O agronegócio, que abraçou desde o início a campanha de Jair Bolsonaro (sem partido) à Presidência, começa a rachar. Preocupados com a imagem do setor no exterior, líderes temem que a política do governo prejudique os seus negócios.
Nas últimas semanas, representantes de peso no setor manifestaram suas inquietações em função de declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião ministerial do dia 22 de abril. No encontro, Salles disse que o governo deveria aproveitar que a mídia estava com a atenção voltada à pandemia do coronavírus para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
Um dos líderes mais influentes no setor, Pedro de Camargo Neto, conselheiro e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), renunciou ao cargo após a entidade, junto com outras do setor, assinarem um manifesto em apoio ao ministro. Os representantes da agroindústria, sobretudo exportadores, e a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), presidida por Marcello Brito, também decidiram evitar o endosso.
Segundo o jornal Estado de São paulo, boa parte dos conselheiros da SRB estava a favor de Camargo, mas foi pressionada pela ala bolsonarista da entidade a dar apoio público a Salles. Desde então, a presidente da entidade, Teka Vendramini, está buscando “o caminho do meio” para apaziguar os ânimos em uma das mais antigas associações de classe do setor, fundada em 1919. “A SRB é plural e apoia boas ideias e ações do governo, mas não de forma irrestrita”, disse ela, ao ser procurada pela reportagem.
Bolsonarista, Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, minimiza a crise. “Camargo e Brito não representam o agronegócio e atuam como militantes políticos do PSDB”, disse Garcia, que também faz parte da União Democrática Ruralista (UDR).
Na alta cúpula do Ministério do Meio Ambiente, o racha é contemporizado. “As críticas vêm de fazendeiros da Faria Lima que nunca pisaram no campo”, disse uma fonte próxima a Salles.
O agronegócio tem sido um dos poucos setores do Brasil que dá certo. Em meio à pandemia, a expectativa é que o PIB do agronegócio passe a responder por 23,6% do total do País - no ano passado, ficou em 21,4%.
Lideranças do setor já estão se desentendendo desde o ano passado, quando as queimadas avançaram sobre a região da Amazônia e escancararam o desalinhamento entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente sobre o tema.
Entre o fim de março e abril, a situação ficou mais delicada por conta de uma crise diplomática provocada pelas declarações do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, e do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, responsabilizando a China pela pandemia - deixando em lados opostos agricultores e a agroindústria.
Disputa de espaço no governo
O risco de perder mercado no exterior, por conta da imagem arranhada do Brasil, colocou em alerta agroindústrias e grandes produtores de grãos no país. Em meio à pandemia do coronavírus, investidores estrangeiros, sobretudo da Europa, ameaçam não comprar produtos brasileiros por conta do alto índice de desmatamento.
“De fato, tem se instalado no governo uma visão extremamente antiga, que o ministro (Ricardo) Salles representa, de um discurso mais agressivo, que agrada à ala mais radical do governo”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados.
Duas agendas diferentes pautam atualmente o agronegócio, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão. De um lado, uma ala mais “ideológica”, representada pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), e outra que prega conceitos mais liberais e é pragmática, integrada pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
“Aí tem racha mesmo. Não é a única pasta (do governo) em que aparece essa dicotomia. Tem a educação e o comércio exterior. Mas a agricultura é o único segmento da economia que está crescendo. É um embate sério e que pode nos custar bastante”, diz Mendonça de Barros.
Para Mendonça de Barros, o tema de desburocratização do setor, que deu origem à fala da “boiada” do ministro Salles e gerou a mais recente polêmica no setor, merece atenção, mas não é o principal gargalo.
“O grosso dos agricultores está mais alinhado com a ministra e o que ela representa. Não precisa queimar um hectare de floresta para aumentar a produção agrícola e atender à demanda crescente aqui e lá fora. A questão da sustentabilidade virou um tema do mundo, não só da Europa”, diz.
Parte dos agricultores e da agroindústria ouvidas pelo Estadão, sob condição de anonimato, teme que a ministra da Agricultura perca força, por conta da pressão, para a ala "ideológica".
O secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, vê exagero nessas preocupações e diz que o Brasil não pode entrar “nas maluquices de ONGs.” Garcia representa uma ala mais alinhada a Bolsonaro.
Para o presidente da Frente Parlamentar da Agricultura, deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), não há agronegócio rachado. Segundo ele, em um setor do tamanho do agro brasileiro, que tem 47 instituições, não há unanimidade. “Tem muito ambientaloide querendo dar uma carga ideológica para este processo. Pode ter discordância em alguns temas, mas não racha.”
O agro brasileiro, segundo o parlamentar, tem de ser visto daqui para a frente como uma moeda política, assim como o petróleo é para a Arábia Saudita. “Ninguém consegue sentar para discutir segurança alimentar para as próximas duas décadas sem trazer o Brasil para a mesa. Isso incomoda muita gente.”
Tema caro ao agronegócio, a crise diplomática com a China, principal importador de produtos nacionais, será discutida entre parlamentares e representantes do Instituto Pensar Agro no próximo dia 30. “A China não vai deixar de comprar do Brasil por fuxicos laterais. Se tem de fazer uma crítica a posições de membros do governo à China, vai ser feita de maneira muito clara”, diz Moreira.
Procurados para comentar o assunto, os ministros da Agricultura, Tereza Cristina, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não retornaram os pedidos de entrevista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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