevitável” para manter a continuidade dos serviços oferecidos a escolas públicas, agências do INSS e no controle do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), operado em parceria com o Ministério da Defesa.
Para 2023, a empresa relatou ao tribunal ter enviado sete pedidos de ampliação orçamentária aos ministérios das Comunicações e do Planejamento e ao Senado, mas obteve três recusas e quatro solicitações sem resposta.
Em setembro, seis dias após a reportagem sobre a “pedalada” ser publicada, o governo federal liberou R$ 80 milhões para a Telebras, um valor que a estatal classificou como insuficiente para cobrir todas as despesas. A previsão de dívida DEA para 2025 é de R$ 264 milhões, e a Telebras espera que o rombo diminua caso haja novas liberações de recursos.
Caso contrário, o impacto somado de 2023 e 2025 pode chegar a R$ 258 milhões, segundo a apuração.
O TCU solicitou esclarecimentos sobre as medidas adotadas pela Telebras desde a publicação da reportagem. Em resposta, a estatal informou ter criado, em maio, um grupo de trabalho para desenvolver um plano de sustentabilidade e, em setembro, um novo grupo para avaliar o impacto das limitações orçamentárias e propor melhorias nos processos internos.
Referência a Dilma e sabotagem
Os indícios de irregularidades financeiras e orçamentárias foram confirmados em um relatório interno da Telebras obtido pelo UOL através da Lei de Acesso à Informação (LAI). Segundo o documento, a estatal havia solicitado recursos extras ao MCom e MPO em 2023, mas diante da negativa, optou por utilizar a manobra contábil, comprometendo parte do orçamento de 2024.
Na época da revelação das pedaladas, Furtado escreveu na representação que a prática “já resultou no impeachment de uma presidente”, em referência a Dilma Rousseff (PT) em 2016.
“A dependência financeira dessas empresas impacta diretamente o orçamento público, uma vez que os recursos destinados a cobrir suas despesas reduzem a capacidade de investimento do governo em outras áreas essenciais, como já comentado”, observou.
Além da pedalada fiscal, Furtado também verificou a possibilidade da Telebras ter sofrido um “sucateamento” durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) “com vistas a sua posterior privatização”. Essa suposta sabotagem, segundo ele, agravou a situação financeira da empresa ao gerar um acúmulo de dívidas que a atual gestão tenta solucionar.
“Uma das consequências desse processo foi o acúmulo de dívidas com fornecedores, cujo problema está sendo equacionado pela atual gestão, após a sua retirada do Programa Nacional de Desestatização”, escreveu reproduzindo trecho da apuração do UOL.
Veja o que disse o MCom sobre a apuração:
"A Telebras é uma empresa com gestão autônoma, com diretoria e conselhos de administração e fiscal que são responsáveis pelas decisões administrativas, operacionais e financeiras adotadas pela companhia. A atribuição do Ministério das Comunicações é supervisionar a execução de políticas públicas para que estejam alinhadas com as diretrizes do governo federal.
A pasta encaminhou todos os pedidos de suplementação orçamentária para a Secretaria de Orçamento Federal (SOF), do Ministério do Planejamento e Orçamento.
Sobre as conexões do Gesac, elas foram desativadas por diversos motivos, incluindo a substituição por alternativas mais rápidas que a satelital, como a fibra óptica. Estão em andamento negociações para atender escolas públicas e postos de saúde, com previsão de atingir 20 mil pontos."
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