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O Conselho Monetário Nacional (CMN) deve decidir nesta quinta-feira (27) se autoriza a transferência de cerca de R$ 400 bilhões de lucro cambial registrado pelo Banco Central no primeiro semestre deste ano para o caixa do Tesouro. A transferência é um desejo da equipe econômica para ajudar na gestão da dívida pública, já que os recursos disponíveis no caixa do Tesouro para honrar seus compromissos diminuíram em virtude da crise causada pela pandemia do novo coronavírus.
O colegiado é formado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, pelo Secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Júnior, e pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Guedes é o presidente do CMN. O conselho se reúne sempre na última quinta-feira de cada mês e as decisões tomadas são divulgadas após o fechamento do mercado. A pauta da reunião não é informada previamente.
Porém, segundo informou o próprio secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, em videoconferência organizada na semana passada pelo banco Santander, a transferência do lucro cambial do BC para o caixa da União deve estar na pauta do CMN desta quinta-feira (27). “Faz todo sentido, olhando essa mudança severa do mercado, levarmos esse tema para o CMN ainda em agosto", disse Funchal aos investidores.
O Tesouro também adiou a divulgação do novo plano anual de financiamento da dívida (PAF) de quarta para sexta-feira (28) em virtude da reunião do CMN.
Por que o governo quer esse dinheiro do BC?
A transferência do lucro obtido pelo Banco Central com as suas reservas cambiais em dólares é autorizada pela Lei 13.820, de 2019. Essa lei permite que o BC repasse o lucro cambial quando “severas restrições nas condições de liquidez” afetarem de forma significativa o refinanciamento da dívida interna do país. Ainda segundo a legislação, é papel do CMN autorizar ou não a transferência, caso constatado mesmo a severa restrição de liquidez nos cofres do Executivo.
O Tesouro, para garantir que vai conseguir honrar seus compromissos, ou seja, pagar os investidores que compram títulos públicos, deixa um dinheiro guardado “no cofre”. É o chamado “colchão da dívida pública”. É a garantia do governo para com o mercado que pagará suas dívidas, feitas para custear as mais variadas despesas do nosso Orçamento público.
Segundo o subsecretário de dívida pública do Tesouro, José Franco de Morais, disse ao jornal Valor Econômico, esse colchão da dívida era de seis meses antes da pandemia. Ou seja, o Tesouro tinha em caixa dinheiro suficiente para rolar a dívida por 180 dias.
Só que por causa do novo coronavírus, o governo teve que emitir mais dívida para financiar os programas emergenciais. Também houve uma demanda do mercado por um encurtamento da dívida, fazendo com que a necessidade de recursos para rolagem nos próximos meses seja maior.
Tudo isso contribuiu para a redução do "colchão da dívida". Segundo Franco de Morais, o dinheiro disponível em caixa caiu de seis meses para três meses, considerado um limite perigoso.
Lucro cambial vai ajudar na gestão da dívida pública
Desde meados de maio, conforme mostrou a Gazeta do Povo, a equipe econômica estuda pedir o repasse do lucro cambial do BC para o Tesouro. Segundo Marcos Mendes, economista e consultor legislativo do Senado, o lucro cambial do BC só pode ser usado para gestão da dívida pública.
“O efeito final dessa operação será dar mais flexibilidade ao Tesouro para gerir a dívida pública. Essa operação não reduz a dívida pública. Essa operação não permite pagar aumento de despesa pública. Ela simplesmente dá mais liquidez, mais margem de manobra para o Tesouro gerir a dívida pública sem ter que pagar juros muito altos para rolar a dívida no momento que ele está pressionado”, explicou Mendes.
Em outras palavras, é um dinheiro que ficará guardado no caixa do Tesouro e que ele poderá usar caso o mercado comece a pressionar por juros e prêmios mais altos para comprar os títulos emitidos pelo Tesouro. A pressão por juros mais altos é comum quando o “colchão de liquidez” está menor, situação vivida neste momento pelo Tesouro.
Ele reforça, ainda, que o efeito final é que a dívida pública não vai mudar de patamar, mas que o Tesouro vai conseguir refinanciar a dívida a juros menores. “Ele [o Tesouro] simplesmente vai mostrar para o mercado financeiro que o Tesouro tem ‘balha na agulha’ caso ele não queira rolar a dívida pública. O Tesouro não fica refém do mercado”, afirma Mendes, um dos autores da emenda do teto de gastos.
Para o economista, se o CMN avaliar que a situação de liquidez para refinanciamento da dívida realmente é grave, como vem indicando o Tesouro, o conselho deve autorizar a transferência. Porém, é possível que haja um debate técnico entre o colegiado para saber se efetivamente é o momento de usar esse instrumento ou se é melhor deixar o Tesouro suportar o aumento do custo da dívida.
“Na hora que você deixa o custo da dívida subir, você está deixando para o mercado emprestar o grau de dificuldade fiscal que existe no país. Na hora que as taxas de juros sobem, as pessoas começam a perceber que a situação está realmente grave, que precisa ser feito alguma coisa em termos de ajuste fiscal, respeito ao teto de gastos, etc. Se você usa esse dinheiro para impedir que o custo do Tesouro suba, você de certa forma dá uma anestesia. Quer dizer, você diz que a situação não está tão grave assim não, que tem aquele dinheiro do Banco Central para ajudar a conter o custo da dívida”, explica Mendes.
Por que o BC lucrou tanto no primeiro semestre?
O lucro bilionário previsto para as contas do Banco Central é resultado da valorização do dólar frente ao real. A autoridade monetária possui reservas internacionais em dólares. Quando o dólar cai, essas reservas passam a valer menos em moeda brasileira. Mas quando ele sobe, como ocorreu em boa parte do primeiro semestre, o valor em reais aumenta.
O resultado exato do lucro cambial obtido no primeiro semestre de 2020 será conhecido também após a aprovação do balanço do Banco Central pelo Conselho Monetário Nacional. Mas estima-se que esteja na casa dos R$ 400 bilhões.
Até o começo de 2019, a transferência do valor era automática para o caixa do Tesouro, mas a Lei 13.820 mudou a sistemática, permitindo a transferência somente em caso de severa restrição da dívida pública. Caso contrário, o valor deverá compor uma reserva do próprio BC para compensar eventuais prejuízos futuros em operações cambiais.