O recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é pródigo em falar mais do que deveria. Ironicamente, um dos fatores que mais pesaram em sua eleição foi saber dizer a coisa certa às pessoas certas. O republicano varreu a oponente Hillary Clinton nos estados do meio-oeste norte-americano. Ohio, Pensilvânia e Wisconsin, antigos redutos democratas do chamado cinturão industrial, garantiram 48 delegados para o republicano. Michigan está em vias de dar mais 16 (99% do votos já foram apurados, segundo o The New York Times).
Em comum, são estados onde o sonho americano foi despedaçado com a migração das indústrias para mercados emergentes. A eles, Trump prometeu “fazer a América grande novamente” e “não esquecer os esquecidos”.
“Em parte, o descontentamento foi decisivo. Não foi uma eleição apertada. Isso é uma rejeição ao modelo. Estes são os estados que se desindustrializaram. Trump se aproveitou dessa insatisfação da classe média e média-baixa dessas regiões, que tiveram uma piora na qualidade de vida nos últimos 10 ou 20 anos”, diz o professor de relações internacionais da USP Kai Enno Lehmann. “Só que os indícios de como Trump promete resolver isso são muito simplistas: cortar tarifas, taxar importações, cobrar imposto das empresas que saem do país. Todos têm dúvidas de que isso vá funcionar de fato”, diz.
Isolamento
O protecionismo proposto por Trump, que destoa inclusive do histórico político de seu partido, coloca em xeque a economia americana -- consequentemente, também a mundial. Em junho, a agência Moody’s publicou relatório em que aponta que as políticas de isolamento do então candidato causariam uma recessão de dois anos nos Estados Unidos. Até 2021, a economia do país encolheria 6,5%, levando embora 9 milhões de empregos -- sobretudo aquelas vagas ligadas à importação/exportação, diretamente afetadas por uma possível guerra comercial com México e China, por exemplo.
A combinação de choque de oferta devido à contração da força de trabalho, com a ruptura no comércio internacional pode colocar a economia numa recessão de dois anos ou mais
“As chances são altas de que uma presidência de Trump assuma uma posição anti-globalização. Não haverá acordos comerciais e alguns países podem ser rotulados como manipuladores de moeda, resultando em alguma forma de sanção ou tarifas ainda mais elevadas”, destacou Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics em uma análise pós-resultado eleitoral, nesta quarta-feira (9).
“O corte de impostos, se implementado no primeiro ano de Trump na presidência, pode dar uma força substancial ao PIB por um ano ou mais, a combinação de choque de oferta devido à contração da força de trabalho, com a ruptura no comércio internacional pode colocar a economia numa recessão de dois anos ou mais”, também defendeu Kevin Logan, economista do HSBC, ao “Financial Times”.
Seria um desastre quase sem precedentes – uma bomba comparável, em escala bem maior, ao Brexit (a ruptura do Reino Unido com a União Europeia). Neste cenário, o Brasil está em posição frágil, dada a parceria comercial entre os dois países ter um peso mais que significativo.
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Para Jim Leaviss, da M&G Investiments, os investidores em títulos públicos devem se preparar para elevação do déficit americano e abertura de brechas fiscais. “Sabemos muito pouco sobre as políticas econômicas de Trump, mas os estímulos fiscais por meio de cortes de impostos e gastos em infraestrutura parecem similares (podemos compará-los àqueles adotados por Ronald Reagan em seu primeiro mandato). O governo deve tomar mais dinheiro emprestado no médio prazo, o que geralmente resulta em curva de juros mais elevada.”
Reação
“A grande questão é como o mundo responderá a isso”, pondera Kai Lehmann, da USP. “Será que vai haver uma tentativa de enfrentar esse protecionismo ou falaremos: ‘tudo bem, vamos nos proteger também’?”, diz. “Na verdade ninguém sabe como e se isso vai acontecer. Não imagino que os governos no mundo tenham se preparado para a eventual vitória de Trump”, aponta o professor. “Obviamente, vai haver pressão de governos aliados para que os EUA não criem um choque para a economia mundial. O Brasil tem que se posicionar a esse respeito”.
Obviamente, vai haver pressão de governos aliados para que os EUA não criem um choque para a economia mundial. O Brasil tem que se posicionar a esse respeito
O ponto-central é que a eleição do bilionário norte-americano não garante, por si só, a implementação desta política altamente isolacionista. “A forma como ele irá agir é incerta. Ele terá um congresso dominado pelos republicanos que, embora do mesmo partido, são a favor do livre comércio. Seus eleitores é que são os contrários. Não dá para saber como ele vai resolver essa promessa de proteger a indústria americana contra a competição estrangeira tendo ao mesmo tempo esta pressão da população”, defende Lehmann. Ao que tudo indica, o Trump da vida real será, por hora, tão imprevisível quanto a persona que o levou à vitória.
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