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Fortemente atingido pela pandemia da Covid-19, o setor do turismo no Brasil amarga um prejuízo de R$ 245,5 bilhões entre março e novembro, de acordo com levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). No período, foram fechados quase 50 mil negócios e 500 mil postos de trabalho. Mesmo com a flexibilização das medidas de isolamento social, o setor não conseguirá reverter as perdas e fechará o ano no vermelho.
Nos últimos meses, a arrecadação do turismo vinha crescendo na comparação com o mês anterior, mas seguia abaixo da média histórica. Lentamente, as pessoas estavam se mostrando mais dispostas a sair de casa e fazer viagens curtas. Mas, agora, essa retomada está ameaçada pelo aumento dos casos de Covid-19 no país. Além das incertezas sobre a recuperação econômica brasileira, o setor sofre com a segunda onda em países da Europa e Estados Unidos e o câmbio disparado.
Avaliação da FGV Projetos estima que o prazo mínimo para recuperação do turismo para níveis pré-pandemia seria de um ano após a retomada, na alta temporada de 2022 – e isso quando se trata do mercado doméstico, porque o internacional levará mais tempo. A CNC, por sua vez, projeta que o patamar anterior a março deste ano só será alcançado novamente no terceiro trimestre de 2023.
Para chegar lá, o setor ainda precisa contar com algumas variáveis positivas. A principal diz respeito à segurança sanitária, que pode ser tanto o estabelecimento de protocolos de comportamento seguidos à risca pelos turistas e, principalmente, a vacina contra a Covid-19. Na sequência, vem o “fôlego” do mercado, que precisará se ajustar à nova realidade e se reinventar – tanto pela falta de dinheiro quanto pela necessidade de mudar estratégias de promoção.
Retomada do setor será mais lenta
O crescimento que vem ocorrendo é um alento, mas também é pouco expressivo, na avaliação de Alexandre Sampaio, diretor do Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade da CNC. “Foram R$ 229 bilhões perdidos no agregado dos setores de turismo. É importante quantificar o número de estabelecimentos fechados, que gera uma perda substancial de empregos. Fora isso, o setor teve leituras muito díspares Brasil afora”, diz.
Sampaio avalia que o novo avanço da contaminação no Brasil vai prejudicar muito a retomada, principalmente no curto prazo, afetando um período crucial para o setor. “Com a proximidade das festas de fim de ano e a questão da vacina muito longe de ser resolvida aqui, isso incute um medo natural. As pessoas vão acabar restringindo saídas para lugares de fácil acesso”, analisa.
Além disso, o Carnaval de 2021 também está adiado nos principais centros, como Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Para ele, a tendência é de que apenas pequenas localidades de luxo, principalmente no Nordeste, consigam manter algum nível de ocupação nos próximos meses.
Esse momento de dualidade para o setor turístico também faz parte da avaliação de Gustavo Dias, coordenador do Comitê de Travel Tech da camara-e.net. Para ele, acompanhar as informações sobre as novas ondas em outros países e o aumento de casos aqui faz acender o alerta e o olhar é de cautela e preocupação.
Por outro lado, os avanços das vacinas e o começo da imunização já neste ano em alguns países – como o Reino Unido – dão mais esperança para a luz no fim do túnel. “É um consenso: se tem vida, tem viagem. Seja a trabalho ou a lazer, seja mudando perfil de viagem e acomodações, mas é uma coisa que temos muito certo que vai acontecer”, diz.
André Coelho, especialista em turismo da FGV Projetos, avalia que esse retorno já está acontecendo, com adaptações. “Dependendo do poder aquisitivo das famílias, o turismo já faz parte da cesta de consumo, cada uma com a sua capacidade de gasto, já que algumas dependem mais ou menos de transporte, facticidade de pagamentos e essas coisas”, avalia.
Sem turismo internacional, a tendência é de que mais pessoas de renda elevada optem por viajar pelo Brasil. Isso não quer dizer que elas vão viajar o dobro ou compensar o período de isolamento, mas o mercado doméstico pode ver esse movimento como uma possibilidade de crescimento e recuperação.
Governo lança plano para incentivar retomada
No início de novembro, o governo federal lançou a Retomada do Turismo, classificada como uma aliança nacional que visa acelerar a recuperação do setor. Foi a primeira medida customizada para o segmento, que até então aproveitou outras ações do governo, como a possibilidade de suspensão de contratos de trabalho e linhas de crédito, como o Pronampe.
Para André Coelho, da FGV Projetos, as medidas iniciais tomadas pelo governo foram suficientes. Agora, cada setor pode direcionar seus pleitos. No caso do turismo, ele lembra que muitas empresas ainda estão sendo beneficiadas por essas medidas.
“Os empregos perdidos não serão recuperados de forma automática. Tem empresas que ainda não demitiram, porque estão dentro da grade de auxílios do governo, que salvou muitos empregos no turismo. Os empregos não voltam, mas, com a retomada do turismo, novas vagas vão se criando”, avalia.
Alexandre Sampaio, da CNC, vê com preocupação a questão dos empréstimos contraídos pelo Pronampe ou outras linhas de crédito criada na pandemia, como a do Fungetur, que previam seis meses de carência para início dos pagamentos. “Esses financiamentos começam a vencer agora e não há capital, não recursos de giro disponíveis, porque não vamos ter uma recuperação vigorosa”, alerta.
Ele avalia que esse período final do ano, com o pagamento de 13.º salário, vencimento dos empréstimos e fim da suspensão da cobrança de tributos, será muito pesado para os empresários. “A situação é dramática, muito preocupante. Vamos assistir a quebradeira e desemprego”, diz. Ele ainda cita a proposta de reforma tributária, que oneraria mais o setor.
Em relação aos tributos, Gustavo Dias, da camara-e.net, lembra que um dos pleitos do setor é a redução da alíquota de imposto de renda sobre remessas para o exterior, que é de 25%. A demanda é que seja reeditada a medida provisória que reduzia essa alíquota para 6%. “Essa questão é crucial e vem desde antes da pandemia, que é o imposto pago para remessas no exterior para serviços turísticos”, diz.
Ele explica que essa cobrança era isenta até 2016, quando o governo optou por fixar a alíquota em 6% porque precisava aumentar a arrecadação. Esse percentual foi válido até o fim de 2019, quando a redução foi retirada e passou-se a cobrar o “valor cheio” da alíquota, que é de 25%.
“Qualquer brasileiro que remete recurso pro exterior tem que pagar 25% de imposto de renda, que fica retido no Brasil. Isso não faz sentido nenhum quando você vende um pacote turístico, e é mais do que a margem inteira de qualquer setor”, diz. Até o momento, não houve sinalização do governo a respeito dessa demanda.
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