Empresário Salim Mattar, que se autointitula um “liberal puro-sangue”, pediu demissão do governo após um ano e meio de trabalho na Secretaria de Desestatização.| Foto: Ministério da Economia/Divulgação
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Apesar da recente debandada de parte dos liberais da equipe econômica, o agora ex-secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, afirma que a tese liberal continua viva e intensa dentro do Ministério da Economia. Ele também diz que a agenda liberal tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro e que não há chance de o governo aumentar os gastos públicos. Porém, reclama que a máquina pública não admite grandes transformações.

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As declarações foram dadas em entrevista à Gazeta do Povo, após Mattar ter pedido demissão do cargo de secretário especial da pasta. Ele era o responsável por cuidar dos processos de privatização e desinvestimentos do governo. Na sua saída, disse que deixou o cargo devido à dificuldade para conseguir privatizar as estatais federais.

Além de Mattar, Paulo Uebel deixou nesta semana o cargo de secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia. Ele saiu da pasta após ver que a reforma administrativa desenhada por sua secretaria foi deixada em banho-maria pelo presidente Jair Bolsonaro. Antes de Mattar e Uebel, também pediu demissão Rubem Novaes do cargo de presidente do Banco do Brasil. Os três são amigos de Guedes e “liberais de carteirinha”.

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As raízes liberais permanecem, diz Mattar

A saída repentina de parte da equipe fez o ministro Paulo Guedes afirmar que estava havendo uma “debandada” dos liberais do governo. Mattar, porém, classificou as baixas como uma infeliz “coincidência”.

“Claro que é muito ruim a minha saída e do Uebel, dois liberais. Ao sair dois liberais do governo, como eu e Uebel, puro-sangue, de carteirinha, amigos do ministro há muitos anos, é claro que o mercado tem razão em se perguntar o que está acontecendo. Foi uma coincidência. Não é uma debandada”, disse.

Ele admite que reduziu sim o número de liberais no governo. “Claro que cabe no micro-ônibus [o grupo de liberais do governo, montado por Guedes]. É fácil de contar: tem eu; o Paulo Uebel; o Carlos da Costa [secretário Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade]; o Marcos Troyjo [ex-secretário Especial de Comércio Exterior e Internacionais], que foi pro Brics e agora no lugar dele está o Roberto Fendt, que é liberal também; o Rubem Novaes; o [Roberto] Castello Branco, na presidência da Petrobras; e o Campos Neto, no Banco Central. Em primeira linha esses são os oito liberais do governo [contando com o ministro Guedes]”, explica.

Apesar das baixas, que reduziram ainda mais as cabeças liberais do governo, Mattar diz que a tese econômica liberal continua forte, já que ela é encabeçada por Guedes. “Com as saídas, começou: ‘o liberalismo está acabando. Os liberais estão indo embora’. Não! Porque as raízes permanecem, a doutrina permanece", afirmou Mattar.

"As teses liberais vão continuar independentemente da orientação das pessoas, porque a orientação do ministro é uma orientação liberal. O ministro continua forte e Bolsonaro respeita o ministro. A tese liberal continua viva e intensa dentro do Ministério da Economia, e se esparramando pelo governo”, garantiu.

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Ele reconheceu que existem alas dentro do governo que pressionam o presidente para gastar mais e para quebrar o teto de gastos, o mecanismo que limita o crescimento total das despesas do governo à inflação. Mas, segundo Mattar, são zero as chances de prosperarem esses pedidos.

“A tese que existe hoje é a tese do Ministério da Economia. O que existe hoje são tentativas de convencer o ministro Guedes a gastar mais. Qual a chance de isso acontecer? Zero de chance. O ministro Guedes é muito firme e não abre mão de seus valores. Ele vai ser firme e o presidente vai estar com o ministro Guedes.”

Questionado se é possível que Bolsonaro abandone em algum momento Guedes e a agenda liberal visando a reeleição em 2022, Mattar disse que isso não deve acontecer. “O Bolsonaro apoia o ministro Guedes. Ele nunca deixou de apoiar.”

Tese liberal vai além de privatizações e reformas

O fundador da Localiza explicou que, apesar das privatizações e da reforma administrativa estarem empacadas, a agenda liberal está sendo implementada pelo governo, porque ela vai além dessas duas pautas. Ele citou como exemplo o programa Renda Brasil, em elaboração pelo governo; a carteira de trabalho verde e amarela, que caiu em abril deste ano, mas deve ser retomada; e os marcos legais do saneamento e do mercado de gás, que abrem os setores à iniciativa privada.

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“O Renda Brasil nada mais é do que um Imposto de Renda negativo, ou seja, aos mais desassistidos a sociedade vai dar para eles o mínimo de sobrevivência. Isso é uma tese liberal, não é petista”, explicou. “Na hora que o ministro falava que precisamos baratear o custo do gás, não apenas do gás de cozinha, mas também o custo do gás industrial, o que ele está falando: ‘mais competição e mercado’. Isso é uma tese liberal. Na hora que ele fala no mercado de saneamento que nós não queremos empresas estatais de saneamento é uma tese liberal de competição no mercado, de alavancar capital privado, até porque o modelo estatal não funcionou”, completou.

Sobre a carteira verde e amarela, que reduzia os impostos sobre a folha de quem contratasse jovens até 29 anos que ganhassem até um salário mínimo e meio, Mattar afirmou que também é uma tese liberal que foi implementada pelo governo e agora será retomada no pós-pandemia. “Essa tese de redução da carga tributária sobre o trabalho é uma tese liberal, porque a tese social-democrata é essa que nós temos até então, que é onerar a folha de pagamentos.”

Privatizações vão acelerar em 2021

Sobre a agenda de privatizações, sua principal função enquanto esteve no governo, Mattar afirmou que a pauta continua. Ele disse que deixou como legado para seu sucessor um pipeline com 14 empresas para serem vendidas em 2021.

“Da mesma forma que eu sai da Localiza em 13 de dezembro de 2018 e lá está bombando, está funcionando tudo direitinho, eu preparei o processo de sucessão pra mim aqui. Eu falei pro ministro: não se preocupe, piloto automático, vai rodar direitinho, independente da pessoa, lá [na Secretaria de Desestatização] está redondinho”.

O seu sucessor será Diogo Mac Cord, atual secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia. Assim como Mattar, Mac Cord é a favor das privatizações e oriundo da iniciativa privada.

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“Como Secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura, Diogo liderou a aprovação do Novo Marco do Saneamento que irá beneficiar a vida de milhões de brasileiros. Egresso da iniciativa privada, Diogo tem um robusto currículo e tenho certeza que irá dar continuidade ao trabalho iniciado por mim”, escreveu Mattar em suas redes sociais.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Máquina pública não admite transformações, diz Mattar

Sobre a sua experiência no governo, o empresário diz ter sido única, principalmente porque passou a entender como funciona a máquina pública por dentro. “Eu estou saindo hoje maior, muito maior do que quando eu cheguei em janeiro de 2019. Eu cresci, eu ganhei muito com isso. Eu aprendi a entender uma coisa que se chama governo, que para mim era um caos. É muito mais caos do que eu pensava. Eu conheço o governo por dentro agora. Para mim foi um aprendizado espetacular”, contou.

Crítico do funcionalismo público e de todo o aparato estatal para manter a máquina funcionando, Mattar diz que conheceu “servidores públicos fantásticos, profissionais de altíssimo nível”, mas também “muitos servidores pouco cuidados com a coisa pública”.

Ele reclama que a máquina pública não admite grandes transformações. “Lá na iniciativa privada, você busca melhorias. Aqui no governo melhorias têm que ser incrementadas. Você não pode fazer transformação. Transformação traz insegurança. Você pode fazer melhorias, mas as coisas têm que continuar como estão. Isso é governo”, explica. Entre as transformações que gostaria de ter feito, ele cita vender todas as estatais para que o governo se concentrasse apenas em saúde, segurança e educação.

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Cultura da máquina pública é tirar do cidadão

Ele também diz que a cultura da máquina pública é tirar do cidadão, ao invés de governar para o cidadão. “Governo é: o que mais a gente pode tirar do cidadão? Eles não estão nem preocupados com o cidadão.” Não à toa, explica, a atual equipe econômica encontrou tantas resistências para implementar parte da sua agenda.

“Nós viemos de fora viemos para lutar pelo cidadão pagador de impostos, mas ao longo de todos esses anos o que a social-democracia fez? Fez com que o cidadão pagador de impostos transferisse renda para pagar uma classe diferenciada. Muito mais feito pela social-democracia do que pelos servidores. Os servidores foram cooptados ou vítimas desse processo. Mas a culpa é da social-democracia. Para mim está claro isso hoje”, conclui.