"A gente não faz nenhum curso para aprender a comprar, mas toda a indústria do crédito estuda profundamente a sociedade e as formas de vender seus produtos e serviços." Ana Paula Mussi Cherobim, economista, professora da UFPR e coordenadora do Laboratório de Orçamento Familiar| Foto: Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo

Disciplina é tudo para o bom poupador

A conta bancária de muita gente é como um ônibus na hora do rush: a cada mês entram novas contas, e poucas saem. O resultado é aperto, desconforto. Contra isso, os especialistas aconselham planejamento e responsabilidade – até porque é necessário pensar no futuro. "Conta todo mundo tem. Prestação do carro, da casa, de alguma compra, isso são coisas da vida e não devem nos impedir de economizar", diz a superintendente de investimentos do grupo Santander, Sinara Polycarpo Figueiredo. "O que a gente pode fazer é pensar na poupança como uma obrigação. Ela é mais uma prestação: a prestação do seu futuro", avisa. É, portanto, uma questão de disciplina.

E quanto se deve poupar? Segundo o consultor e escritor Leandro Martins, começar com 10% é o ideal. "A pessoa deve estipular um porcentual e aumentar ao logo do tempo. Quando as finanças estiverem equilibradas, guardar 30% do salário é um número interessante", diz. Parece muito? Mas faz sentido, principalmente para quem começa cedo, no início da vida profissional, quando os salários são pequenos. O sujeito ascende profissionalmente, ganha mais, e isso permite que aumente o porcentual destinado à poupança. "De pouco em pouco, a pessoa pode se tornar um grande investidor", acrescenta Martins.

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Inflação e novo governo são fontes de dúvida

Três questões trazem dúvidas no que se refere ao cenário de 2011 para os negócios. O primeiro é o novo governo, e as medidas que ele tomará para manter a economia nacional dentro dos trilhos. O segundo (que está relacionado com o primeiro) é o comportamento da inflação. E o terceiro é o mercado internacional, em especial a recuperação dos Estados Unidos e Europa.

"A promessa de austeridade feita pela presidente Dilma Rous­­seff é muito boa", saúda Lourival Maciel, presidente da corretora Interbolsa, que abriu escritório em Curitiba há dois meses. "Toda intenção de uma política austera, que permita o desenvolvimento do setor privado, é boa para o mercado", co­­menta. Isso vale inclusive para investidores externos – um público conhecido da Inter­­bolsa, empresa colombiana que atua também nos Estados Unidos, com o público latino-americano.

Já a inflação é a preocupação mais presente agora. Pelas previsões dos bancos e consultorias levantados pelo Banco Central, ela deve ficar acima de 5,5% no acumulado de 2011. "Os brasileiros estão subestimando esse risco. Estamos esquecendo do quanto é ruim viver sob inflação", diz a professora Ana Paula Mussi Cherobim, da UFPR.

O ano acabou e você não ganhou na Mega da Virada. E agora? Como vão ficar todos aqueles planos de mudar de vida, trocar de carro, mudar-se para a praia e passar o dia contando coqueiros à beira-mar?Pode não ser uma transformação tão radical, mas, com disciplina e os instrumentos certos, é possível deixar as dívidas para trás e passar a investir. O processo, segundo o planejador financeiro Jurandir Sell Macedo, professor de Finanças Pessoais da UFSC, é similar àquele ao qual se submete uma pessoa que está acima do peso. "Precisa de esforço pessoal como cortar guloseimas e frituras, além de fazer exercícios. E, quando alcançar o peso desejado, precisa ter reeducação alimentar para não retornar ao estágio anterior", observa. "Para sair do endividamento é a mesma coisa: precisa cortar supérfluos e desperdícios. Depois, o planejamento financeiro se faz necessário. É preciso esforço, pois não existe milagre", ensina.

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A explicação é necessária porque, quando se trata de dinheiro, muitos parecem acreditar na multiplicação mágica dos recursos. E isso não ocorre por ingenuidade, mas por uma relação desigual entre consumidor e os muitos fornecedores de crédito – sejam lojas, bancos, financeiras, concessionárias de automóveis ou outros. "A gente não faz nenhum curso para aprender a comprar, mas toda essa indústria estuda profundamente a sociedade e as formas de vender seus produtos e serviços", observa a economista Ana Paula Mussi Cherobim, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do Labo­­ratório de Orçamento Familiar criado pela instituição.

Inadimplência

O resultado dessa assimetria (termo econômico que define situações em que um dos agentes detém maior poder do que o outro) pode ser vista nas estatísticas. Desde 1988, apenas nove vezes o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) teve mais de 500 mil novos registros de devedores inadimplentes no mesmo mês. Destas nove ocasiões, cinco foram em 2010 (março, abril, agosto, outubro e novembro). É verdade que há hoje mais crédito para a pessoa física do que em qualquer outro momento na história do Brasil – desde 2007 o volume mais do que dobrou –, o que serve simultaneamente como atenuante e como alerta para os riscos do crédito fácil.

"Hoje você pode pegar dinheiro emprestado no caixa automático do banco, ou então por telefone, ou até no portão de casa. É descomplicado e rápido, e faz a gente gastar o que não tem", descreve Ana Paula. Ela diz que as pessoas andam eufóricas com essa situação, que lhes permite um patamar de consumo que não era possível até há pouco. "É muito antipático chegarmos nós, os financistas, dizendo: 'Não, gente, vocês não devem se endividar desse jeito'. Ninguém vai escutar", lamenta.

Por isso ela seguiu outra linha, dedicando-se a estudar o que faz com que as pessoas gastem. Daí surge a sua dica para quem está querendo livrar-se das dívidas: faça perguntas. "Pergunte por que você precisa fazer essa compra. Por que você precisa dessa tevê, desse carro. Isso nos faz ser mais seletivos com os gastos", aconselha.

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Desperdício

Outros especialistas pensam da mesma forma, e sugerem ao consumidor avaliar seu próprio comportamento para saber se os gastos são com necessidades ou com status. "As pessoas têm de cuidar para não investir em sonhos que não serão úteis. Gasto com status é um grande desperdício", afirma o analista de investimento Lean­­dro Mar­tins, autor de Aprenda a investir – saiba onde e como aplicar seu dinheiro (editora Atlas, 280 páginas, R$ 39).

Um exemplo desse "grande des­­perdício" é dado pelo professor Macedo, da UFSC. Praticante de mountain bike, ele foi trabalhar tempos atrás de bicicleta – uma bela magrela, com amortecedores, freios especiais e outros atributos especiais para a prática desportiva. Encontrou um colega que ficou impressionado com a bicicleta e perguntou detalhes, observando que precisava de uma para se exercitar. Dias depois, apareceu com sua nova aquisição: uma bicicleta cara, cheia de equipamentos para prática de ciclismo de aventura, caríssima. "Mas ele só ia usar no calçadão! Podia ter comprado uma bicicleta excelente pela metade do preço", comenta. Mas o que o mo­­veu, provavelmente, foi a vontade de ter uma "máquina" que chamasse atenção e lhe desse mais status.

No fundo, a gestão financeira é um assunto quase filosófico. "A base é repensar os valores da vida", arrisca o consultor Raphael Cordeiro. "É preciso ter em mente que os recursos são limitados e que você nunca vai ter dinheiro para fazer tudo o que quer", acrescenta. Cordeiro sugere listar prioridades pessoais, e estar sempre pronto para o conflito. "Vai ter uma hora em que a pessoa terá de decidir se dá mais importância à sua aposentadoria, no futuro, ou à sua tevê a cabo, aqui e agora", diz.