Mais do que a retração de 8,3% na produção, o declínio da atividade industrial brasileira em 2015 trouxe um dado ainda mais preocupante: pela primeira vez desde 2002, entre os diferentes setores da indústria de transformação, a queda foi mais acentuada nos segmentos com níveis de utilização de tecnologia mais elevados. Levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostra que as indústrias de alta intensidade tecnológica, categoria que inclui a de produtos farmacêuticos, informática, eletroeletrônicos, equipamentos de comunicação e de aparelhos médios e de precisão, apresentaram retração de 19,8%, um patamar de queda nunca registrado nos anos 2000.
Muito acima, portanto, da retração experimentada pela indústria de transformação (que não considera os setores de extração e produção mineral), cuja produção como um todo recuou 9,9% no ano passado. Também tiveram perdas acima da média as indústria de média-alta intensidade tecnológica (máquinas e equipamentos elétricos, automotiva, química e equipamentos mecânicos), cuja produção retraíu 16%, desempenho pior que o de 2009, quando a queda da atividade industrial foi puxada pelos efeitos da crise global sobre o crédito e a confiança dos consumidores brasileiros.
“Foi a primeira vez, desde 2002, que a alta tecnologia liderou a contração industrial no país. Isso marca uma ruptura no comportamento dessa indústria em relação à de transformação como um todo, pois, desde 2011, quando as dificuldades macroeconômicas começaram a fazer a produção industrial desacelerar, a alta tecnologia conseguia se manter menos pró-cíclica, sem variações negativas. Em 2015, tudo mudou”, diz Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi e autor do estudo.
Ele usa os dados da Pesquisa Industrial Mensal (PIM), do IBGE, agregando os setores segundo classificação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) para os diferentes níveis de utilização de tecnologia.
Todos os segmentos de alta intensidade tecnológica apresentaram forte retração, principalmente o de produtos de informática, que desabou 42,7%. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), a produção física do setor caiu 21% em 2015, sendo que só a área de eletrônica registrou retração de 30%.
Humberto Barbato, presidente da Abinee, observa que o forte declínio do setor no ano passado reflete uma combinação de acontecimentos, que vão do efeito sazonal da Copa do Mundo - que, em 2014, puxou as vendas de TV - ao fim do IPI menor para produtos da linha branca (micro-ondas, refrigeradores etc.). No ano passado, o agravamento da recessão econômica atingiu em cheio as vendas de smartphones e equipamentos de informática, que despencaram.
“Em nossa visão, isso se deveu à grande crise de confiança que se abateu em função da alta do desemprego, que leva as pessoas a deixarem de comprar bens duráveis ou a reduzirem o ritmo de substituição de celulares e tablets”, afirma Barbato.
Ela lembra ainda que a queda de faturamento afeta também diretamente os investimentos do setor em pesquisa e desenvolvimento (P&D). “As grandes empresas que estão aqui (no país), naturalmente, estão diminuindo os investimentos em P&D.”
O resultado é que, para adequar a produção ao novo patamar de vendas, muitas empresas estão fechando unidades para cortar custos. A LG, por exemplo, demitiu os cerca de 700 empregados que tinha em Taubaté e transferiu toda a produção daquela unidade para sua fábrica de Manaus. A AOC, fabricante de monitores de vídeo, fez o mesmo: dispensou os 450 empregados da unidade que tinha em Jundiaí e passou a produzir somente em Manaus.
Na indústria farmacêutica, de acordo com o Iedi, a produção teve queda de 12,2%. Segundo o Sindusfarma, entidade que representa as empresas do setor, os números de atacado e varejo indicam que houve aumento de 7,36% no volume de medicamentos comercializados em 2015 - mas esse dado não distingue se o produto é importado ou não.
“A produção no Brasil ficou muito cara em 2015, por causa do custo da energia, que subiu 50,36%, e do câmbio (mais 47%). Por isso, os produtos de maior custo podem ter sido substituídos por importados, já que a mão de obra aqui é muito mais cara que lá fora”, afirma Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindusfarma.
A alta do câmbio também levou a uma redução dos descontos que a indústria dá às farmácias. O preço maior dos medicamentos, consequentemente, afugenta o consumidor.
“A rentabilidade da indústria vem caindo muito rapidamente, o que traz muita preocupação, já que não se consegue repassar a alta de custos aos preços, que são controlados pelo governo. E a perda de margem já afeta os investimentos, e há cortes de pessoal nas áreas de promoção e marketing. Não nas fábricas, ainda”, diz Mussolini.
Para Cagnin, do Iedi, as indefinições nos cenários político e econômico não trazem perspectivas positivas, mesmo com quedas menos acentuadas nos segmentos de média-baixa (borracha, plásticos, produtos refinados de petróleo, minerais não metálicos e produtos metálicos) e de baixa intensidade tecnológica (madeira, papel e celulose, alimentos e têxteis), de 7,8% e 5,2%, respectivamente, e com os ganhos de competitividade que o câmbio traz à produção industrial.
“Ainda que muitos setores venham a apresentar alguma estabilização de queda ao longo deste ano, depois das recentes perdas recordes, isso não será suficiente para justificar otimismo”, conclui o economista em sua análise.
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