Alta do trigo vai afetar a mesa e o bolso do consumidor brasileiro.| Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo
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A guerra no Leste Europeu vai ter impacto na mesa dos brasileiros. Os preços dos panificados – que aumentaram 9,28% em 12 meses até fevereiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – devem ter altas mais fortes nas próximas semanas.

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O conflito envolve Ucrânia e Rússia, dois dos maiores exportadores mundiais de trigo. Os dois países responderam por 29,1% das exportações dos últimos cinco anos-safra.

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) aponta que o conflito interrompeu o fluxo de grãos na região, gerando grande incerteza no comércio global de grãos. A Ucrânia suspendeu as operações portuárias em 24 de fevereiro e o fluxo russo no Mar Negro é afetado por prêmios de seguros elevados para as embarcações.

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Outro fator que impacta as transações russas são as sanções aplicadas, o que torna as operações comerciais mais desafiadoras. A Rússia também está sobretaxando as exportações, à exceção dos países vizinhos que integram a União Econômica Euroasiática (UEEA). A reação foi a alta nos preços em todos os principais mercados.

“Neste cenário, em que a região está com a comercialização parada em função do conflito, o balanço do cereal, que já era o mais apertado das últimas cinco safras, pode se tornar um dos piores da história recente sem os dois países nas mesas de negociações com os portos da Rússia e Ucrânia fechados”, aponta relatório do Itaú BBA.

O preço do contrato futuro de 5 mil bushels (136,1 toneladas) aumentou 75% em dólares em um ano, até dia 23 de março, segundo a plataforma de investimentos Investing.com. Apenas nos últimos 30 dias, a alta foi de quase 20%. O trigo está nas cotações máximas em 13 anos e, além disso, enfrenta muita volatilidade, comenta César Castro, analista de agronegócio do Itaú BBA.

Segundo o banco, os preços no Brasil já seguem uma trajetória altista. Em 30 dias, aumentaram 12% no Paraná e 18% no Rio Grande do Sul, conforme o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP).

Há um alívio, entretanto, aponta o banco de investimentos: “Os estoques da indústria moageira realizados na colheita doméstica no final do ano passado garantiram às processadoras a possibilidade de se manterem fora das negociações. Esse movimento retardou a alta dos preços domésticos frente aos praticados nas bolsas globais. Além disso, a moeda local ganhou força frente ao dólar, e fez com que a paridade de exportação freasse altas maiores, mesmo momentaneamente, nos preços locais da commodity”.

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Impacto da alta do trigo sobre o consumidor é inevitável, diz indústria

O impacto será inevitável, apontam entidades ligadas à cadeia produtiva do trigo. O presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Rubens Barbosa, afirma que moinhos estão observando uma alta de 40% nas cotações do trigo.

Além do custo das importações, também pesam a volatilidade no câmbio e o aumento nos fretes. “Vai haver repasse, mas o valor vai depender da estratégia adotada pelos moinhos”, diz Barbosa.

O impacto sobre os preços dos derivados de trigo vai variar conforme o produto, aponta a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães e Bolos Industrializados (Abimapi).

Segundo a entidade, a elevação do preço do grão se reflete diretamente no custo da produção. Nas massas, em média, 70% é da farinha. Nos biscoitos, 30% e nos pães e bolos industrializados, 60%.

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“A disparada da cotação do trigo começa a ser sentida pelos fabricantes nas negociações com os fornecedores, porém existe a entrega de farinha compromissada em contratos antigos. O que se pode afirmar é de que haverá reajustes nas próximas semanas, mas com o horizonte indefinido, já que a cada notícia da guerra, o preço do trigo oscila para cima ou para baixo com valores expressivos”, informa a Abimapi.

A entidade avalia que o consumidor deve começar a sentir os efeitos em breve, quando as novas safras forem sendo compradas. Os estoques nas indústrias são pequenos. “O repasse tende a ser gradual, pois não há espaço para elevar os preços de uma só vez.”

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Alta de preços pode favorecer aumento da área plantada do trigo no Brasil

Um alento nesse cenário de incerteza é a possibilidade de aumento na área plantada para a próxima safra, diante de um cenário de melhora de rentabilidade projetada. Os analistas do Itaú BBA lembram que o Sul sofreu com a quebra da safra de verão, o que torna o trigo uma interessante fonte geradora de receitas.

Mas, segundo Castro, do Itaú BBA, dois fatores podem complicar esse cenário: um deles é o fenômeno climático La Niña e o outro é o fornecimento de fertilizantes, que foi afetado pela guerra na Ucrânia.

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“Ao se analisar o histórico dos valores de mercado e a área destinada para a cultura, há um indicativo de que os produtores respondem quando os preços estão elevados”, diz o superintendente de Inteligência e Gestão da Oferta da Conab, Allan Silveira. “No entanto, os custos de produção em alta podem limitar o aumento esperado”, alerta.

Segundo Barbosa, da Abitrigo, no longo prazo o Brasil poderá se beneficiar da expansão da área destinada ao trigo. Pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estudam a viabilidade de plantar o grão no Norte do cerrado e em áreas do Nordeste.

Na última safra, o Brasil teve uma produção nacional recorde de 7,8 milhões de toneladas. Mas, segundo o Cepea, as importações também foram elevadas: 6 milhões de toneladas, principalmente da Argentina. Outros fornecedores, em menor grau, segundo Barbosa são os Estados Unidos, o Paraguai e o Uruguai.

Índia e Austrália podem ajudar na oferta de trigo, mas EUA preocupam

Diante das restrições à produção russa e ucraniana, a expectativa do USDA é de que a União Europeia amplie as exportações de trigo. Outros países que podem ter mais presença no mercado internacional da commodity são a Índia e a Austrália, já que tiveram ótimas colheitas nos últimos anos e têm preços competitivos. Os preços na Austrália são, em média, 16,4% menores dos que os da União Europeia.

Na Índia, a escassez da oferta mundial e os altos preços praticados pelos principais exportadores fizeram com que o trigo local se tornasse competitivo pela primeira vez em vários anos. “Depois de cinco safras recordes e o aumento dos estoques governamentais de trigo, a Índia tem uma ampla oferta para exportação”, destaca o órgão norte-americano.

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Segundo Castro, há uma dúvida se estes países vão conseguir compensar a participação da Ucrânia e da Rússia. “O mercado ainda não conseguiu mensurar um preço de equilíbrio para o trigo no cenário global sem a oferta do Mar Negro e tende a continuar precificando um cenário pessimista.”

Mas não foi só a guerra que pressionou os preços para cima, aponta Castro. Os preços também tiveram uma forte alta devido ao clima seco em importantes áreas produtoras nos Estados Unidos, o que tem despertado preocupações sobre a qualidade do produto que será colhido. Os americanos respondem por 11% das exportações globais de trigo.

Segundo a Abitrigo, o mercado global do cereal, nos últimos dois anos, foi fortemente afetado por crises climáticas e pela Covid-19, que impactou o posicionamento de estoques de segurança e de fretes marítimos, cujos valores sofreram aumento de até três vezes. “O mercado visualiza um alongamento da crise”, informa a entidade.