| Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, assumiu com um discurso focado no equilíbrio fiscal. Ele leva para o governo uma linha de pensamento ortodoxa, que entende haver uma relação entre o gasto público descontrolado e o aumento da inflação. Na sexta-feira, em uma entrevista no Facebook, ele declarou que os ajustes que estão sendo feitos têm como objetivo o controle da inflação – um passo inicial para elevar a confiança e, com isso, alavancar a competitividade do país.

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Para explicar melhor como o novo chefe da Fazenda pretende trabalhar, a Gazeta do Povo selecionou os pontos centrais do discurso de posse de Levy na última semana, e tentou "traduzi-los". Além da linguagem técnica, o novo chefe da Fazenda usou expressões vagas, provavelmente para não antecipar possíveis medidas.

Ele escolheu como alvo central de seu trabalho o "patrimonialismo", o hábito do Estado brasileiro ser amigável a grupos de interesse próximos de quem está no poder. Para combater esse problema, Levy deu o recado de que vai desmontar situações que provocam desequilíbrio na economia. Benefícios fiscais, por exemplo, estão na mira. Na prática, isso significa mais transparência e controle nas contas públicas.

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"O Brasil tem plenas condições de exercitar o equilíbrio fiscal, com disciplina nos gastos públicos e no uso de outros instrumentos econômicos, como os bancos públicos, sem com isso ofender direitos sociais ou deprimir a economia."

O ministro Joaquim Levy parte do princípio de que o equilíbrio fiscal é uma condição necessária ao desenvolvimento econômico e social. Isso significa a retomada de um superávit primário crível. Além disso, ele quer colocar um fim na relação entre bancos públicos e o Tesouro. Isso vale especialmente para o BNDES, que recebeu vários aportes para conceder empréstimos subsidiados.

"A adequação do Orçamento de 2015 às perspectivas de arrecadação da União se dará nas próximas semanas, de acordo com os ritos da Lei de Responsabilidade Fiscal, e através de mecanismos bem estabelecidos de modulação dos gastos."

Joaquim Levy deixou claro que quer seguir a Lei de Responsabilidade Fiscal à risca. Isso significa que os cortes nos gastos serão para valer. Na semana passada, o Ministério da Fazenda já estipulou que haverá um corte de 30% nos gastos discricionários (que não são obrigatórios) dos ministérios.

"Todas essas medidas procurarão eliminar exceções e reduzir tratamentos idiossincráticos, sem deixar de prestar atenção às particularidades setoriais ou individuais."

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Acabando com os benefícios fiscais setoriais, com o financiamento direto do Tesouro através do BNDES e com subsídios, o país daria um passo para reduzir o patrimonialismo. O problema é fazer com que o Congresso, sempre aberto a demandas de lobbies organizados, pense do mesmo jeito.

"A harmonização da tributação dos instrumentos e veículos de investimento, por exemplo, será essencial para a expansão do mercado de capitais e o financiamento em termos voluntários e competitivos da infraestrutura."

Sem contar com mais recursos públicos, o país vai precisar estimular investimentos privados para elevar sua taxa geral de investimento para níveis adequados. É coisa de cinco ou seis pontos porcentuais do PIB. Só não há qualquer sinal do que isso significa na prática. Impostos mais baixos para investimentos de longo prazo?

"O Ministério da Fazenda colaborará também no esforço da Federação e do Senado em harmonizar o ICMS, especialmente com alíquotas interestaduais que desestimulem a guerra fiscal."

O novo ministro não falou em uma grande reforma tributária. Ele prefere o caminho das microrreformas. Uma delas é a harmonização do ICMS entre os estados. Há já algum entendimento no Confaz, o conselho que reúne os secretários de Fazenda dos estados, para a redução de alíquotas e para o fim da guerra fiscal. Mas o Senado precisaria aprovar também um projeto que acaba com o passivo dos estados que descumpriram a Constituição ao criar benefícios fiscais. Muita gente já tentou, não vai ser fácil.

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"É uma prioridade o realinhamento dos preços relativos, e daqueles administrados, pois essencial para o bom funcionamento da economia, e exigido para a manutenção da solidez do Tesouro, a redução do seu custo de financiamento doméstico, e o permanente reconhecimento internacional da qualidade e valor da nossa dívida pública."

No que depender de Levy, acabou a manipulação dos preços administrados. Ele assumiu já tendo que lidar com passivo de R$ 2,5 bilhões no setor elétrico. E pode fazer voltar a Cide, contribuição da gasolina que foi retirada para segurar preços. É, sem dúvida, uma expressão de que ele acredita na economia de mercado e nos preços como indicadores importantes para seu funcionamento.

"Possíveis ajustes em alguns tributos serão também considerados, especialmente aqueles que tendam a aumentar a poupança doméstica e reduzir desbalanceamentos setoriais da carga tributária."

Não ficou claro o que ele quis dizer com "impostos que tendam a aumentar a poupança". Ele pode ter se referido a mudanças para estimular a poupança em geral, ou a um aumento na carga tributária (como mudanças na tributação de letras de crédito). Levy também parece discordar dos benefícios fiscais setoriais concedidos entre o segundo governo Lula e o primeiro governo Dilma.

"O patrimonialismo, como se sabe, é a pior privatização da coisa pública. Ele se desenvolve em um ambiente onde a burocracia se organiza mais por mecanismos de lealdade do que especialização ou capacidade técnica, e os limites do Estado são imprecisos."

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Levy citou textualmente o sociólogo Raymundo Faoro em seu discurso. Faoro defende a tese de que o país nunca se liberou ao longo do tempo da relação especial entre o Estado e grupos que têm relações pessoais com quem está no poder. Essa relação seria fonte de distorções no funcionamento do capitalismo brasileiro e o fator que mantém o aparelhamento do Estado. Por isso, o novo ministro falou muito em transparência em seu discurso. Talvez seja pouco para acabar com o patrimonialismo, mas é um fator necessário.