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Tida como prioritária pela equipe de transição, a PEC que tira do teto de gastos os recursos para pagar o Auxílio Brasil de R$ 600 no ano que vem virou alvo de intensa articulação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de aliados nos últimos dias. A proposta de emenda à Constituição foi um dos assuntos tratados nas conversas institucionais que Lula e o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) tiveram com os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), Câmara e Senado, na última quarta-feira (9).
Desde o fim da eleição, o PT e partidos aliados estudam maneiras de garantir a manutenção do valor do programa social a partir de janeiro. A opção por uma PEC, no entanto, causou divergências no governo eleito e Lula precisou agir para costurar o apoio necessário e viabilizar a aprovação da emenda ainda neste ano.
A expectativa era de que o texto da PEC fosse protocolado no Congresso Nacional até esta sexta-feira (11), mas com a entrada de Lula nas negociações a apresentação ficou para depois do feriado da proclamação da República.
"Vamos estabelecer como prazo limite para ter o texto na semana que vem. Tramitação na semana seguinte, no Senado. Na primeira semana de dezembro, acredito, no cronograma que eu desenho, a gente consegue aprovar no Senado e mandar para a Câmara", disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Visando a segurança da proposta, Lula levou o tema da PEC para a conversa que teve com os ministros do STF. De acordo com aliados, o presidente eleito quis se certificar junto aos membros da Corte de que a PEC que fura o teto de gastos seria o caminho mais seguro para garantir a manutenção dos R$ 600 do Auxílio Brasil neste momento.
"Lula externou [aos ministros do STF] que a via principal que ele está buscando neste momento é a votação da PEC no Congresso. Esse é o caminho principal que está sendo buscado. Para isso, evidentemente, é preciso espaço fiscal, e há essa confiança de que, por intermédio da negociação política no Congresso, isso vai ser obtido", explicou o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), que esteve com Lula no Supremo.
Lula defende que tramitação da PEC comece pelo Senado
Em outra estratégia, Lula articulou junto aos parlamentares da base para que a PEC comece a sua tramitação pelo Senado ao invés da Câmara Federal. A avaliação de integrantes da bancada petista é de que o cenário de articulação no Senado é mais favorável e abre espaço para que se tenha um tempo maior de negociação com os deputados.
Por se tratar de uma emenda à Constituição, o texto precisa passar por uma série de formalidades, como a passagem por comissões específicas nas duas Casas legislativas. Além disso, o texto necessita do apoio de três quintos dos parlamentares, em dois turnos de votação, tanto no Senado quanto na Câmara. Ou seja, para ser aprovado precisa dos votos e pelo menos 49 senadores e 308 deputados em cada deliberação no plenário.
"[Começar a tramitação] pelo Senado é mais célere. Então a PEC será votada de maneira mais rápida", opinou o relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI). O governo eleito está otimista com a aprovação da proposta, segundo o emedebista. A avaliação é de que manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 no ano que vem é uma ideia já precificada pelo Congresso, uma vez que era também uma proposta de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ainda assim, no encontro com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Lula externou preocupações com a tramitação da proposta no Congresso Nacional. De acordo com parlamentares que estiveram presentes, Pacheco disse ao petista que determinou que a consultoria jurídica do Senado analise a questão jurídica para que, uma vez aprovada, não existam questionamentos futuros sobre a PEC.
Articulador da proposta, o senador eleito Wellington Dias (PT-PI) se reuniu nesta sexta com integrantes do conselho político do governo de transição, visando garantir o apoio necessário ao texto nas duas Casas do Congresso.
Além do PT, o grupo é composto por 14 nomes de indicados de partidos da coligação de Lula (Psol, Rede, PSB, PC do B, PV, Agir, Avante, Pros e Solidariedade), além das siglas aliadas Cidadania, PSD e MDB.
"Todo esforço é para o máximo de entendimento com a Câmara e Senado, e encontramos um ambiente de muito compromisso com este objetivo em favor do nosso povo, evitando assim alterações em uma Casa, o que é legítimo na regra democrática, mas poderia causar atraso na votação, e temos um tempo bem curto até o final do ano Legislativo", afirmou Dias.
Presidente eleito acena ao Centrão por meio de encontro com Arthur Lira
Base de apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL), o Centrão recebeu um aceno de Lula nesta semana por meio do encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Como forma de atrair o apoio de parlamentares da base de Bolsonaro ao texto da PEC, o petista sinalizou, por exemplo, que não interferirá nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado, que serão realizadas em fevereiro de 2023. Assim como Pacheco, Lira também pretende concorrer à reeleição.
“O nosso papel é saber o seguinte: não cabe ao presidente da República interferir no funcionamento da Câmara nem do Senado. Nós somos poderes autônomos. Nem eles interferem no nosso comportamento, nem nós no deles, e assim a sociedade vai viver tranquilamente, democraticamente, e assim as coisas vão acontecer”, disse Lula na quarta-feira.
Ainda durante o encontro do Lira, Lula também indicou que está disposto a negociar com os deputados e senadores que estão na base de Bolsonaro. "Eu não enxergo dentro da Câmara ou dentro do Senado essa coisa do Centrão. Eu enxergo deputados que foram eleitos e que, portanto, nós vamos ter que conversar com eles. O governante tem que ter clareza que ele tem que lidar com as pessoas que foram eleitas. Nossa obrigação é tentar convencê-las das coisas que a gente quer que aconteça nesse país", disse o presidente eleito.
Na conversa, Lira sinalizou que apoiará a aprovação da PEC juntos aos deputados. Após a aprovação no Senado, aliados de Lula esperam que Lira apense a proposta do governo ao texto da PEC 24/2019, já sujeita à deliberação do plenário. Deputados do PT acreditam que o aceno positivo de Lira sobre a matéria e o de Lula sobre a eleição na Câmara são os primeiros passos para uma relação amistosa que pode ajudar na sustentação do governo eleito no Congresso nos próximos anos.
"Lira se comprometeu em ajudar naquilo que for necessário e de interesse do governo, evidentemente, tendo conhecimento prévio daquilo que vai ser debatido, discutido e aprovado", disse o deputado José Guimarães (PT-CE).