Objetivo de Trump é tirar as amarras do setor privado americano, para que ele se expanda e gere empregos| Foto: Chris Hondros/Getty Images/AFP

O otimismo inicial do mercado financeiro com o governo de Donald Trump começa a dar lugar a um aumento das incertezas sobre o futuro. Ao defender uma forte desregulamentação financeira, anunciando que vai reduzir drasticamente as medidas adotadas por Barack Obama após a grande crise global de 2008 - iniciada justamente por causa dos financiamentos imobiliários de alto risco dos EUA, o chamado subprime - o republicano tende a elevar o risco que ameaça a estabilidade global.

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Trump já assinou um decreto, em 3 de fevereiro, revendo a lei que ficou conhecida como Dodd-Frank, considerada um legado de Obama. O nome da legislação vem de Barney Frank e Chris Dodd, então deputado e senador, respectivamente, que tiveram forte atuação na defesa de regras para fortalecer o sistema financeiro e inibir socorros bilionários indiscriminados a bancos, seguradoras e empresas, como observado durante a crise financeira global.

Na terça-feira (14), a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Janet Yellen, enfrentou o questionamento de deputados republicanos, durante audiência na Câmara, sobre a Dodd-Frank. Mesmo admitindo que as regras podem ser aperfeiçoadas, ressaltou que elas tornaram o sistema financeiro americano mais seguro.

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Embora não haja muita clareza, por enquanto, sobre as mudanças que serão feitas na Dodd-Frank, especialistas acreditam que haverá redução da exigência de capital dos bancos, esvaziamento da agência de proteção ao consumidor e algum afrouxamento na chamada regra de Volcker (referência ao ex-presidente do Fed Paul Volcker), que limita a especulação dos bancos. Essa desregulamentação - que, de certa forma, repete o que foi feito por George W. Bush após o atentado do 11 de Setembro para evitar uma recessão - pode aquecer a economia em um primeiro momento, mas pode gerar problemas no futuro.

“Nem toda regulamentação é boa, mas toda desregulamentação gera confusão. Sem uma visão crítica do que realmente está aí, há o perigo de se relaxar demais, isso é bem alarmante”, explica Anat R. Admati, professora de Economia da Universidade de Stanford, na Califórnia. “E a população fica perdida, sem entender os reais riscos das duas opções, apresentadas de maneira simplista pelos partidos políticos.”

Argumento duvidoso

O argumento de que o maior número de regras comprometeu os volumes de empréstimos bancários, usado por Trump ao anunciar sua decisão, é colocado em dúvida pelos analistas. Americanos têm US$ 992 bilhões nas faturas de seus cartões de crédito, perto do recorde alcançado em 2008. Ao mesmo tempo, os financiamentos de veículos estão em US$ 1,1 trilhão, cifra inédita. Já o crédito habitacional atingiu US$ 14,2 trilhões, também próximo do recorde histórico de meados de 2008, pouco antes de a crise eclodir.

Em seu discurso de despedida, em Chicago, Obama lembrou que, mesmo com as regulamentações, os mercados acionários registraram alta por sete anos consecutivos, milhões de empregos foram criados, e os lucros das empresas aumentaram.

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“A regulamentação inteligente é uma ferramenta eficaz para prevenir crises financeiras e mitigar os impactos quando as bolhas estouram. Eliminar as muretas de proteção das estradas só porque você não foi vítima de um acidente pode deixar você exposto a um acidente no futuro”,diz Aaron Klein, pesquisador do Brookings Institution, em Washington. “As crises financeiras ocorrem repetidamente ao longo da História. Há fatores comuns, como a falta de avaliação do risco e o uso da alavancagem. No entanto, o ativo subjacente é quase sempre diferente, ninguém mais viu uma crise por causa das tulipas holandesas.”

Amarras

O objetivo de Trump ao desidratar a Dodd-Frank, uma de suas promessas de campanha, é tirar as amarras do setor privado americano, para que este se expanda e gere empregos.

“Ainda não há nada muito concreto, mas o que se imagina é algum relaxamento da exigência de capital dos bancos. Minha opinião é que isso aumenta o risco do sistema. E risco é algo que só se descobre quando acontece. Não quer dizer que vem uma crise por aí, mas fica-se mais vulnerável a uma crise como a de 2008, especialmente em um ambiente de taxas de juros muito baixas. O risco de uma crise é em geral baixo, mas, se acontece, o resultado é catastrófico”, aponta Rafael Schiozer, professor da FGV/Eaesp.

A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, ressalta que qualquer ação no sentido de afrouxar a regulação aumenta os riscos futuros. Ela lembra, no entanto, que a Dodd-Frank é uma legislação complexa, que poderia ser simplificada. Uma de suas preocupações é com o comitê independente, que é o responsável pela definição de quais são as instituições importantes para o sistema financeiro como um todo.

“O comitê é a espinha dorsal da Lei Dodd-Frank. Há tentativas de reduzir o papel do comitê ou de acabar. Se isso acontecer, perde-se a capacidade de definir isso de forma independente. E aí aumenta muito o risco de repetir uma crise como a de 2008”, afirma Monica.

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Práticas prejudiciais

E esse alívio na regulação ocorre em um país onde as empresas ainda oferecem cartões de crédito e financiamento imobiliário até para quem não tem garantia de renda. Com a desregulamentação, os bancos podem cair na tentação de retomar práticas prejudiciais ao sistema financeiro, no qual os consumidores estão expostos a taxas ocultas e armadilhas de dívida.

“O ponto que tem sido levantado pelo novo governo é que a regulação levou à limitação na oferta de crédito. E, aparentemente, os dados não comprovam que o crédito ficou prejudicado. A regulamentação após a crise estava acertada. Vejo com certa inquietação a possibilidade de uma nova onda de desregulamentação”, avalia o coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV, Lauro Gonzalez.

Karthik Sankaran, diretor de Estratégia Global do Eurasia Group, afirma que os impactos do sistema financeiro podem superar a desregulamentação interna, gerando riscos globais. “A questão é que existem elementos tanto no novo governo como no Congresso que são muito contrários à coordenação regulatória internacional ou multilateral, vendo neles uma afronta à soberania dos EUA”, afirma Sankaran.

Professor de Finanças do Ibmec/RJ e economista da Órama Investimentos, Alexandre Espírito Santo não vê aumento de riscos a curto prazo, mas tem um alerta. “Os testes de estresse têm mostrado uma boa situação dos bancos. Mas, a médio prazo, as mentes brilhantes de Wall Street podem inventar novos produtos, criar novidades que podem trazer problemas.”

Ele lembra que, durante a campanha, Trump ressaltava as relações entre Hillary Clinton e Wall Street. Mas as possíveis mudanças na Dodd-Frank podem mudar esse quadro. “Trump dizia que Hillary Clinton era a candidata de Wall Street, mas agora é ele que está se mostrando mais próximo do mercado.”

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