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Dificuldades para avançar com as reformas, tensões políticas – entre elas, os vaivéns na relação entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF) – e muita incerteza pelo lado das contas públicas. As turbulências no cenário político e os temores de "populismo fiscal" com vistas às eleições de 2022 estão contaminando o ambiente econômico, mesmo diante das expectativas de um crescimento próximo de 5% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2021, que seria o maior em 11 anos.
O panorama político complexo, faltando pouco mais de um ano para as eleições, dificulta uma queda mais consistente na taxa de câmbio – que seria a consequência natural do alto preço das commodities e do bom desempenho das exportações – e o combate à inflação.
O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu o problema. "Esse dólar já era para estar descendo, mas o barulho político não deixa descer", disse ele na terça-feira (14).
Outro efeito da instabilidade é que a bolsa não avança tanto quanto poderia, mesmo após os bons resultados das empresas no segundo trimestre.
Em 8 de setembro, dia seguinte aos atos em que Bolsonaro voltou a criticar o STF, a B3 fechou o dia em queda de 3,75%, no pior desempenho em seis meses. Na ocasião, o dólar teve a maior alta diária em pouco mais de 14 meses – subiu 2,84% no fechamento.
Esses movimentos foram revertidos na sequência, em especial depois que o presidente soltou uma declaração à nação afirmando que nunca teve intenção de agredir quaisquer dos Poderes. Porém, dado o histórico da relação entre Bolsonaro e o STF, o mercado permanece com o pé atrás, desconfiado do que pode ocorrer daqui em diante.
Analistas da XP Investimentos apontam que os desentendimentos entre Executivo, Judiciário e Legislativo dificultam a resolução de questões econômicas – como o imbróglio dos precatórios e o avanço das reformas e privatizações no Congresso – e agravam o risco fiscal, que já era alto. Isso afeta os juros futuros e os prêmios da renda fixa.
Paulo Gama, analista político da XP, aponta que, apesar da nota apaziguadora emitida pelo Planalto na semana passada, “o histórico nos permite esperar que essa característica de enfrentamento, e a instabilidade que se cria a partir dela se mantenha".
Na avaliação de Gama, não se espera uma escalada ininterrupta, mas sim altos e baixos, momentos de maior ou menor tensionamento. “Esse movimento é intensificado diante da proximidade do período eleitoral de 2022”, diz.
“As atenções também estarão voltadas para a evolução do cenário político, em especial para as votações no Congresso Nacional, como as discussões sobre o Orçamento de 2022, referente às despesas de precatórios”, aponta o economista-chefe do banco Fibra, Cristiano Oliveira.
Combinação de riscos piora cenários
A combinação de riscos tem elevado as projeções para o câmbio, a inflação e a taxa básica de juros. E reduzido as estimativas para o PIB.
Há cinco semanas, o mercado financeiro projetava um crescimento econômico de 5,3% neste ano, segundo a mediana das projeções do relatório Focus, do Banco Central. Agora, o boletim mais recente aponta para uma alta de 5,04%. Para 2022, o ponto médio das expectativas caiu de 2,05% para 1,72%. Esse índice ainda pode cair mais, a julgar pela onda de revisões provocada pela estagnação da economia no segundo trimestre.
Essa piora de humor no Brasil ocorre enquanto o mercado internacional dá mostras de estar um pouco mais animado. Enquanto os mercados mundiais se recuperam, como é o caso dos Estados Unidos, a bolsa brasileira amarga uma queda de aproximadamente 3% desde o início do ano, mesmo em um cenário microeconômico favorável às empresas. No mesmo período, o risco-país do Brasil, medido pelo CDS de 5 anos, teve uma alta de 25%, segundo a Investing.com.
O risco político e a perspectiva de eleições acirradas em 2022, somados ao risco fiscal, estimulam exportadores a manter parte de seus dólares fora do Brasil – mais de US$ 40 bilhões estão lá fora, segundo dados do Banco Central e da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Com isso, a oferta de dólares no mercado brasileiro não aumenta tanto quanto poderia, o que impede uma queda mais forte das cotações.
E mesmo as notícias positivas vinda do lado fiscal – como o déficit primário menor que o esperado e o melhor desempenho da arrecadação tributária desde o início do século – não animam a economia.
“O desempenho anual positivo pode acabar por representar mais um risco do que um alívio diante da complexa situação fiscal atual, se visto como ‘bônus fiscal’ para o ano eleitoral”, assinala Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos.
Eleições tendem a deixar contas públicas mais pressionadas
E é justamente em um cenário eleitoral que as discussões sobre contas públicas ganham mais força, diz o analista Davi Lelis, da Valor Investimentos. “É quando os governos ficam mais propensos a adotar medidas mais populistas.”
Um dos exemplos é a questão dos precatórios. O governo tem um montante de R$ 89 bilhões a pagar no próximo ano, mas busca parcelar uma parte desse montante. Já enviou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) ao Congresso e, em paralelo, participa de uma negociação no mesmo sentido envolvendo o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Essa negociação perdeu força após declarações de Bolsonaro no 7 de Setembro, mas o ministro Paulo Guedes ainda clama por ajuda. "Como reajo? Socorro, ministro [Luiz] Fux [presidente do STF]; socorro, presidente [Rodrigo] Pacheco [do Senado]. Como posso manter nossas obrigações, um aumento no Bolsa Família, que todo mundo sabe que é necessário?", disse Guedes na quarta-feira (15).
O objetivo do parcelamento é abrir espaço para outras despesas – como a ampliação do Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família – sem descumprir o teto de gastos.
A medida não é bem-vista por boa parte do mercado financeiro. “Isto representa um calote da União e dá uma leitura negativa para o mercado financeiro”, diz Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos.
Segundo Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, o parcelamento muda a dinâmica da dívida pública, uma vez que a folga orçamentária não será poupada para pagamentos de compromissos futuros. “Assim, a trajetória da dívida bruta do governo, que já não era muito saudável, ganha dinâmica ascendente, principalmente para as gerações futuras.”
Contaminação do combate à inflação
Os impactos dessa incerteza fiscal podem contaminar o combate à inflação. “Quanto mais tempo perdurar, menores as chances de convergência da inflação para a meta no próximo ano, uma vez que a deterioração do quadro econômico vai se consolidando, mesmo antes da definição quanto à manutenção ou alteração do regime fiscal”, apontam economistas do Bradesco.
Um dos fatores que influenciam os preços no Brasil é a taxa de câmbio. Segundo a mediana das projeções de instituições financeiras coletadas pelo mais recente relatório Focus, do Banco Central, o dólar deve encerrar o ano em R$ 5,20 – cinco semanas atrás, a aposta era de R$ 5,10.
O ponto médio das expectativas de mercado em relação à inflação – tanto em 2021 quanto em 2022 – também está aumentando. As projeções para o IPCA deste ano sobem há 23 semanas e chegaram a 8%, de acordo com o Focus. Para o próximo ano, a mediana alcançou 4,03%, após oito semanas de alta.
Por consequência, aumentam também as expectativas para a taxa básica de juros (Selic), ferramenta usada pelo BC para conter a inflação. A mediana das projeções indica Selic em 8% ao fim deste ano – há cinco semanas, a perspectiva era de 7,25%. Para o fim de 2022, o ponto médio das estimativas subiu igualmente de 7,25% para 8% nas mesmas cinco semanas.
Segundo o Bradesco, a coordenação entre a política fiscal e a monetária será a ferramenta mais poderosa para evitar que as discussões econômicas dominantes de 2022 sejam a contração da atividade e os riscos de dominância fiscal (quando o risco fiscal passa a dominar a política econômica), o que certamente se somaria ao cardápio de incertezas do próximo ano.
Alternativa é colocar a casa em ordem
Davi Lelis, da Valor Investimentos, aponta que o fundamental, no momento, é o governo colocar a casa em ordem, para poder dar mais previsibilidade a consumidores e empresas; garantir que a inflação não estoure e desanuviar o cenário político. “É fundamental investir na aproximação entre os três Poderes e ter uma articulação bem feita no Congresso”, diz.
Porém, o 7 de Setembro mostrou que Judiciário e Executivo parecem longe de um alinhamento, e o cancelamento de todos os trabalhos do Senado naquela semana, determinado pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mostram que o clima com parte do Congresso também não é dos melhores. No início do mês, o mesmo Senado derrubou por larga margem de votos uma medida provisória que criava três programas de emprego de interesse do governo.
Camila, da Veedha Investimentos, aponta que a leitura que o mercado faz é de que o cenário político não está bom e impede o avanço das reformas. “Elas são essenciais para reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB, que atualmente é de 83,8%, segundo o Banco Central.” Outra necessidade, de acordo com ela, é o governo dar sinalizações de que vai manter os compromissos com a responsabilidade fiscal e com o teto de gastos