Concessionária em Curitiba: financiamento de veículos está entre as atividades mais afetadas pelas restrições ao crédito| Foto: Valterci Santos/ Gazeta do Povo

Veículos

Financiamento sem entrada custará mais a bancos

O consumidor terá, a partir de agora, mais dificuldade para comprar veículos sem entrada. Pelas normas anunciadas pelo Banco Central, haverá restrições de recursos para financiamentos com prazo superior a 24 meses. Pela nova regra, para não cair na restrição, os bancos deverão exigir uma entrada de pelo menos 20% nos financiamentos entre 24 e 36 meses para carros novos ou usados.

Nos parcelamentos entre 36 e 48 meses, a entrada sobe para 30%. Entre 48 e 60 meses, para 40%. Todas as vendas de veículos com prazo superior a 60 meses terão restrição, independentemente da entrada.

Para restringir essas operações, o BC vai exigir que os bancos façam uma reserva de capital 50% maior para garantir esses empréstimos. Hoje, para cada R$ 100 emprestados, o banco precisa ter uma reserva de R$ 11. Nos financiamentos que o BC classificou como de "prazos muito longos ou garantias insuficientes", o valor da reserva sobe para R$ 16,50. Isso significa que, se o banco fizer essas operações, terá menos recursos para emprestar.

Regra similar foi adotada para os empréstimos consignados acima de 36 meses e para o crédito pessoal ou aquisição de bens acima de 24 meses. Em todos os casos, os bancos poderão oferecer as operações se elevarem a reserva, mas isso encarece e desestimula o financiamento. A medida vale somente para novos empréstimos, concedidos a partir da próxima segunda-feira.

Como o BC quer restringir apenas o crédito ao consumo, não haverá restrição de prazo para crédito imobiliário, rural ou aquisição de veículos de carga com capacidade de transporte acima de duas toneladas, como caminhões. O crédito a pessoas jurídicas também não foi afetado.

Folhapress

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Demorou um pouco, mas o Banco Central finalmente reconheceu o risco de uma bolha de crédito no Brasil. Por isso, medidas anunciadas ontem pela instituição devem colocar um freio em financiamentos a perder de vista, como os que vinham sendo oferecidos especialmente para a venda de automóveis. Para diminuir a liquidez da economia brasileira, a intervenção reduzirá o dinheiro disponível para empréstimo no mercado, onerando os consumidores.

O adicional de compulsório sobre depósitos à vista e a prazo, quantia que os bancos são obrigados a manter no BC, será elevado de 8% para 12%. O compulsório efetivo sobre transações a prazo – que os bancos devem manter em carteira, mas sem liberdade para emprestar – aumentará de 15% para 20%. O BC estima que as medidas retirem R$ 61 bilhões de circulação.

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A ação da autoridade monetária tem efeito direto no consumo e procura evitar os efeitos colaterais de uma economia muito aquecida. Com menos dinheiro à disposição dos bancos, as taxas de juros pagas pelas empresas e pessoas físicas devem ficar maiores. O encarecimento do crédito, por sua vez, reduz a demanda por financiamentos e empréstimos. Uma simulação feita pelo economista-chefe do Bradesco, Octavios de Barros, prevê que a medida do BC deve elevar os juros em um ponto porcentual.

Outra preocupação do Banco Central é conter a pressão inflacionária, que vem crescendo nos últimos meses. A inflação deve fechar o ano num patamar próximo ao máximo da meta estabelecida pelo governo. O centro da meta é um aumento geral nos preços de 4,5%, com oscilação de dois pontos porcentuais para cima ou para baixo, e a previsão do mercado é de que o índice feche 2010 em 5,72%.

"As medidas demonstram que já há uma preocupação do Banco Central com o retorno da inflação. Com a alta nos juros, os consumidores vão gastar menos, o que vai reduzir a demanda. Isso tem impacto direto no PIB [Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas produzidas no país]. A inflação ocorre por uma aceleração muito forte da economia, e essas medidas buscam frear um pouco esse crescimento", afirma o economista Cláudio Considera, professor de Macroeconomia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Selic

O instrumento utilizado pelo BC é uma alternativa a um aumento da taxa Selic, mas com a vantagem de não aumentar a atratividade do país para o capital estrangeiro. A alta na taxa básica de juros significa maior retorno para os investidores, que vêm encontrando nas economias emergentes, inclusive o Brasil, uma opção vantajosa a aplicações de dinheiro nos países ricos. Esse fluxo de dólares em direção ao país valoriza a taxa de câmbio e acaba gerando críticas dos exportadores, que alegam perda de competitividade de seus produtos no mercado externo.

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Para analistas, a medida anunciada ontem praticamente elimina a possibilidade de uma alta na taxa Selic, hoje em 10,75% ao ano, na semana que vem, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para discutir o assunto. "Estas medidas ampliam as alternativas de caminhos para a condução da política monetária e poderão permitir que a Selic se mantenha no patamar atual, tanto na semana que vem como nos próximos meses, e que venha até a ser reduzida nos próximos anos", diz o presidente da Associação Nacio­nal dos Executivos de Finanças, Administração e Conta­bilidade (Anefac), Andrew Frank Storfer.

O presidente do BC, Henrique Meirelles, afirmou que o aumento do compulsório é apenas um recuo nas políticas de incentivo criadas pelo governo durante a crise financeira mundial. Em 2008, no auge da crise, o BC reduziu essas mesmas alíquotas que aumentou ontem, liberando cerca de R$ 100 bilhões para os bancos. Uma primeira retirada nesses incentivos já havia sido feita em março e abril deste ano, quando a autoridade monetária "recuperou" cerca de R$ 70 bilhões. Somadas as últimas duas medidas, o recolhimento compulsório fica R$ 10 bilhões acima do nível pré-crise, o que de­­monstra que de fato há uma preocupação do BC com o surgimento de uma bolha de crédito.

Aperto

Objetivo das medidas anunciadas ontem é frear o aumento do crédito ao consumo, um dos principais responsáveis pelo ritmo de crescimento da economia e da inflação

Compulsório - O BC obriga os bancos a depositar em uma conta (no próprio BC) parte dos recursos captados dos seus clientes nos depósitos à vista, a prazo ou poupança. O chamado "depósito compulsório'' é um instrumentos do BC para controlar a quantidade de dinheiro que circula. Quando aumenta o compulsório, o BC "tira" dos bancos dinheiro que seria usado para emprestar aos clientes.

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É o que o BC anunciou ontem: bancos terão de deixar depositados no BC R$ 61 bilhões a mais.

Garantia de prazos - O BC obriga os bancos a reservar um porcentual do seu patrimônio como garantia de empréstimo. Agora, ele irá pedir um porcentual maior para empréstimos mais longos (superiores a 24 meses no crédito ao consumo e 36 meses no crédito consignado). Como resultado, além de reduzir o dinheiro disponível para empréstimos, o BC encarece os financiamentos mais longos, estimulando prazos menores.

Operações que serão desestimuladas - No financiamento de veículos (crédito direto e leasing) de 24 a 36 meses, o BC recomenda que o banco exija entrada acima de 20%; se o empréstimo for de 36 a 48 meses, a entrada mínima recomendada é de 30%; de 48 a 60 meses, a entrada não pode ficar abaixo de 40%. Se o financiamento for de 60 meses ou mais, independentemente da entrada, o banco terá de fazer uma reserva maior para cobrir eventual calote. Também será desestimulado o consignado acima de 36 meses e o empréstimo direto ou para aquisição de bens acima de 24 meses. Ficam de fora o crédito rural, habitacional, aquisição de caminhões e ônibus e empréstimos com recursos de fundos ou programas do governo. O crédito para empresas também não será atingido.

Próximos passos - O BC já indicou que deve aumentar a taxa básica de juros a partir de dezembro ou janeiro, e membros da nova equipe econômica prometeram cortes de gastos em 2011 para ajudar a desaquecer a economia.

O que ainda pode ser feito - Aumento de impostos (especialmente IOF) e novas elevações dos compulsórios.

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Quem tomou a decisão - A diretoria do Banco Central, o que inclui o atual diretor e futuro presidente da instituição, Alexandre Tombini; e o Conselho Monetário Nacional, presidido pelo ministro Guido Mantega, que continuará no comando da Fazenda.