As relações de trabalho tendem a entrar em uma onda de precarização e flexibilização no Brasil. O alerta é do presidente da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho (ALJT), Grijalbo Coutinho, que também é juiz da 19.ª Vara do Trabalho de Brasília. Isso porque, mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vete a emenda três do projeto de lei da Super-Receita, que impede o auditor fiscal de autuar empresas que contratem profissionais de forma irregular, o governo federal sinaliza com um projeto para regulamentar a prestação de serviço de empresas de uma pessoa só. Com isso, os contratantes terão mais liberdade para empregar profissionais sem arcar com os encargos trabalhistas.
A emenda três foi proposta pelo Senado e atende ao pleito de centenas de empresas e sindicatos patronais. Foi uma forma de contrabalancear os poderes criados pela Super-Receita para os auditores fiscais. O projeto unifica as ações fiscalizadoras da Receita Federal e da Previdência, mas a emenda limita o trabalho dos auditores, que ficam impedidos de multar empresas e devem encaminhar à Justiça os fatos que considerarem irregulares. Entidades ligadas aos trabalhadores criticaram muito a emenda.
De acordo com o presidente da ALJT, uma das maiores irregularidades trabalhistas cometidas pelas empresas hoje é fazer contrato com uma empresa de uma pessoa só (trabalho "personalíssimo"), que emita nota fiscal, em vez de contratá-la com carteira assinada. A situação é irregular porque a prestação de serviço personalíssimo só pode ocorrer por um período determinado, sem necessidade de exclusividade ou de cumprir horário e nem de receber ordens. "O empregador fala que só contrata o profissional se ele abrir uma empresa, e claro que isso é feito, por medo do desemprego. Não há escolha, o trabalhador tem de se submeter a essa chantagem de emprego", afirma. Ao propor a regulamentação do trabalho personalíssimo, o governo federal indicou que elas devem arcar com aumento de impostos.
Gazeta do Povo Quais as críticas em relação à emenda três?Grijalbo Coutinho Além de ser inconstitucional, porque proíbe a atuação do Executivo na fiscalização, ela é perversa, porque as empresas poderão se aproveitar para cada vez mais diminuir o número de empregados com direitos trabalhistas.
Mas esses contratos não são feitos com a concordância do contratado?A emenda representa o conflito de interesse dos grandes grupos econômicos e dos trabalhadores, que é a descaracterização do contrato de trabalho. O empregador fala que só o contrata se ele abrir uma empresa, e claro que isso é feito, por medo do desemprego. Não há escolha, o trabalhador tem de se submeter a essa chantagem de emprego. Ele é rotulado como autônomo, mas na verdade atua como um funcionário de carteira assinada.
Integrantes do primeiro escalão do governo pedem o veto à emenda e, como contrapartida, sugerem uma medida provisória para regulamentar o trabalho personalíssimo. Quais seriam as conseqüências disso?Lamento que alguns setores do governo queiram discutir relações de trabalho por meio de medida provisória, que deveria se restringir a assuntos urgentes. É preciso discutir melhor e mais profundamente um assunto desse alcance. O governo deve criar alguns requisitos e amarras para que a situação fique dentro da lei e não ocorram mais fraudes, mas não deixa de ser uma forma de precarizar as relações de trabalho. Cria-se um clima propício para isso. Há nove anos, uma norma inserida na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] indicando que a prestação de serviço de cooperativas não sugere vínculo empregatício foi o suficiente para abrir a porteira para a criação de uma centena de cooperativas de trabalho fraudulentas.
Qual sua expectativa em relação à decisão que o presidente Lula deve tomar hoje?Fico feliz que o assunto esteja nas mãos do presidente Lula, que por sua origem trabalhadora deve vetar a emenda. Mas, se em um primeiro momento ele vai desagradar as empresas e os grandes grupos, é bem provável que no momento seguinte as beneficie com essa questão de regulamentação das pessoas jurídicas.